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julho 9, 2009
Argentinos focalizam suas margens por Silas Martí, Folha S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha S. Paulo, em 7 de julho de 2009.
Artistas portenhos enfatizam aspectos periféricos em obras de exposição que tenta traçar um panorama atual do país
Mostra coletiva "Argentina Hoy" reúne 63 trabalhos de mais de 30 artistas no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo a partir de hoje
É feita de desvios a nova arte argentina. Na casa de espelhos de Leandro Erlich, quem olha pela janela vê outro reflexo no lugar do próprio rosto. No filme de Jorge Macchi, os créditos do final substituem o enredo. "Ponho o acento no marginal, já que o fim do filme é quando a trama já se resolveu, o público se levanta e vai embora", diz Macchi, sobre um vídeo em que mostra créditos de um filme fora de foco e uma orquestra que acompanha os letreiros. "O marginal aqui se transforma em protagonista." Juntos numa coletiva aberta hoje pelo Centro Cultural Banco do Brasil, artistas portenhos já conhecidos, como Macchi e Erlich, e nomes jovens de Buenos Aires sustentam essa noção de desvio intencional do assunto, uma arte mais sobre bordas e contornos do que sobre lugares e momentos privilegiados. Erlich constrói dentro do museu uma casa de paredes espelhadas e arma um jogo para distorcer os reflexos. "A arquitetura é o eixo da obra até certo ponto", afirma ele. "Mas o que me interessa é a construção despojada de suas funções."
Arquitetura pelo avesso
Seguem esse princípio as fotos de Ernesto Ballesteros, que cobre com pontos negros os focos de luz de Puerto Madero e outras zonas de Buenos Aires. É sua tentativa de desviar a atenção para ausências no espaço e desfazer ao mesmo tempo o espetáculo da especulação imobiliária. No lugar de paisagens luminosas, surge a arquitetura ultrajada, pelo avesso. E no lugar da mancha gráfica, Tomás Espina usa buracos para ilustrar uma cena de batalha. Ele desenha com pólvora sobre tela e faz explodir os traços, deixando impressos só os rastros de fogo para contar a história. Num exercício que lembra a arte povera, movimento italiano dos anos 70, e sua precariedade material, Espina esconde o assunto do quadro, preferindo uma exacerbação do imediatismo à nitidez, ou o barulho do disparo ao alvo da bala. Também busca força nos resíduos da ação as fotos de Marcos López. Num cenário kitsch -cor-de-rosa e decorado com pinturas de cenas rurais e marítimas- um casal de homens em pijamas de cetim posa de mãos dadas. Lá atrás, um pastor alemão vigia a cena. "Passo longe da ideia de instante decisivo das fotos de Henri Cartier-Bresson e monto toda a cena", diz López. "Minhas fotos se alimentam de um imaginário vital e selvagem." Importa menos o retratado e mais as circunstâncias. Nessa narrativa interrompida ou sugerida, não sobra espaço para o real, e a fotografia digital, suporte que desponta agora na cena argentina, surge como forte estratégia de construção.