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julho 17, 2009
Como usar uma cidade por Alan Santiago, O Povo
Matéria de Alan Santiago originalmente publicada na seção Vida e Arte do O Povo, em 14 de julho de 2009.
Para espaços vazios, os artistas Louise Ganz e Breno Silva criaram uma utilidade. A exposição Ambulantes em espaços vagos traz manuais com possibilidades outras para utilizar as áreas urbanas
Primeiro passo: escolha um espaço vago na cidade. Segundo passo: transforme seu carrinho em um salão de beleza ao ar livre em poucos segundos. Caso não seja lá muito afeito ao cuidado com as unhas, escolha outro manual. Uma piscina portátil, talvez. Um equipamento de som ou ainda uma mesinha para comer na rua, quando a fome corroer as paredes do estômago. Esses kits, que ensinam a converter espaços vazios em áreas de utilidade, são reais. E são arte. Compõem a exposição Ambulantes em espaços vagos que, logo mais, às 19h30min, estará disponível, no Centro Cultural Banco do Nordeste.
O projeto inicial - surgido pelas mãos dos arquitetos e artistas plásticos Breno Silva e Louise Ganz - tem quatro anos. Nasceu em Belo Horizonte, mas veio ocupar os interstícios urbanos por aqui. Ano passado, a intervenção conversou com proprietários de terrenos sem utilidade e os tornou públicos por um tempo. Foram oito ao todo. Disso, brotou o vídeo sobre a intervenção que a exposição exibe junto com os manuais - ou kits, como prefere chamar Louise. “É uma releitura do trabalho anterior. Antes, se a gente partia a negociar com os proprietários, agora lidamos com equipamentos pra uso de espaço vago. Ainda gerando a mesma lógica, que é de ocupar com diversas funções”, reflete a artista, que possui uma palavra na manga para classificar o que vem desenvolvendo: “propositivo”.
Utilizar-se dos kits para uma vida mais, digamos, divertida. Ela mesma andando por aqui tem vontade de desdobrar uma cadeira e se resguardar do calor na sombra de uma árvore qualquer. Opção que, certamente, a dureza do calçamento não vai dar. Então, que se crie, é o que ela acredita. Com inventidade sempre.
Para ela, nossas cidades são espaços de ilegalidade. Estão aí os camelôs e comerciantes que ambulam vendendo DVDs, chaveiros, carregadores de celular que não a deixam mentir. “Mas a cidade é mais rica, no sentido de mais interessante, justamente porque tem esse uso ‘ilegal’”. Por isso é que os artistas espalham elementos de estranhamento, condenados aos espaços privados.
Entretanto, muito maior do que propor possibilidades outras de povoar as artérias de uma cidade, Louise e Breno convidam também a pensar esses vãos citadinos como quem passeia por eles. “Está acontecendo cada vez mais segregação no Brasil. Eu vejo muito em São Paulo e Belo Horizonte grandes condomínios onde há tudo lá dentro. A pessoa não precisa sair para conseguir nada. E, quando sai, anda pela cidade de carro. Não tem embate, não tem encontro. A intenção do trabalho é justamente eliminar o medo e o preconceito de que quem usa espaço público é camelô, é pobre”, critica Louise para completar, em seguida: “As cidades são inciativas das próprias pessoas, de querer mudá-las, reinventá-las, transformá-las nem que seja um cantinho de dois por dois; e provocar um desejo de atuar, de ser atuante pra gerar qualidades”.
EMAIS
- Os kits não ficarão estampados apenas nas paredes do CCBNB. Na abertura da exposição, alguns deles serão usados.
- Pouco antes de começar a Ambulantes em espaços vagos, às 18h30, haverá o lançamento do Concurso Mário Pedrosa que premia, até R$ 30 mil, textos inéditos de pesquisa sobre Arte e mundo após a crise das utopias.