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maio 14, 2009
Cidades pelo avesso por Mario Gioia, Folha S. Paulo
Matéria de Mario Gioia originalmente publicada na seção Ilustrada do jornal Folha S. Paulo, em 14 de maio de 2009.
Com retratos incomuns de grandes metrópoles, o paulista Mauro Restiffe é destaque da Photoespaña, importante mostra fotográfica internacional
"Mauro Restiffe não é um fotógrafo de arquitetura ou de paisagens." A avaliação do crítico de arte e curador Rodrigo Moura pode causar um estranhamento inicial a respeito da obra do artista paulista, conhecido por retratar cidades diversas como Istambul, Nova York, Brasília e São Paulo, mas vai ao encontro do que Restiffe pretende: inverter expectativas.
Moura assina a curadoria e o texto do catálogo da exposição "Mirante", uma das principais dentro do Photoespaña 2009, um dos mais importantes eventos fotográficos do mundo, que começa em junho em Madri (no dia 3) e outras três cidades.
Reunindo 40 imagens, é a primeira mostra de fôlego sobre a obra de Restiffe, 39, que teve importantes passagens em exposições de prestígio -a Bienal de São Paulo, em 2006, e a Bienal de Taipé, em Taiwan, no mesmo ano-, mas nunca havia ganhado uma individual de grande porte.
O artista vai levar para a Casa das Américas, em Madri, duas séries inéditas de fotografias. Uma retrata a multidão que tomou conta da arborizada e organizada Washington, durante a posse do novo presidente dos EUA, Barack Obama, em janeiro passado. A outra foi feita em Portugal no ano passado.
Junto dos registros inéditos, serão expostas séries sobre outras cidades percorridas pela lente da Leica do artista, já vistas por aqui em outras mostras.
"Embora tenha uma gama de assuntos bastante ampla, a sua obra voltou seu interesse nesta última década para a cidade. Trata-se de um tema bastante comum à história da fotografia e que o artista consegue renovar de maneira única e pessoal", avalia Moura, 34, curador do Instituto Inhotim (MG) e da última "Paralela", no ano passado, em São Paulo.
"Acho que a reunião dos trabalhos têm duas linhas. Uma delas é a reflexão sobre a própria fotografia, uma investigação formal", afirma Restiffe. "A outra é a captação das massas, das multidões, no que podemos chamar de arenas."
No entanto, Restiffe não segue a linha fotojornalista ou documental. A posse de Obama, por exemplo, tem diversas fotografias imperfeitas, com borrões produzidos pela entrada de luz quando fotografava. A multidão muitas vezes é observada de costas e não há retratos expressivos nem detalhes de personagens. E o próprio Obama não é visto.
"Assim como na série feita na posse de Lula ["Empossamento", em 2003], essas figuras mais emblemáticas não me interessam. O que enfoco é o anônimo e sua inserção nessas grandes manifestações", conta o artista. "Também não busco a perfeição técnica, incorporo o acidente. É um erro assumido."
Restiffe levará à Espanha imagens paulistanas que podem ser vistas na mostra "À Procura de um Olhar", em cartaz na Pinacoteca do Estado, em São Paulo (pça. da Luz, 2, tel. 0/xx/11/3324-1000).
É uma cidade de tom pouco turístico, vista por meio de imagens que trazem viadutos e praças em estado de abandono, figuras andando a ermo e um estado geral de degradação.
"O fato de eu morar aqui poderia modificar meu trabalho. Mas acho que as imagens de São Paulo dialogam com a desolação presente em outras séries. É o retrato de um projeto de modernidade que não deu certo", afirma ele.
Mais brasileiros
Além de Restiffe, o Photoespaña 2009 terá uma mostra individual da hispano-brasileira Sara Ramo (que também estará na Bienal de Veneza, no mês que vem). A artista Rosângela Rennó e o galerista Eduardo Brandão, da Vermelho, também são convidados do evento, cujo tema é o cotidiano.
"Mauro e Sara são dois artistas muito diferentes, mas com trabalhos de muita qualidade, que sigo há alguns anos. Mauro está mais vinculado ao campo específico da fotografia. Já Sara tem uma forma sensível e espontânea do fazer artístico", diz à Folha o curador do Photoespaña, Sergio Mah, 39.