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maio 25, 2009
USP teme perder obras de Edemar por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha S. Paulo, em 20 de maio de 2009.
Obras do ex-banqueiro mantidas pela universidade terão destino definido por juiz estadual e correm risco de ir a leilão
Coleção foi transferida em 2005, mas STJ determinou que juiz que cuida da falência do Banco Santos decidirá o que fazer
Mais de R$ 1 milhão investido pela USP (Universidade de São Paulo) na manutenção, catalogação e restauro das cerca de 12 mil obras de arte do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira podem ter sido gastos inutilmente. As peças foram transferidas para quatro órgãos da universidade, em 2005, segundo determinação do juiz federal Fausto De Sanctis.
Na semana passada, contudo, por conta de decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o destino das obras passou a ser decidido pelo juiz estadual responsável pelo processo de falência do Banco Santos, Caio Marcelo de Oliveira, o que leva a crer que todos os acervos de Cid Ferreira distribuídos por quatro museus (veja quadro ao lado) podem ir a leilão.
"Essa decisão é muito ruim, um péssimo exemplo do ponto de vista da relação entre sociedade e poder público. Essas obras além de bens pecuniários são bens culturais, portanto, a destinação deles deveria ser decidida pelo Ministério da Cultura", diz o presidente do Instituto Brasileiro de Museus do Ministério da Cultura, José do Nascimento Júnior.
Nesse sentido, já tramita no Congresso Nacional um projeto de lei da deputada Alice Portugal (PCdoB) atribuindo tal poder para o MinC.
O cálculo de R$ 1 milhão é do pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária da USP, Ruy Alberto Corrêa Altafim: "Esse valor refere-se a materiais de consumo, equipamentos e adequação de espaço físico, mas em relação a pessoal técnico qualificado, este valor é superior e difícil de ser mensurado".
Segundo o pró-reitor, a consultoria jurídica da USP estuda medidas judiciais para evitar a perda das coleções. "Além do prejuízo dos valores orçamentários já investidos, é possível questionar o fato de se privar a sociedade do acesso, que se dá por meio de exposições e publicações, ao acervo que poderia vir a se tornar um bem público", afirma Altafim.
"Os motivos para a consternação dos museus são pequenos perto das perdas dos credores do Banco Santos, que somam R$ 2,8 bilhões", diz Vânio Aguiar, diretor da massa falida do banco. Estima-se que as 12 mil obras em poder da USP, além de 20 em poder do Museu de Arte Sacra, valham entre R$ 20 milhões e R$ 50 milhões, valor que ficaria em torno de 1% da dívida com os credores. "Não é porque o valor é pequeno que se deve abrir mão dele", diz ainda Aguiar.
Outras obras do ex-banqueiro, localizadas no exterior pela aduana norte-americana, como pinturas de Roy Lichtenstein, estariam mais bem avaliadas: entre R$ 30 milhões e R$ 100 milhões, e o destino delas tampouco foi definido.
Público x privado
Anteontem, parte desse acervo, começou a ser exibido no Palácio dos Bandeirantes, na mostra "Vida após a Vida: Testemunhos da Passagem", com 37 objetos relacionados a rituais de homenagem a mortos, incluindo um sarcófago egípcio, pertencentes ao MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP).
"Esta mostra faz parte de um comprometimento do museu em conservar, restaurar, estudar e exibir as peças que recebemos", diz José Luiz de Moras, diretor do MAE.
"É lamentável que tudo isso possa ser perdido, considerando a coleção como um todo, mas as peças que recebemos são as únicas que não correm o risco de ir a leilão, pois, segundo a Constituição, são bens da União, já que se trata de peças arqueológicas", afirma o diretor do museu.
No Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga, peças da coleção do ex-banqueiro também se encontram em exibição, na mostra "Acervos a Descobrir".
"Não me parece condizente com esses acervos que eles fiquem em mãos de particulares. A questão fundamental é que eles são acervos públicos, que nos ajudam a compreender a história do Brasil e constituem, portanto, patrimônio nacional", diz Cecília Helena de Salles Oliveira, diretora do Museu Paulista.
O museu já gastou cerca de R$ 100 mil com a coleção, o que representa cerca de 10% de sua dotação orçamentária.
Para Vânio Aguiar, tal argumento é "voluntarismo artístico": "A lei precisa ser cumprida. E, na hora que as obras forem a leilão, a USP pode pedir para ser ressarcida dos gastos que realizou".
Juiz estadual incluiu obras na massa falida
A opção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) a favor de o juiz estadual responsável pelo processo de falência do Banco Santos, Caio Marcelo de Oliveira, para que também seja o juiz competente para julgar o destino das obras de arte do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira representa que as peças possam ir a leilão, pois o juiz já havia determinado que tais bens fossem adicionados à massa falida.
Contudo, até a semana passada, as obras estavam sob responsabilidade do juiz federal Fausto De Sanctis, segundo a compreensão de que bens adquiridos com recursos ilícitos pertencem à União, salvo o direito de lesados de boa-fé, o que para o juiz não poderia ser a forma de classificar os credores.
Agora, tanto o Ministério Público Federal (MPF) como a Advocacia Geral da União (AGU) podem recorrer da decisão. A Folha apurou que a AGU estaria entrando com uma petição junto ao juiz de falência demonstrando interesse da União pelos bens
Frases
"Essa decisão é muito ruim. Essas obras são bens culturais, portanto, a destinação delas deve ser decidida pelo MinC". José do Nascimento Júnior - presidente do Instituto Brasileiro de Museus do Ministério da Cultura
"Além do prejuízo dos valores já investidos, é possível questionar o fato de se privar a sociedade do acesso ao acervo". Ruy Alberto Corrêa Altafim - pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária da USP
"Os motivos para a consternação dos museus são pequenos perto das perdas dos credores do banco, que somam R$ 2,8 bilhões". Vânio Aguiar - diretor da massa falida do Banco Santos