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abril 11, 2009
Manifesto Altermoderno - O pós-modernismo está morto por Nicolas Bourriaud
Daniela Labra publicou no artesquema o texto de Nicolas Bourriaud da Trienal da Tate em inglês e traduziu um parágrafo. Achei que este texto era importante para a discussão sobre o Panorama da Arte Brasileira de Adriano Pedrosa, que está sendo comentado no Como atiçar a brasa, e aproveitei o feriado para traduzi-lo.
Peço ajuda para a revisão da tradução e também do meu português. É só comentar.
MANIFESTO ALTERMODERNO – PÓS-MODERNISMO ESTÁ MORTO
Viagens, intercâmbio cultural e análise da história não são apenas temas em moda, mas marcadores de uma profunda evolução na nossa visão de mundo e na nossa maneira habitá-lo.
Mais genericamente, a nossa percepção globalizada exige novas formas de representação: a nossa vida quotidiana se dá num enorme cenário mais do que nunca, e depende agora de entidades transnacionais, de viagens de curta ou longa distância, em um universo caótico e prolífico.
Muitos sinais indicam que o período histórico definido pelo pós-modernismo está chegando ao fim: multiculturalismo e o discurso de identidade estão sendo ultrapassados por um movimento planetário de “creolização”. O relativismo cultural e a desconstrução, que substitui o universalismo modernista, não nos dão armas contra a dupla ameaça da cultura de massa uniforme e de uma regressão tradicionalista de extrema-direita.
Os tempos parecem propícios para a recomposição de uma modernidade no presente, reconfigurado de acordo com o contexto específico em que vivemos - crucial na era da globalização - entendido em seus aspectos econômicos, políticos e culturais: uma altermodernidade.
Se o Modernismo do século XX foi sobretudo um fenômeno da cultura ocidental, a altermodernidade decorre de negociações planetárias, discussões entre agentes de diferentes culturas. Desprendido de um centro, ele só pode ser poliglota. A Altermodernidade caracteriza-se pela tradução, ao contrário do modernismo do século XX, que falava o idioma abstrato do ocidente colonial e do pós-modernismo, que resumia o fenômeno artístico às origens e identidades.
Estamos entrando na era da legendagem universal, da dublagem generalizada. Hoje, a arte explora os laços que texto e imagem tecem entre si. Artistas percorrerem uma paisagem cultural saturada com sinais, criando novos percursos entre múltiplos formatos de expressão e de comunicação.
O artista se torna "homo viator", o protótipo do viajante contemporâneo cuja passagem por signos e formatos remete a uma experiência de mobilidade contemporânea, viagens e transpassagens. Esta evolução pode ser vista na maneira como as obras são feitas: um novo tipo de forma está surgindo, a forma-viagem, feita de linhas traçadas tanto no espaço e como no tempo, materializando trajetórias em vez de destinos. A forma do trabalho exprime um curso, um vaguear, em vez de um espaço-tempo fixo.
A arte altermoderna é assim entendida como um hipertexto; artistas traduzem e transcodificam a informação de um formato para outro, e passeiam pela geografia, assim como pela história. Isto dá origem a práticas que podem ser referidas como "time-specific", em resposta ao "site-specific", trabalho dos anos 60. Rotas de voo, programas de tradução e cadeias de elementos heterogêneos articulam-se mutuamente. O nosso universo torna-se um território em que todas as dimensões podem ser percorridas tanto no tempo como no espaço.
A Tate Triennial 2009 se apresenta como uma discussão coletiva sobre esta hipótese do final do pós-modernismo e da emergência de uma altermodernidade global.
Nicolas Bourriaud
Texto em inglês publicado no E-flux.
ALTERMODERN MANIFESTO - POSTMODERNISM IS DEAD
Travel, cultural exchanges and examination of history are not merely fashionable themes, but markers of a profound evolution in our vision of the world and our way of inhabiting it.
More generally, our globalised perception calls for new types of representation: our daily lives are played out against a more enormous backdrop than ever before, and depend now on trans-national entities, short or long-distance journeys in a chaotic and teeming universe.
Many signs suggest that the historical period defined by postmodernism is coming to an end: multiculturalism and the discourse of identity is being overtaken by a planetary movement of creolisation; cultural relativism and deconstruction, substituted for modernist universalism, give us no weapons against the twofold threat of uniformity and mass culture and traditionalist, far-right, withdrawal.
The times seem propitious for the recomposition of a modernity in the present, reconfigured according to the specific context within which we live – crucially in the age of globalisation – understood in its economic, political and cultural aspects: an altermodernity.
If twentieth-century modernism was above all a western cultural phenomenon, altermodernity arises out of planetary negotiations, discussions between agents from different cultures. Stripped of a centre, it can only be polyglot. Altermodernity is characterised by translation, unlike the modernism of the twentieth century which spoke the abstract language of the colonial west, and postmodernism, which encloses artistic phenomena in origins and identities.
We are entering the era of universal subtitling, of generalised dubbing. Today's art explores the bonds that text and image weave between themselves. Artists traverse a cultural landscape saturated with signs, creating new pathways between multiple formats of expression and communication.
The artist becomes 'homo viator', the prototype of the contemporary traveller whose passage through signs and formats refers to a contemporary experience of mobility, travel and transpassing. This evolution can be seen in the way works are made: a new type of form is appearing, the journey-form, made of lines drawn both in space and time, materialising trajectories rather than destinations. The form of the work expresses a course, a wandering, rather than a fixed space-time.
Altermodern art is thus read as a hypertext; artists translate and transcode information from one format to another, and wander in geography as well as in history. This gives rise to practices which might be referred to as 'time-specific', in response to the 'site-specific' work of the 1960s. Flight-lines, translation programmes and chains of heterogeneous elements articulate each other. Our universe becomes a territory all dimensions of which may be travelled both in time and space.
The Tate Triennial 2009 presents itself as a collective discussion around this hypothesis of the end of postmodernism, and the emergence of a global altermodernity.
Nicolas Bourriaud
Definitivamente não conseguimos nos livrar desse atávico encantamento por idéias estrangeiras como possibilidade de legitimar nossos próprios discursos. Trata-se de automatismo ao qual a própria inteligência brasileira está submetida.
Mas devemos sempre tomar cuidado no momento de digerir o que nos é proposto a engolir.
Como sempre M. Bourriaud é bastante competente no modo de construir o seu discurso mas algumas passagens de sua fala me suscitaram dúvidas. Como por exemplo, na utilização de pronomes como "nós" e "nosso". De qual "nós" M. Bourriaud fala? Do "nós" parisiense classe média ou do "nós" bretão camponês? Da "nossa percepção globalizada" de um jovem paulistano ou da "nossa visão de mundo" de um jovem maxacali?
A constatação de que a globalização agilizou o acesso de muitos às mesmas informações só é realidade em contextos com níveis de industrialização bem específicos. O que nunca garantiu uma real socialização de direitos humanos e de distrIbuição de rendas.
Reconheço que nas boas intenções do pensador francês perdura o vício da generalização colonialista. Pois se um europeu médio pode anualmente programar viagens de férias a qualquer canto do planeta, com custos razoáveis, o mesmo não ocorre com brasileiros, argentinos, peruanos e mexicanos!
Tudo isso, viagens, intercâmbio cultural, análise da história, entidades transnacionais parece perfeito do modo quase abstrato como é apresentado no texto. Mas, concretamente, quem tem acesso a isso?
O anúncio da morte do multiculturalismo e do discurso de identidade talvez convenha aos cidadãos europeus, mas, em países como o Brasil, descartar a possibilidade de se discutir identidade seria no mínimo perigoso. Haja visto, a calorosa discussão provocada pelo direcionamento curatorial do próximo PANORAMA.
Mesmo que, em determinados momentos do texto, fique clara a utilização figurativa do termo "viagem", ao refletir sobre o "protótipo" do "homo viator", não consigo dissociá-lo de antigos "protótipos" marcantes para a cultura brasileira como a do "conquistador", do "artista viajante" e do "flâneur".
Ao contrário, penso que, pelo menos no caso da cultura brasileira, o discurso de identidade precisa ser mantido vivo como referência latente. Não como dispositivo de legitimação de "protótipos" e sim como referência estimuladora de leituras críticas sobre as estratégias de construção de todo e qualquer tipo de identidade.
Globalização é muito bom, mas nos aeroportos europeus, brasileiro entra em fila diferente. E, no tal cotidiano que M. Bourriaud deseja "creoulizado", perante a lei, tratamentos diferenciados são dados a nacionalidades diferentes.
Tudo que ele propõe é muito interessante do ponto de vista de um francês observando o mundo ao seu redor, através de filtros neo-pós-humanistas.
Mas o tratamento que governos e instituições culturais como as francesas dão a seus artistas continua muito diferente do que as que "nossos" artistas brasileiros recebem do Ministério da Cultura, por exemplo (vide a recente revogação da Lei Rouanet).
Acho portanto bastante frutífero o contato com pensamentos como o de M.Bourriaud, desde que estejamos atentos às possíveis armadilhas discursivas que, em casos de polícia, em momentos de guerra ou na Copa do Mundo, dificilmente abandonariam os "privilégios" de suas respectivas nacionalidades para abraçar causas transnacionais.
Concordo totalmente.
A colocação de Bourriaud atende a uma demanda premente da sociedade francesa (européia) em lidar de maneira menos hostil com os estrangeiros. Nem de longe, temos este problema por aqui. Muito pelo contrário. A fala dos estrangeiros que vivem aqui aponta sempre para um se sentir em casa que dificilmente experimentamos quando vivemos chez eux.
Apesar das incongruências do discurso de Bourriaud, em apontar para a necessidade de negociaçãoes planetárias mas continuar a emitir o seu discurso diretamente de seu umbigo, ainda é mais interessante discutir a sua proposta do que a de Adriano Pedrosa...
Posted by: Patricia Canetti at abril 13, 2009 8:38 AMSem dúvida, Patrícia! Até porque o Bourriaud, além de ter um preparo intelectual que nem de longe o Adriano vai conseguir, podemos encontrar na fala do francês traços de uma preocupação socializante, o que não ocorre com o Adriano, interessado, há muito, em olhar para o próprio umbigo. Dessa vez, inclusive, me parece que nosso curador "brasileiro" teve mais coragem de assumir publicamente o seu cinismo.
Posted by: Marcos Hill at abril 13, 2009 6:48 PMBourriaud não toca no assunto, mas seu texto me faz pensar muito num outro tipo de viagem, na navegação na verdade...navegar e acessar assuntos, textos, imagens de todos os lugares do mundo nos faz (nós que estamos conectados) mais globalizados e mais "homo viator". Afinal, viajar é a ação de ir a outro lugar que pode ser longe ou perto, mas como vamos chegar lá não faz parte da definição desta palavra...está é a forma que encontro de ir a outros lugares com muito pouco dinheiro! E portanto é também a forma de, à partir do meu universo, entender como também estou agindo como um "homo viator".
Posted by: Clarissa Borges at abril 14, 2009 3:18 PMO manifesto é a um só tempo coerente e incoerente.
É coerente se pensamos na maneira com a qual Bourriaud vem amarrando sua posição teórica às demandas de sua posição profissional. Com a Estética Relacional ele propunha uma arte que refletisse (passivamente, diga-se) a passagem do capitalismo de produção para o capitalismo de serviços, o que legitimava o modelo de administração e curadoria do Palais de Tokyo. Nada mais natural que agora, mais estabelecido, à frente da Tate Triennial e frequentando o circuito de bienais mundo afora (tendo como companhia em seus vôos o mesmo punhado de artistas de sempre), ele proponha o artista como homo viator.
É incoerente se comparamos a leitura de certos trechos do texto... com outros. Num momento ele reconhece os limites do relativismo enquanto horizonte político-cultural, o que me parece acertado. Por outro lado, creio que ele apenas ouviu o galo cantar, considerando o tipo de descrição que faz do cenário da arte contemporânea como uma espécie de Babel apoteótica. Os pressupostos do que parece ser a promessa de um entendimento global entre partes iguais (!) permanecem nebulosos. O que exatamente ele propõe? Levar Habermas para o jet-set? É também sintomático que um pouco mais a frente, na hora de demarcar o espaço de sua altermodernidade, ele perca mais tempo diferenciando-a do modernismo do que do pós-modernismo.
Bourriaud fala em trajetórias, mas o que lhes garante sentido (já que ele rejeita destinos)? Seria a tal ‘legendagem universal’? Ou uma crença cega de que qualquer manifestação que se diga arte contém automaticamente uma carga emancipatória, tal qual uma profecia auto-realizável? Sem nem querer entrar na ingenuidade new age (e por conseguinte, pouquíssimo dialética) de imaginar sua altermodernidade transcendendo a cultura ocidental: até onde me consta, o capitalismo global ainda é capitalismo, um modo de estruturação social bastante enraizado no Ocidente.
Não sei, soa como mais um capítulo da triste história recente (e, infelizmente, global) da esquerda liberal, que insiste em burlar, de formas cada vez mais sofisticadas, a responsabilidade de afirmar uma agenda política. Prefiro olhar para a arte procurando indícios de um possível movimento contrário. Nicolas Bourriaud como agente de viagens? Não, obrigado.
Posted by: Sergio Martins at abril 14, 2009 6:58 PMEscrevi uma pequena resenha sobre a exposição que reproduzo aqui em uma tradução para o português bem rústica, achei que poderia interessar à essa discussão.
ALTERMODERN – TATE BRITAIN
Altermodern não é apenas o título da quarta trienal da Tate, mas também o novo termo cunhado pelo curador Nicolas Bourriaud para definir um paradigma artístico para o século 20. O conceito de altermodernidade, de acordo com Bourriaud, parte da suposição de que o pós-modernismo está morto e que ingressamos em um novo período em que um outro tipo de modernidade está emergindo como conseqüência da globalização: “uma síntese entre o modernismo e o pós-colonialismo”, como ele coloca em seu ensaio no catálogo da exposição. Ao defender que o pós-modernismo está ligado a noções essencialistas e obsoletas como “multiculturalismo”, “identidade” e “nação”, ele define os artistas contemporâneos como “nômades culturais” desprovidos de raízes que desenvolvem seu trabalho a partir da perspectiva de uma cultura global.
É claro, os curadores estão constantemente sob pressão para encontrar “grandes tópicos” para as bienais – e trienais – e este caso não é uma exceção. Mas o termo altermodern, diferentemente da “estética relacional” de Bourriaud, que teve um grande impacto nas áreas de artes visuais e estudos culturais na primeira metade dos anos 2000, e parecia genuinamente capturar algumas especificidades dos trabalhos produzidos naquela época, soa um tanto forçado e não convence. Por exemplo, em seu ensaio no catálogo, ele fala muito sobre nomadismo, mas não há nenhuma menção aos escritos de Deleuze e Guattari sobre o assunto, que foram amplamente discutidos em relação à práticas artísticas pelo menos desde os anos 1990. Omissões semelhantes acontecem em relação a fontes teóricas existentes sobre globalização e modernismos alternativos.
A Trienal da Tate é uma plataforma particularmente imprópria para uma exposição com foco em diálogos globais, já que foi originalmente criada para ser um panorama da arte britânica. Mas, para seu crédito, Bourriaud conseguiu superar esta limitação, trazendo 28 artistas dos quais apenas um terço aproximadamente nasceu e trabalha no Reino Unido. Isto permitiu que incluísse trabalhos tão díspares quanto a enorme instalação “perfeita para bienais” na forma de cogumelo feita de utensílios de cozinha de Subdoh Gupta (Line of Control, 2008) e o trabalho desmaterializado de Louis Gréaud Tremors Forever (Frequency of an Image, White Edit), (2008), que consiste dos impulsos cerebrais do artista convertidos em impulsos elétricos que fazem partes do espaço arquitetônico vibrar.
Também presentes estavam os trabalhos de alguns artistas britânicos mais estabelecidos como o belo conjunto de fotogravuras The Russian Ending (2001), de Tacita Dean, em que a artista combina imagens tiradas de cartões postais antigos com anotações próprias, criando uma espécie de storyboard incompleto; a instalação The Projection Room (Triple Bluff Canyon) (2004), de Mike Nelson, que inclui uma recriação em tamanho real do estúdio do artista localizado no sul do Londres e uma apresentação de slides professada por um especialista em teorias da conspiração; e Three White Desks (2008-09), de Simon Starling, que já ganhou o Turner Prize, um projeto em que ele comissionou três carpinteiros em três cidades diferentes para construir réplicas de uma escrivaninha modernista projetada por Francis Bacon nos anos 1930.
A exposição Altermodern teve seus bons momentos, em que se tinha a sensação de estar experimentando alguns trabalhos realmente frescos. Fiquei irresistivelmente atraída pela instalação/ video wall de Spartacus Chetwynd, Hermitos Children (2008), que mostrava uma espécie de programa de televisão trash, “soft porn”, estilo detetive, cujo protagonista investiga um crime sexual. Seu completo senso de improvisação e sua sensibilidade pós punk são inexplicavelmente encantadores. Outro destaque foi o perturbador quase-documentário autobiográfico de Lindsay Seers Extramission 6 (Black Maria) (2009), que mostra como a artista “se tornou” uma câmera e, mais tarde, um projetor.
Mas, no fim das contas, altermodern soa apenas como uma nova maneira de categorizar novas práticas artísticas sob uma perspectiva de marketing, e a exposição foi tão “over branded” e institucionalizada – incluindo produtos como um manifesto online, um fanzine impresso e uma playlist – que falhou completamente em sua tentativa de “resistir a massificação”, como sugere o curador no catálogo; ficou faltando a crítica institucional que poderia ter agido como um diferencial.
Posted by: Kiki Mazzucchelli at abril 15, 2009 11:36 AMserá que nós sempre fomos "creolos"?
nossa arte modernista não nasceu tb do choque com a Europa, com o deslocamento, com o olhar de fora?
Antes de discutir as características deste novo momento ultermoderno, de viagens e deslocamentos, reais e virtuais cabe pensar a função de uma exposição como a Panorama, assim como coube, caberia, caberá, uma discussão sobre a função de uma exposição como a Bienal.
Nosso circuito não é grande, o país é muito maior que Inglaterra, mas o nosso circuito de arte é?
se os artistas que trabalham aqui, que pensam a partir deste ponto o entrelaçamento de linhas e trajetórias, não aparecerem por aqui, vamos pra onde? talvez isso resolva o problema das políticas públicas para a arte, e ao invés de bolsas e residências para artistas continuarem a sendo ampliadas por aqui, podemos continuar contando com aquelas patrocinadas por instituições estrangeiras. faz sentido?