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julho 7, 2009
Fábulas caseiras por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Revista Istoé, em 27 de maio de 2009.
Artistas habitam casas históricas e constroem exposições a partir da vivência de seus espaços e memórias
JOHN'S HOUSE - PATRÍCIA OSSES / Galeria Leme, SP/ até 20/6
INVISÍVEIS - JOÃO MODÉ / Fundação Eva Klabin, RJ/ de 24/5 a 25/6
DÉCOR - NINO CAIS / Galeria Virgílio, SP/ até 6/6
Para o dramaturgo John Osborne (1929-1994), o jardim e a natureza circundante de sua casa compunham a paisagem mais bela de toda a Inglaterra. O bosque de Shropshire e a casa do século 18 – que teve o escritor britânico como seu último morador e estava fechada há cinco anos – foram habitados pela artista chilena Patrícia Osses. A artista foi bolsista da Arvon Foundation, que oferece residências de criação literária a escritores. A partir de sua vivência do local e do estudo da obra do autor de Look back in anger (1956), marco do teatro moderno britânico, ela ocupou a casa abandonada construindo situações fictícias: fotografou seus espaços vazios através do reflexo de um espelho côncavo e passeou pelos cômodos e pelas trilhas dos bosques deixando no caminho um rastro de 50 metros de seda violeta. A vivência da casa gerou três ensaios fotográficos e um vídeo que hoje estão expostos na galeria Leme, em São Paulo.
O artista João Modé teve uma experiência similar à de Patrícia Osses, ao habitar a casa em que a colecionadora carioca Eva Klabin morou durante trinta anos, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. Artista convidado do Projeto Respiração – que propõe a artistas contemporâneos a produção de obras ou intervenções a partir do contato com a coleção guardada na casa-museu de Eva Klabin –, Modé morou em um dos sótãos que estavam fora do circuito de visitação. “Nesse lugar, João Modé se permitiu conviver com a ambiência da casa para se deixar levar pelo seu imaginário e descobrir novas paisagens físicas e mentais. Trouxe de volta os sons, os discos que ela escutava; os aromas, seu perfume predileto (Joy, de Jean Patou) e sua flor predileta (antúrio). Experimentou o que é viver na penumbra, já que Eva Klabin trocava o dia pela noite”, conta o curador Márcio Doctors. Além disso, em sua intervenção Invisíveis, o artista destacou todos os objetos duplos encontrados na casa, evidenciando o espelhamento como um dos hábitos de Eva Klabin.
Já a exposição Décor, de Nino Cais, não resgata a memória de uma casa específica, mas trabalha com a idéia da casa como um fruto da imaginação. Ele divide a Galeria Virgílio, em São Paulo, em três ambientes: quarto, sala e jardim. Na sala, revestida de papel floral, estão expostas fotografias em que o artista se relaciona física e afetivamente com alguns objetos domésticos: flores, cabaças, cestos, esponjas. Em operações de transmutação, incorpora objetos de decoração. “A sala dos fundos, mais intimista, simula um quarto, escritório ou gabinete, onde ficam em exposição trabalhos em papel: desenhos e colagens mais delicados, alem de fotos que mostram o artista concentrado, equilibrando-se sobre objetos de vidro”, diz a curadora Thaís Rivitti. Nesse ambiente de vistas de interiores, a televisão é a janela para o mundo. E o jardim da casa imaginária de Nino Cais é a paisagem de um encarte de vendas imobiliárias.
Colaborou Fernanda Assef
Circuitos no mundo
A performance da bruxa
À contre-corps – oeuvre de dévoration/ 49 Nord 6 Est – Frac Lorraire, Metz, França/ até 20/9
Última parada antes da Bienal de Veneza, onde realizará uma obra inédita, o artista carioca Cildo Meireles esteve semana passada na cidade de Metz, leste da França, instalando sua obra La bruja (1979-1981), parte da exposição À contre-corps – oeuvre de dévoration. Mesmo que desde os anos 1960 tenha experimentado com os mais diversos materiais e estratégias, Cildo Meireles nunca foi reconhecido como um artista da performance, já que essa modalidade artística prevê o corpo como o foco da ação. Mas sua passagem por Metz altera sensivelmente essa condição. Independente de ser realizada diante de um público ou não, uma performance pode ser definida como uma obra artística em que combinam-se o gesto e a intenção de ocupação de um espaço (às vezes de forma improvisada). E isto é, precisamente, o que acontece na instalação da obra La bruja no espaço 49 Nord 6 Est - Frac Lorraine, em Metz.
Cildo Meireles não fez sua instalação em público, mas deixou os rastros de sua exploração do espaço tortuoso e labiríntico do edifício medieval onde está situado o 49 Nord 6 Est – Frac Lorraine. Pronunciando-se sobre o muro da fachada, invadindo tubulações, preenchendo o pátio interno, subindo as escadas da torre, perseguimos os 4 mil quilômetros de barbantes negros, antes que esse percurso termine inesperadamente em uma vassoira encostada à parede, ao fundo da grande sala de exposição. Esta montagem de La bruja pode ser interpretada como um acontecimento performático, já que dá-se de maneira imprevista, ocupando o prédio como um corpo vivo.
Segundo a curadora Béatrice Josse, a exposição foi construída em torno do trabalho de Cildo Meireles, que cerca-se de três obras de duas outras artistas brasileiras. Canibalismo e Baba antropofágica são registros fotográficos de performances realizadas por Lygia Clark, com a participação de estudantes da Sourbonne, em Paris, em 1973, e In-out antropofagia, é um vídeo de Anna Maria Maiolino, de 1973, que pertence à coleção do Fundo Regional de Arte Contemporânea (Frac). Alem de circundar Cildo, a mostra articula-se também em torno do Manifesto Antropofágico (1928), de Oswald de Andrade. Mas atrás dos barbantes da bruxa brasileira, escondem-se outras tradições locais: uma escolha do Frac Lorraine por privilegiar uma arte feminina ou feminista – e também por obras “imateriais” - e a presença sugerida de Joana d’Arc, heroína da região de Lorraine.