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julho 9, 2009
Argentinos sabem fazer figuração por Camila Molina, O Estado S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 no jornal O Estado S. Paulo, em 7 de julho de 2009.
Mostra reúne a pouco conhecida produção contemporânea da Argentina
Tão perto e um pouco longe. O curador carioca Franklin Espath Pedroso garante que os argentinos conhecem mais de arte brasileira do que o contrário - apesar de vizinhos, temos contato apenas com alguns ?artistas pingados? da Argentina, entre eles, Jorge Macchi, Leandro Erlich e Tomás Saraceno, que volta e outra expõem aqui e são criadores de renome internacional. Por isso, a exposição Argentina Hoy (Argentina Hoje), que acaba de ser inaugurada no Centro Cultural Banco do Brasil, tem justamente como mote apresentar, primeiro em São Paulo e depois no Rio, um panorama da arte contemporânea dos criadores argentinos por meio das obras de 33 artistas. A mostra é de uma visada aberta e livre, dando espaço de respiro para cada trabalho.
Uma característica desponta ao ver a reunião das obras argentinas, a presença da figuração, vertente que não é surpreendente porque está em confluência com as criações de todo o mundo. É o dado figurativo que reúne os trabalhos da mostra, mais do que uma vontade de se criar um espaço para a procura de um diagnóstico de tendências da arte daquele país - apesar de a fotografia predominar. "A exposição tem duas vertentes, uma que trata do tema da cidade; a outra, das criações de mundos próprios, imaginários", diz Pedroso, que divide a curadoria da exposição com a argentina Adriana Rosenberg.
Jorge Macchi, que em sua poética inteligente extrai de signos simples do cotidiano os motivos de suas obras, já afirmou ao Estado que a entrada para as obras deve se dar pela porta visual - uma imagem figurativa - e não pela armadilha do "deciframento de uma ideia", esse talvez um mote pensado por seus conterrâneos. É curioso perceber na exposição que a opção pela figuração na arte contemporânea argentina vem junto da constância de uma poética que carrega algo político entremeado, sendo essa ação por vezes mais delicada e intimista e por vezes mais explícita - como no vídeo de Ana Gallardo, no qual a artista, desalojada de sua casa em plena crise econômica, carrega seus pertences numa bicicleta como uma catadora de papel, ou nas pinturas excessivas de animais mortos de Mariana López. "A atmosfera política controversa da Argentina não poderia deixar de entrar nos trabalhos dos artistas", afirma o curador. A figuração, portanto, é maneira de marcar alguma posição.
Dentro dela, mesmo quando a vertente é a do mundo imaginário, não se trata de escapismo, pelo contrário. No cofre do CCBB, por exemplo, Marina De Caro apresenta a instalação Entre Parêntesis, um espaço rosa, com desenhos feitos a pastel, que tem um tapete fofo de tecido no chão, só que com figuras humanas costuradas em si. Uma atmosfera delicada se faz dentro desse lugar imaginário, como se tudo estivesse em "um contínuo", "sem um limite", como diz a artista, completando que se trata de uma obra sobre o tema da imigração. "Quis criar um espaço que remetesse à ideia de se ter saído de um lugar para ir a outro, que vai chegar, sem que se deixe uma memória de lado", afirma ainda Marina. Erlich também faz uma menção política com sua instalação no primeiro piso, um jogo de espelhos e janelas que promove a ilusão de presença e ausência; e Silvia Rivas com videoinstalação trata de forma poética sobre a urgência.
Outra característica argentina que se percebe é uma recorrência de citações à história da arte. Nesse caso, chama a atenção, na entrada do CCBB, a pintura feita in loco por Leila Tschopp, O Contexto sou Eu, a criação de uma paisagem arquitetônica de jogo de perspectivas que remete à obra metafísica de Giorgio De Chirico. Ainda nessa vertente, as fotografias encenadas de RES y Constanza Piaggio e de Nicola Costantino.