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junho 16, 2009
A Funarj de cobaia? por Alessandra Duarte, O Globo
Matéria de Alessandra Duarte originalmente publicada no Segundo Caderno no jornal O Globo, em 15 de junho de 2009.
Funcionários da fundação se revoltam com retirada do Teatro Municipal do projeto que passa para Organizações Sociais a administração de espaços estaduais de cultura
Pivô da maior polêmica da gestão de Adriana Rattes como secretária estadual de Cultura até agora, o projeto de lei que repassa a administração da rede estadual de cultura a Organizações Sociais (OS) está previsto para ser votado esta semana na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Na semana passada, o Teatro Municipal foi retirado dele pelo governo e não deve passar mais a uma OS caso o texto seja aprovado. Mas, se o Municipal saiu, continuam no projeto outros cerca de 30 espaços culturais da rede estadual, como os teatros João Caetano, Villa-Lobos e Glaucio Gill, a Sala Cecília Meireles, a Casa de Cultura Laura Alvim e a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Além da retirada do Municipal, não haverá qualquer outra modificação em pontos do projeto que têm sido criticados pelos funcionários estaduais da cultura, como a dispensa de licitação para a contratação das OSs. Segundo funcionários dos espaços da rede que continuam no projeto de lei, foi só retirar “a joia da coroa”, como alguns se referiram ao Municipal, para que o projeto caminhasse na Alerj, mesmo sem a revisão dos trechos considerados negativos por eles.
De número 1.975/2009, o projeto de lei idealizado pela secretária Adriana Rattes foi apresentado em fevereiro deste ano pelo Executivo e andou rápido na tramitação da Alerj. O texto determina que a rede estadual de cultura seja administrada por OSs, entidades privadas sem fins lucrativos: os espaços continuariam públicos, mas passariam a ser geridos por essas organizações. Além da dispensa de licitação, outros pontos polêmicos do texto são o empréstimo de servidores públicos para as organizações com o pagamento dos salários desses servidores vindo não delas, mas do estado. Os funcionários estaduais da cultura também temem a perda de direitos trabalhistas ao passarem a ser geridos por uma organização privada.
No início, o texto incluía toda a rede estadual de cultura. Agora, o governo excluiu a Fundação Theatro Municipal, mas manteve a Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio, a Funarj, que inclui cerca de 350 funcionários ativos, espalhados por cinco bibliotecas, cinco casas de cultura, três escolas, sete museus, uma sala de concerto e sete teatros (sem contar com o Municipal).
De acordo com o presidente da Associação de Servidores da Funarj, Fernando Lima, o governo estadual teria retirado o Teatro Municipal do projeto de lei apenas porque ele teria mais visibilidade, o que poderia atrapalhar ou retardar a votação.
“Por que só o Municipal?”
— Tiraram aquilo que incomodava mais, afastaram o barulho. O Municipal tem cem anos, tem mais visibilidade, qualquer mudança nele aparece mais para o público em geral. É uma vitrine maior. Além disso, como os funcionários do Municipal trabalham todos num só lugar, é mais fácil para eles se reunirem e cobrarem seus direitos — afirma o presidente da Associação de Servidores da Funarj. — Já a Funarj tem suas unidades espalhadas, então é mais difícil nos reunirmos, temos essa dificuldade logística. Mas o consenso entre nós também é contrário ao projeto das OSs. E querem aprová-lo com todas aquelas falhas que nós e sindicatos como o Sated-RJ (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio) apontamos, como a falta de licitação para as OSs. Os problemas do texto que suscitaram esses questionamentos permanecem.
O GLOBO falou também com funcionários de parte desses espaços da rede estadual. Preferindo não se identificar, a maioria deles diz ser contra o projeto de administração da rede por OSs. Uma funcionária do Teatro João Caetano, por exemplo, foi enfática:
— Nós não estamos aceitando isso. Em todos os lugares, a maioria das pessoas está preocupada.
— Todos são contra. Se aprovarem esse projeto, o governo vai dar um atestado de que não consegue gerir sua própria casa. Vão terceirizar a cultura, sem falar na falta de controle dos gastos que vai vir com o fato de a OS não passar por licitação — completava outra funcionária, desta vez do Teatro Glaucio Gill.
Na Casa de Cultura Laura Alvim, uma funcionária comentou a retirada do Teatro Municipal do projeto:
— Por que só o Municipal pode sair? Porque está fazendo cem anos? Porque é a joia da coroa? E as mais de 20 unidades que restaram, como elas ficam? Não concordamos com isso. Na minha opinião, ou todos entram (no projeto), ou nenhum.
— Então salvam o grandão, e os pequenininhos é que se virem? E olha que o Municipal já foi da Funarj. Agora que não é mais, todos os outros que restaram vão ser achatados? — faz coro outra funcionária, do Teatro Armando Gonzaga, e emenda com uma alusão à justificativa dada para a retirada do Municipal: segundo o deputado Jorge Picciani, presidente da Alerj, a de que “existem equipamentos culturais de menores proporções que o Municipal que podem se prestar a essa experiência”. — Estão pegando a Funarj para esparro, ou então para cobaia?
Uma exceção à grita geral contra as OSs vem da Escola de Música Villa-Lobos. O coordenador da escola, Carlos Soares, diz que a estrutura estadual “é carente de recursos”:
— Pessoalmente, acredito que a possibilidade da vinda de recursos privados é a solução, pelo menos aqui para a escola. Não vejo problema na falta de licitação, porque sabemos que as licitações também podem ser manipuladas. Mas sei que sou um dos poucos a apostar nisso. As pessoas têm medo da mudança.
Fernando Lima, da Associação de Servidores da Funarj, levanta a hipótese de que o Municipal teria sido retirado agora para que o projeto fosse aprovado com mais facilidade, mas, mais tarde, seria incluído de novo. A Secretaria estadual de Cultura afirmou que a volta do Municipal mais tarde não está sendo cogitada “no momento”. Perguntada se haveria mudança em algum ponto criticado pelos funcionários, a secretaria afirmou que “nenhuma outra modificação será feita pelo governo no projeto de lei”.