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maio 26, 2009
Candidato promete "agenda positiva" para Bienal por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha S. Paulo, em 26 de maio de 2009.
Heitor Martins, que deve ser eleito presidente da instituição na quinta, diz que edição de 2010 não vai atrasar
O empresário Heitor Martins, até agora único candidato à presidência da Fundação Bienal de São Paulo, encontra-se hoje com o ministro da Cultura, Juca Ferreira. A reunião sugere que dificilmente outro candidato terá chance na eleição, marcada para quinta-feira.
"Martins saberá conduzir a Fundação Bienal em sua missão fundamental no desenvolvimento das artes visuais do país, num momento excepcional de visibilidade internacional dos artistas brasileiros da área", divulgou o Ministério da Cultura, na semana passada, em nota de apoio inédito a um candidato na história da Bienal.
Sucedendo três gestões de Manoel Francisco Pires da Costa, marcadas por crises, Martins, 41, chegará à instituição com um perfil técnico, quando muitos ex-presidentes usaram a instituição para melhorar a imagem. "Não vou ser a mesma coisa", disse Martins em entrevista exclusiva à Folha, no domingo, em sua casa, perto do Jóquei Clube de SP.
As dívidas da Bienal, em torno de R$ 4 milhões, não assustam o candidato: "Traremos uma agenda positiva. Creio que com isso os recursos virão".
Ontem, Martins enviou uma carta aos conselheiros da Bienal com suas propostas, que incluem a realização da Bienal em 2010 -o que, para a atual gestão, estava quase descartado por problemas financeiros e atrasos- e os nomes de sua diretoria. Entre estes, o ex-presidente da Bienal do Mercosul, Justo Werlang, o crítico e colecionador Miguel Chaia e o advogado Salo Kibrit.
"Nosso maior desafio está no fortalecimento do modelo de gestão e no aprimoramento da relação com a sociedade", disse.
Na carta, segundo a Folha apurou, são sugeridos conselheiros para a instituição, todos empresários ligados ao colecionismo, que se tornam importantes apoios para a eleição: Suzana Steinbruch, José Olympio Pereira, Alfredo Egydio Setúbal, Milú Villela, Carlos Jereissati Filho, Paulo Sérgio Coutinho Galvão Filho e Tito Enrique da Silva Neto. O banqueiro Roger Wright, morto em acidente de avião na última sexta, também estava na lista.
"Déficit da Bienal não é tão absurdo"
Heitor Martins afirma que endividamento ganhou dimensão exagerada e que montará equipe para superar dificuldade
"Posso dizer que 80% do tempo que já gastamos é em pensar como levar a Bienal para frente", diz candidato à presidência
Mesmo sendo eleito nesta quinta, o empresário Heitor Martins só deve tomar posse após um período de transição de no máximo dois meses, para a captação de R$ 1,8 milhão, de acordo com a carta enviada ontem, pelo candidato, aos conselheiros da Fundação Bienal. A eleição do presidente depende da aprovação do conselho, que se reúne a portas fechadas e define as regras da votação, por exemplo, se será por unanimidade ou maioria simples. Não há quórum mínimo.
"Vamos trabalhar já, mas fazer uma transição que não seja uma ruptura", disse Martins à Folha, cercado de obras de artistas contemporâneos como Lygia Clark, Tunga e Jac Leirner, além de modernos como Volpi e Pancetti, todos de sua coleção. Entre as propostas do candidato, aliás, está reforçar a presença da arte brasileira na Bienal. Leia a seguir. (FCY)
FOLHA - O que levou o sr. a ser candidato a presidência da Bienal?
HEITOR MARTINS - Foi uma combinação de fatores. Tenho uma grande afinidade com o tema, desde criança me entusiasmei com artes plásticas. Quando universitário, tive um pôster da mostra "Tradição e Ruptura" [realizada na Bienal, em 1984] no quarto. Eu visitava as bienais, depois passei a colecionar e, quando morei na Argentina, fiz um curso livre na Faculdade de Belas Artes.
Poucas instituições culturais no Brasil têm 60 anos, como a Bienal, e a sua importância, na divulgação da arte, é evidente, comparável somente ao MoMA [Nova York], à Bienal de Veneza, à Documenta de Kassel, ao Centro Pompidou [Paris]. Contribuir com uma entidade que tem essa história é um chamado ao qual não se pode recusar.
FOLHA - Quem o convidou para ser candidato?
MARTINS - Foi o Jorge Wilhem, que conheci por conta da Fundação Nemirovsky, com a qual eu contribuí. Ele me indicou há uns três meses, mas, quando surgiu a candidatura do Andrea Matarazzo [secretário da Coordenação de Subprefeituras de São Paulo], eu achei que ele tinha condições. Com a desistência dele, fui procurado também pelo Julio Landmann [conselheiro da Bienal] e aceitei.
FOLHA - E o sr. procurou se inteirar da situação financeira da Bienal?
MARTINS - A questão da situação da Bienal ganhou dimensão exagerada. Objetivamente ela é simples. O déficit da Bienal passada se transformou num endividamento de R$ 4 milhões, que não é um valor tão absurdo. A questão para mim foi entender isso e montar uma boa equipe que possa superar esse problema e colocar a Bienal nos trilhos novamente.
FOLHA - É isso que o sr. faz em sua empresa de consultoria?
MARTINS - Trabalho numa empresa de consultoria estratégica, que tem como clientes empresas que querem crescer. Para mim, a questão na Bienal é isso, não olhar para o passado, mas acertar os recursos para ela voltar a florescer. Posso dizer que 80% do tempo que já gastamos é em pensar como levar a Bienal para frente, qual equipe, como organizar, que tipo de aspiração.
FOLHA - O sr. leu o relatório do Ivo Mesquita para pensar sua proposta?
MARTINS - Sim. O que temos tido como questão central é a ideia de "refazer" e, é claro, isso só pode ser em cima das bienais anteriores. Nos últimos anos se abriu um debate sobre o papel das bienais e como elas devem ser geridas, mas a segunda questão deve estar baseada na primeira.
Vamos repensar a Bienal, na gestão, nos recursos, na relação com o governo, a sociedade. Nossa gestão é dar continuidade ao debate. A última Bienal, no entanto, teve um debate mais intelectual, e o que queremos é que esse debate seja plástico. Também queremos que a arte brasileira tenha uma presença ainda maior, e que se pense na produção internacional tendo a produção nacional como referência.
FOLHA - Mas isso não é um debate para o curador?
MARTINS - Sim. E como nossa agenda está apertada, já que não queremos prorrogar a Bienal para 2011, mas mantê-la em 2010 -afinal, esse é o objetivo da instituição e, se ela não o cumpre, perde o sentido-, nós vamos indicar uma equipe de curadores logo. Mas não queremos curadores que já trabalharam na Bienal de São Paulo, queremos um novo olhar.
FOLHA - E quanto à Bienal de Veneza, a Bienal de São Paulo deve continuar indicando os representantes do pavilhão brasileiro?
MARTINS - Creio que sim. Nossa diretoria gostaria de manter essa tradição e, por isso, estamos integrando essa representação em nosso projeto. Já que queremos abordar a arte brasileira como referência no contexto internacional, Veneza é um ponto estratégico, e gostaríamos que os curadores que organizarem São Paulo indicassem a representação de Veneza já na própria proposta.
FOLHA - Qual será seu maior desafio, na sua opinião?
MARTINS - Temos três objetivos: resolver a situação financeira, viabilizar a 29ª Bienal em 2010 e preparar as bases para um projeto continuado. A Bienal tem um efeito fênix, a cada novo presidente ela morre e tem que recomeçar. Queremos uma fórmula de estabilidade, fortalecendo o modelo de gestão, que precisa quer uma relação estreita com a sociedade. Vamos trazer uma agenda positiva, e creio que, com isso, os recursos virão, mas é preciso entusiasmar a sociedade.
Instituições vivem crise permanente
A crise que ronda a Fundação Bienal não é muito distinta da situação pela qual passam outras instituições de arte paulistanas, como o Masp (Museu de Arte de São Paulo) e o MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo).
Criados no mesmo período, o Masp (1945, por Assis Chateaubriand), o MAM e a Bienal (1948 e 1951, por Ciccillo Matarazzo) têm modelo de gestão centralizador e personalista, como foram seus mecenas fundadores.
Chateaubriand e Matarazzo construíram impérios com boas assessorias, mas profissionais da arte nunca foram incorporados a tais instituições. Com a morte de ambos, os museus e a Bienal ficaram com estruturas frágeis, dependentes de personalidades fortes. Quando Edemar Cid Ferreira assumiu a Bienal, por exemplo, injetou dinheiro e recolocou-a no circuito mundial.
Sem tal cacife, o empresário Manuel Francisco Pires da Costa dependeu de verbas governamentais, mas, com suas confusões administrativas, contratando parentes e usando sua empresa para criar a revista da instituição, perdeu legitimidade e aporte financeiro, levando a Bienal à sua mais séria crise.
Renovar a estrutura dessas instituições ajudaria a imunizá-las contra as crises. Foi o que propôs Ivo Mesquita, curador-chefe da última Bienal: "Importante e procedente é uma nova composição do conselho, incluindo [...] profissionais experientes como diretores de museus, curadores, artistas, galeristas, acadêmicos, que possam contribuir para um entendimento e uma presença mais orgânica da instituição na sociedade e no meio artístico brasileiro e internacional". (FABIO CYPRIANO)
Desejo ao novo grupo a seriedade necessária.
Que os discursos não sejam somente intelectualizados, mas que desemboquem em resultados práticos: a presença de verdadeiros artistas, talentosos, com obras consistentes e inovadoras na Bienal de São Paulo. Que ela não se norteie nos modismos ventilados por Veneza e outras mostras internacionais, mas que o grupo que decide os rumos da Bienal saiba apresentar uma face Brasileira, os talentos do nosso país, que não encontram espaço por aqui, segregados pela vigilância ideológica do que é considerado "contemporâneo".
Muitos artistas Brasileiros fazem sucesso lá fora, mas não conseguem espaço na Bienal no Brasil. Pois, após optar por tanta coisa chocante e sem nexo, por incrível que pareça, a última Bienal optou pelo vazio, e não por nossas obras, que preenchem os espaços comn inovação, criação e inteligência.
Que esta Bienal tenha competência, decência, inovação e inteligência.
Ah... e bom senso, pois sem ele, nada acontece.
Arte é coisa séria, pois aponta um trajeto de pensamento, invenção, um caminho ao espírito humano.
É necessário a presença dos artistas, no conselho, daqueles que, como eu, se dedicam com seriedade, durante toda a vida, ao estudo e trabalho na arte.
Alguns de nós, artistas, ainda sabem diferenciar entre o verdadeiro savoir-faire artístico e o charlatanismo travestido em arte, coisa que os leigos e diletantes migrados de outros setores claramente não conseguem fazer, como pudemos constatar em outras Bienais.
A verdadeira discussão agora, deveria levar em conta o verdadeiro debate, iniciado com Ferreira gullar e Affonso Romano de Sant´Anna, sobre a crise da arte contemporânea.
A bancarrota das instituições são fruto exclusivo do vazio de suas propostas, da falta de conteúdo.
Esta situação pode ser revertida. Mas só o será, trazendo o maravilhamento do público e o reconhecimento da mídia, se houver realmente gente séria à frente, direcionando e inspirando os caminhos da Bienal.
Se precisarem de mim, e se a proposta for séria, posso colaborar. Certamente, outros artistas com formação sólida aceitarão colaborar. A questão está em: seremos convidados?
Teremos enfim espaço, reconhecimento em nosso próprio país, ou teremos que continuar a mostrar nossa arte para o público internacional?
Atenciosamente
Sérgio Prata
www.sergioprata.com.br