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julho 8, 2009
Arte e cidade (II) por Ricardo Tamm
Mais uma vez recebemos a notícia de que o governo do estado do Rio de Janeiro encomendou uma estátua-homenagem para ser instalada na cidade. Decisão do próprio governador, encomendada a um artista escolhido por critério desconhecido, com o auxílio, na determinação da pose da estátua, da secretária de Turismo, Esporte e Lazer.
O trecho acima bastaria para exemplificar como vem sendo desconsiderado e maltratado o espaço público da cidade na atual administração. Mas o caso não é isolado. O mesmo governo anunciou, há pouco mais de uma semana, estar negociando com um pintor-galerista de São Paulo uma ilustração tridimensional em homenagem à garota de Ipanema para o bairro. E a prefeitura anunciou a forma do novo prédio-marco da revitalização da zona portuária da cidade como uma vela náutica, à maneira de Dubai (segundo a notícia), em uma proposta sem outra justificativa (ou autoria) que não o gosto do prefeito.
Olhando um pouco para trás podemos constatar que as coisas não têm sido muito diferentes já há algum tempo. Dezenas de peças vêm sendo instaladas no espaço público da cidade há mais de uma década, fruto de encomenda ou de doação (patrocinada por leis de renúncia fiscal para a cultura), mediada pela Fundação Parques e Jardins do município – cuja direção declarou não estar apta a avaliar propostas de ocupação pública senão tecnicamente, isto é, se o local suporta o peso da peça e se não há prejuízo à circulação. Não há consideração estética envolvida[1].
Triste cenário para uma cidade considerada das mais belas do mundo por sua paisagem natural. É claro que a cidade cresce e demanda novas obras, podendo ganhar esteticamente com obras de arte apropriadamente dispostas em seus espaços públicos; e prestar homenagem a personagens importantes da nossa cultura, além de louvável, é fundamental para valorizar a sua obra, e a própria cultura, mas é preciso discutir a melhor forma de fazê-lo.
Em um país onde o acesso à literatura, às artes visuais, ou à música (fora os sucessos das rádios) é tão limitado, estátuas em bronze e tamanho natural de escritores e músicos não contribuem muito para a difusão da cultura. Respeitando a importância de obras e homenageados, não seria melhor editar, gravar, distribuir e promover essas obras nas escolas do município? Ou, então, fomentar a literatura com bibliotecas, e acervos, em nome de escritores e jornalistas; salas de música, com instrumentos, em nome de músicos; ateliês, com materiais, em nome de artistas? Valorizar, promover e difundir uma prática entre as novas gerações em nome de um artista, um profissional de destaque em sua área é prestar-lhe a mais relevante das homenagens; congelar-lhe a figura em bronze no meio da cidade torna apenas a sua imagem – não a sua obra – reconhecida. E, mesmo elegendo como forma de homenagem a instalação de obras de arte no espaço público, por que não promover então concorrências públicas, capazes de estimular escultores e artistas a criarem novas formas de expressão sobre o que, ou quem se pretende homenagear?
O Rio de Janeiro não merece que a responsabilidade estética sobre o seu espaço público esteja submetida apenas ao gosto do governador e do prefeito, secundados por secretarias e fundações de turismo, esporte, lazer, parques e jardins, sem que haja qualquer instância artística (pessoa, órgão, secretaria, ou fundação) envolvida. A situação das obras de arte instaladas na cidade deveria passar por uma avaliação, caso a caso – da obra e do espaço ocupado –, segundo critérios estéticos justificados, por profissionais competentes e responsáveis (sem interesse direto nos casos analisados).
O que poderia justificar a arbitrariedade com que tem sido tratada esta questão seria, ou a desconsideração da estética urbana como um problema de menor relevância, coisa que qualquer um poderia resolver, ou a convicção de que estariam eles mesmos, governantes, habilitados para decidir o que deve compor e marcar publicamente a cidade. Desconsideram assim a relevância destes atos, vitais para a imagem da cidade, e que deveriam ser correspondentemente tratados, mas que têm respondido antes ao gosto dos próprios governantes, do que aos interesses da população.
Os administradores desta cidade têm tratado o espaço público carioca como o seu quintal – de um palácio que habitam temporariamente. E talvez seja esta a razão (temporal) da sua necessidade de marcar esteticamente a cidade, uma tentativa de perenizar-se, querendo reconhecer-se nela como em um espelho público de sua vontade pessoal.
A vaidade político-administrativa do governante está na grande obra, com a sua marca e a sua cara. Tendo em vista a execução dessa obra é que ele vai cercar-se de especialistas nas diversas áreas da administração pública, como auxiliares nas respectivas ações e políticas setoriais. Exceto, como temos visto por aqui, quanto à estética da cidade. Aí o diletantismo dos ocupantes do cargo tem prevalecido, sem que qualquer justificativa tenha sido considerada necessária.
Em uma cidade onde a arte não é reconhecida como uma área cujo saber e conhecimento demandam experiência teórica e prática específica, e a estética da obra de arte pública está submetida ao gosto dos governantes locais, não se pode esperar muita coisa. E a manutenção deste estado de coisas é danosa para a cidade e os seus habitantes. Enquanto há uma infinidade de formas de arte pública, modernas e contemporâneas, presente em diversas cidades do mundo (esculturas e instalações em pedra, madeira, aço, borracha, sonoras, luminosas, táteis, interativas, etc.), permanecemos, por aqui, congelados na homenagem em bronze à semelhança do homenageado. Como obras de arte em outros meios e materiais não fazem parte da informação estética dos nossos administradores, continuamos nos moldes em escala 1:1. Até quando?
Ricardo Tamm
Artista plástico e professor
[1] Às vésperas das penúltimas eleições municipais, em 2004, a prefeitura convocou uma comissão para a avaliação dessas ocupações, que ela mesma vinha encomendando e aceitando, e que não resultou em nada, isto é, não houve qualquer conseqüência, exceto a reeleição.
Recordar é viver
Leia também as matérias, emeios e comentários sobre este tema publicados aqui no Como atiçar a brasa em 2004.
Cartas de Ricardo Tamm publicadas em 9 de maio de 2004.
Emeio enviado por Patricia Canetti para os jornais O Globo e Jornal do Brasil em 20 de maio de 2004.
A arte da discórdia
Pedido de remoção das esculturas de Marli Mazeredo do espaço urbano divide a opinião dos cariocas
Texto de Gilberto de Abreu, publicado originalmente no Caderno B do Jornal do Brasil no dia 4 de agosto de 2004.
Arte revogada
Comissão criada pela Secretaria das Culturas para preservação da paisagem urbana da cidade pede a remoção das 14 esculturas de Marli Mazeredo do espaço público carioca
Texto de Gilberto de Abreu, publicado originalmente no Caderno B do Jornal do Brasil no dia 4 de agosto de 2004.
Concordo com o Ricardo Tamm em genero número e grau!!!
abs Sandra Schechtman
Excelente artigo!
Posted by: ana.e at julho 18, 2009 9:43 PM