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junho 10, 2009
Crítica/Bienal de Veneza: Seleção de artistas evoca potência e fragilidade por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha S. Paulo, em 9 de junho de 2009.
Mostra principal tem conjunto de obras coeso, mas falha ao evitar controvérsias
"T téia 1", de Lygia Pape, a obra que abre a mostra "Fazer Mundos", de Daniel Birnbaum, na 53ª Bienal de Veneza, resume bem tudo o que se vai ver daí em diante: uma seleção elegante, construída de forma frágil e ao mesmo tempo potente.
A elegância da obra de Pape, com fios dourados que constroem pilares quadrados, está também no vídeo da italiana Grazia Toderi, "Orbite Rosse" (órbitas vermelhas), uma imagem ovalada com milhares de estrelas, que parece um mapa de uma galáxia, mas que, vista de perto, são bombardeios de guerra, um dos trabalhos mais fortes da mostra.
O argentino Tomas Saraceno, em operação semelhante, constrói uma das mais surpreendentes instalações da Bienal, com fios que se transformam em globos, e dificultam o caminhar dos visitantes.
"Fazer Mundos" -a mostra tem 47 línguas no título, para tratar a arte como forma de tradução- se vale também da fragilidade, como os fios de Pape, o que faz com que a ideia de desenho seja recorrente, como nas obras de Marjetica Potrc, Öyvind Fahlström ou Richard Wentworth, entre outros.
A fragilidade/potência está também nas formas de expor, como nas fotos de vários formatos, algumas coladas na parede com fita adesiva, na sala de Wolfgang Tillmans, na invisibilidade da obra de Renata Lucas, ao asfaltar partes do chão da exposição, por onde muitos caminharam sem perceber.
Mas a qualidade na seleção dos 77 artistas de Birnbaum, com o assistente Jochen Volz, também se revela problemática: a delicadeza das obras evita controvérsias, como se o fazer mundos na arte ocorresse num sentido paralelo ao seu contexto. "Fazer Mundos" diagnostica bem a fragilidade que o mundo enfrenta, mas fica aí.
Brasil exótico
Já as representações nacionais seguem com disparidades gritantes. Por um lado, pavilhões como o dos Estados Unidos, que merecidamente ganhou o Leão de Ouro com Bruce Nauman, gastam milhões de dólares numa demonstração de poder -dessa vez, os EUA além de seu próprio espaço ocuparam outros dois na cidade.
Por outro lado, alguns pavilhões se rendem a estereótipos, como aconteceu desta vez com o Brasil, visto de forma exótica, por meio da produção de Delson Uchôa e Luiz Braga, seleção a cargo de Ivo Mesquita.
Esse "Brasil profundo", por conta da temática regionalista e um tanto folclórica, que parece propaganda governamental, tornou-se ainda mais arcaico perto de escolhas radicais, como Teresa Margolles, no México, que abordou a violência de execuções ligadas ao narcotráfico; Elmgreen & Dragset, artistas que curaram o pavilhão nórdico e dinamarquês, recebendo menção honrosa do júri, com uma abordagem sarcástica sobre colecionismo; ou Shaun Gladwell, na Austrália, levando a cultura pop a um rigor formal impressionante.
Mesmo assim, a diversidade continua exercendo uma forma de oxigenação em Veneza. E, felizmente, Renata Lucas, Sara Ramo, Cildo Meireles e Lygia Pape, apresentam um Brasil muito mais complexo que o do pavilhão nacional.
Paralela tem antigos e modernos
Em 2007, a mostra paralela mais falada da Bienal foi "Artempo: Quando o Tempo se Transforma em Arte", no Palazzo Fortuny, organizada por Axel Vervoordt. Ele volta a ocupar o mesmo espaço agora com uma exposição tão surpreendente quanto, "In-finitum", que segue a mesma linha da anterior: ocupa o palácio gótico, misturando os objetos de seus primeiros proprietários, criadores de tecido e cenógrafos, com arte contemporânea, muitas vezes confundindo o visitante. Bill Viola, Anish Kapoor, James Turrel e mesmo o brasileiro Vik Muniz estão ao lado de modernos como Pablo Picasso, Mark Rothko e Paul Cézanne. Um novo pavimento da casa foi incorporado à mostra, com concepção do arquiteto Tatsuro Miki, que criou o "Santuário do Silêncio", coberto com lama de lagoas venezianas.
Museu de bilionário francês une arte e demonstração de poder
A arte contemporânea, cada vez mais, vem se tornando uma das formas de exposição de poder e influência. Não por acaso, circulam pela Bienal de Veneza bilionários como o norte-americano Paul Allen (32º mais rico do mundo segundo a "Forbes") e o russo Roman Abramovich (51º). Mas quem ocupou o centro das atenções foi o francês François Pinault (60º), com a inauguração de seu novo espaço expositivo, na Punta della Dogana, projeto do arquiteto japonês Tadao Ando.
Há dois anos, Pinault já havia inaugurado uma sede de sua fundação em Veneza, no Palazzo Grassi, após romper com o governo francês. Sua intenção original era criar um museu, projetado por Ando, em Paris, mas por conta dos altos impostos cobrados pela França, o dono da Christie's foi a Veneza.
O novo local, um antigo armazém das docas, construído em 1631, com 5.000 m2, foi totalmente remodelado por Ando, a um custo de 20 milhões (cerca de R$ 60 milhões) e inaugurado em quatro dias diferentes, na última semana, para os VIPs de Veneza, com a mostra "Mapping the Studio".
Com obras da coleção de Pinault, a exposição, que ocorre também no Palazzo Grassi, reúne praticamente todos os nomes com maior sucesso comercial na cena contemporânea, como os japoneses Takashi Murakami e Hiroshi Sugimoto, o italiano Maurizio Cattelan, os norte-americanos Jeff Koons, Richard Prince e Cindy Sherman. Em arte contemporânea, difícil encontrar maior demonstração de poder. (FC)