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maio 28, 2009
Brincadeiras e ocupações de Leirner por Camila Molina, O Estado S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 no jornal O Estado S. Paulo, em 27 de maio de 2009.
Com ousadia, ele propõe uma releitura de suas obras mais emblemáticas
Nelson Leirner quer amordaçar o público, já que as pessoas não reagem politicamente: "Não há mais ideologia na arte, nem política. O discurso do artista só existe hoje se ele tiver um interlocutor", afirma ele, que inaugura hoje para convidados no Itaú Cultural não uma exposição, mas o resultado da Ocupação que fez no espaço de cerca de 120 m² no piso térreo da instituição. Com a liberdade total que o Itaú Cultural lhe deu para abrir o novo projeto da instituição para o local (que ainda vai receber José Celso Martinez Corrêa e Abraham Palatnik), Leirner escolheu colocar trabalhos emblemáticos de sua carreira, todos da década de 1960 - Porco Empalhado, Tronco com Cadeira, Homenagem a Fontana II e Stripencores (feito em 1968 para o Suplemento Feminino do Estado) - e fazer releituras contemporâneas dessas obras. O diálogo entre os trabalhos reitera e faz reverberar seu pensamento: se não há mais espaço para a audácia na arte, deixe o público de castigo.
Quando Leirner criou Homenagem a Fontana, em 1967, a grande novidade do "primeiro múltiplo feito no Brasil, industrializado", como diz, era a de que o quadro, feito com tecido e zíperes, poderia ser manipulado pelas pessoas. De maneira irônica e bem-humorada, o artista fez menção, tal o título do trabalho, ao emblemático corte que Lucio Fontana promoveu na tela de um quadro como parte de sua pesquisa do conceito espacial - na "Homenagem" do brasileiro, cada área da pintura poderia, por assim dizer, se cortada camada por camada pela ação de se abrir o zíper. Agora, na recriação atual dessa obra, não há como interagir: a composição, chapada, é toda feita com pedaços de madeira e ploter. Numa passagem rápida, tirar a brincadeira de seus trabalhos significa podar o caráter interativo de todas as obras. Num sentido mais amplo, significa ainda mostrar que não há espaço para a liberdade.
"O trabalho de arte não pode mais ser interativo: as instituições e a sociedade proibiram isso porque agora aquela obra tem valor comercial. E se você chega ao trabalho e não pode mexer, é frustrante", diz. Nelson Leirner está com 77 anos e ao longo de sua carreira se tornou uma referência da arte contemporânea brasileira. Foi professor de uma turma importante de criadores da chamada Geração 80 - cita entre alunos próximos e com os quais tem relação de afeto Leda Catunda, Sergio Romagnolo, Dora Longo Bahia e Luiz Zerbini.
A interrupção da interatividade nos diálogos entre as Homenagens a Fontana são sua ação mais visível, mas é emblemático também o artista ter optado por colocar O Porco Empalhado nessa mostra, obra que ficou conhecida como "happening da crítica" - foi mandada para o 4º Salão de Arte de Brasília em 1967 e aceita e o artista perguntou publicamente por que um porco empalhado havia entrado para o circuito da arte. Hoje, ao lado do Porco, Leirner colocou um presunto numa mesma grade (enfim, não há mais como fazer uma ação impactante). Apesar de colocar tudo como impossibilidade em sua Ocupação - com curadoria de Agnaldo Farias -, o artista não se sente "otimista nem pessimista". "Não tem amargura, tem realidade: o artista não é mais sonhador."
fale por vc mesmo
Posted by: RDT at junho 6, 2009 10:27 AM