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maio 25, 2009
Criaturas estranhas, melancólicas e tropicais por Suzana Velasco, O Globo
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo, em 21 de maio de 2009.
Janaina Tschäpe expõe fotos e vídeos em que suas esculturas são prolongamentos dos corpos e da natureza
Desde criança, Janaina Tschäpe sonhava em ser pintora e, aos 18 anos, entrou para a Escola de Belas Artes de Hamburgo, na Alemanha. Sua pintura foi ficando mais densa, volumosa, “cheia de gordura”, como ela diz, e Janaina passou a criar peças tridimensionais. Quando se deu conta de que não precisava de um estúdio para fazer suas esculturas infláveis de látex, pôs o material na mala e começou a registrar suas criações por onde viajava.
Depois de alguns anos, as peças biomórficas, que de início eram fixadas no próprio corpo e fotografadas por Janaina, passaram aos corpos das amigas. Em belas paisagens de natureza, as esculturas, que criam seres um tanto estranhos, dão um tom melancólico às imagens. Essas criaturas de Janaina estão na exposição “Melantrópicos”, aberta hoje ao público, na galeria Casa de Cultura Laura Alvim, com fotografias e vídeos de 2002 a 2006. O nome da mostra é o de uma série de imagens em que mulheres como a atriz Mariana de Moraes e a bailarina Dani Fortes, amigas da artista, são camufladas pelas esculturas criadas por Janaina e pelas plantas do Parque Lage.
— Gosto desse mundo íntimo, por isso trabalho com minhas amigas, não com modelos. Não quero uma equipe enorme em volta. Gosto da intimidade que deixa transparecer essa melancolia nas fotos, não quero um trabalho tão teatral — diz Janaina, que nunca fotografou homens. — A mulher tem mais facilidade de se expor.
Ainda que encare esse trabalho como amigas que brincam juntas, ela sabe que ele é performático. As séries de fotos expostas foram feitas no Rio e em locais como Ilhabela e Bocaina de Minas, e em cada um deles a artista e sua escolhida — que ela chama de musa — passaram algumas semanas. Nessas viagens, Janaina leva todo o seu aparato de câmeras e suas esculturas/vestimentas costuradas à mão, busca seu cenário e compõe a fotografia — que ela só verá revelada depois, pois ainda trabalha com filme fotográfico.
Todo esse cuidado só foi possível quando a artista deixou de fotografar o próprio corpo. Com camisinhas cheias de água presas aos pés e aos braços, ela tinha nove segundos para pôr a câmera fotográfica no modo automático e se posicionar para as fotos, feitas em lugares públicos.
— Muita gente me parava para perguntar se eu precisava de ajuda — conta ela, autodidata na fotografia. — Trabalhar com outras pessoas me deu possibilidade de evoluir tecnicamente. Passei a usar câmeras de grande formato e a ter tempo para compor as fotos.
Uma das séries de fotos, “After the rain” (“Depois da chuva”, de 2003), também inspirou um vídeo de mesmo nome, exibido na exposição. Um tríptico, que mostra suas musas interagindo com as esculturas e a paisagem. Outros dois vídeos, exibidos frente a frente, formam a obra “The sea and the mountain” (“O mar e a montanha”, de 2004): balões coloridos no mar encaram balões na montanha, numa exibição em tempo real, contemplativa e melancólica.
— A beleza tem às vezes uma tristeza, porque a gente não sabe explicar de onde ela vem — diz ela, que criou, para a Ópera da Bastilha, em Paris, o banner da fachada e todas as peças gráficas do programa do balé para março e abril deste ano.
A terceira obra em vídeo da mostra, “Dreamsequence” (“Sequência de sonho”, de 2002), projeta na parede um balão de água que cresce lentamente sobre uma cama, até explodir.
— Fui comprar um colchão e fiquei imaginando o quanto ele absorve. A gente sua durante a noite, faz amor... Então pensei no líquido explodindo da cama — explica a artista. — Muitas das minhas ideias têm relação com o universo infantil, de uma imaginação sem limites.
Os títulos das obras não são em inglês por capricho. Janaina nasceu em Munique, morou no Brasil até os 11 anos, mas vive desde os 24 em Nova York, onde fez mestrado em fotografia na School of Visual Arts — na verdade, ela foi expulsa por não frequentar as aulas, tendo que receber o título de mestre na Alemanha, onde a Academia lhe dava mais liberdade. Apesar do acidente de percurso, Janaina, que detesta rotina, decidiu se fixar em Nova York.
— No Brasil, eu era vista como alemã, e, na Alemanha, como brasileira. Foi bom ir para um lugar onde ninguém estava questionando de onde eu era — diz ela, hoje aos 36 anos.
Pintura, de volta há seis anos, levou cor para as fotos
Foi em Nova York que Janaina conheceu o artista plástico Vik Muniz, com quem é casada e tem uma filha de 3 anos. Ambos trabalham com fotografia, mas suas obras são completamente diferentes, e cada um tem seu próprio estúdio na cidade. Janaina tem ainda um ateliê no Rio, onde passou os últimos cinco meses. Pintando.
Só com a volta à pintura, há seis anos, que a artista inseriu as cores fortes em suas esculturas, como na série “Melantrópicos”, em que formas laranja e rosa se destacam da natureza. Nos últimos meses, Janaina criou pinturas e desenhos para a mostra que abre na galeria Fortes Vilaça, em São Paulo, no próximo dia 30. E acabou levando um desses desenhos para a exposição na Laura Alvim.
— O processo de fotografar e filmar exige uma energia muito grande, e, quando você volta com todo aquele material para o estúdio, é quase uma ressaca, dá uma tristeza... — diz ela. — Então comecei a desenhar a memória dessas performances, dessas criaturas, e a imaginar como esses seres seriam por dentro. E isso voltou para as fotos.