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abril 8, 2009
A nova lei está na mesa por Marcelo Miranda, O Tempo
Matéria de Marcelo Miranda originalmente publicada no jornal O Tempo, em 5 de abril de 2009.
Política cultural. Modificações na Rouanet, abertas para consulta pública, geram apreensões e dúvidas na classe artística
Em consulta pública desde o último dia 24 de março na Internet, a nova proposta da Lei Federal de Incentivo à Cultura - a Lei Rouanet, principal mecanismo de financiamento cultural no país - tem gerado as mais variadas dúvidas, opiniões e controvérsias.
Segundo informações oficiais do Ministério da Cultura, a iniciativa visa tentar minar os efeitos da crise financeira internacional no patrocínio cultural em território brasileiro. Porém, é notório que o ministro Juca Ferreira - na pasta desde a saída de Gilberto Gil, no ano passado - já vinha sinalizando há mais tempo a vontade de mexer na Rouanet quando ainda era secretário executivo da pasta.
A principal reclamação de Juca é quanto à distribuição dos incentivos e o excesso de renúncia fiscal. "Criamos um vício de mecenato com dinheiro público. O índice de 100% [de abatimento de impostos para incentivo] deveria se tornar uma exceção", disse Juca, em entrevistas recentes. O ministro também tem destacado que um número reduzido de projetos recebe muita verba (no ano passado, entre 4.334 projetos inscritos, 130 ficaram com metade do patrocínio).
Para Eduardo Saron, superintendente de atividades culturais do Instituto Itaú Cultural, o pensamento de Juca Ferreira é válido, mas deveria ser equitativo para cada forma de financiamento permitida pela Lei Rouanet. "O orçamento do MinC é frágil, e o Fundo Nacional de Cultura também é frágil. Como o mecenato ganhou um tamanho muito maior na capacidade de investimento em relação ao próprio ministério, a discussão tem sido toda em cima justamente do mecenato", aponta Saron, referindo-se às outras duas formas de financiamento cultural permitidas pela Lei Rouanet.
De fato, a leitura da nova proposta permite entender que o governo está diminuindo das empresas privadas a possibilidade de investirem em cultura através do abatimento de impostos. Se hoje as faixas de isenção fiscal são de 30% e 100%, de acordo com o projeto e com o lucro das empresas, a nova Rouanet criaria outros quatro segmentos (de 60% a 90%), mesclados à avaliação crítica e artística do projeto - diferente de hoje, quando a seleção da proposta a ser incentivada segue caráter estritamente técnico.
"A avaliação sem caráter subjetivo, como é hoje, permite aberrações, como o Cirque du Soleil poder captar recursos para se apresentar no Brasil", aponta Chico Pelúcio, integrante do Grupo Galpão em Belo Horizonte. Ele defende a formação das comissões setoriais, como está proposto pelo MinC. "Haveria possibilidade de análise do conteúdo e do interesse do projeto. O que vai obrigar a criação de critérios e ajudar no direcionamento dos próprios proponentes quando decidirem o que pedir."
O que tem preocupado membros da classe artística e dos produtores é um certo obscurantismo em alguns pontos do projeto, em especial a formação das comissões setoriais (na nova Rouanet, seriam criados grupos para escolher projetos em audiovisual; memória e patrimônio; cidadania e diversidade; artes; e equalização - abarcando áreas fora destas quatro enumeradas).
"A meu ver, o novo conceito da Rouanet traz uma forte carga de estatização ao patrocínio cultural", crê o produtor Lúcio Oliveira, da ArtBHZ. "Ainda é cedo para falarmos em detalhes, mas me parece que está ficando tudo mais concentrado nas mãos do governo", acrescenta.
Orquestra defende isenção
Maior receptora recente de patrocínio via incentivos fiscais pela Lei Rouanet, a Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), sediada no Rio de Janeiro, está de acordo com mudanças no atual mecanismo, mas faz ressalvas à possibilidade de diminuir a isenção de impostos. "Não entendemos que seja necessário ou mesmo saudável tirar força da captação por incentivos fiscais", diz Julio Guerra, integrante do setor financeiro da OSB. A entidade, que trabalha com plano anual de atividades, temporadas de concertos e projetos educacionais, aprovou, em 2007, um total de R$ 29,5 milhões. Desse bolo, a OSB captou R$ 17,38 milhões. (MM)
Política cultural
Produtores tentam entender nova lei
Na tentativa de entender as modificações pelas quais passa a Lei Rouanet, produtores culturais de Belo Horizonte criaram um grupo de estudos e análise das novas diretrizes e possíveis sugestões durante a consulta pública de 45 dias (contando a partir do último dia 24) que o Ministério da Cultura está fazendo.
"Não enxergamos com maus olhos as possibilidades de mudança na lei nem a de se abrir outros mecanismos de financiamento para a cultura", garante Marcela Bertelli, produtora da Duo Comunicação e Cultura. "A nossa maior preocupação é isso estar sendo colocado em consulta no meio de uma crise financeira e de retração imediata de investimentos, o que demanda outros tipos de esforços simultâneos. Em vista disso, 45 dias para se entender a lei e enviar propostas é muito pouco."
Para Tatyana Rubim, da Rubim Produções, o discurso do Ministério da Cultura tem sido "muito agressivo" em relação à iniciativa privada e à renúncia fiscal realizada pelas empresas. "Atualmente, a Vale e a Tim cortaram seus investimentos em diversos projetos de Minas. Como vamos conseguir dialogar e nos reaproximar das empresas desse jeito?"
Afonso Borges, da AB Comunicação, acredita que o Ministério da Cultura está se concentrando demais em dados sociais para defender a descentralização dos recursos, ao afirmar que Estados menos favorecidos pelos incentivos da lei devam receber mais recursos. "Existem fatores econômicos e culturais que contam nessa suposta concentração. Outras variáveis devem ser pesadas", diz ele.
O superintendente de atividades culturais do Itaú Cultural, Eduardo Saron, sugere que o Ministério da Cultura faça escalonamentos no lucro real de empresas de médio e pequeno porte, para facilitar o recebimento de incentivos fiscais e realizar a tal desconcentração. "O mecenato é concentrado no eixo sul-sudeste justamente porque o abatimento de impostos depende de um lucro real que tenha teto de 4% sobre o ganho da empresa. Então, se o Amazonas tem 1% de lucro real no país, é natural que ele receba menos investimento, enquanto Minas, que tem 9%, fique com aproximadamente 11% do incentivo."
Ajustes. Para "funcionar", a nova Lei Rouanet precisará de uma série de acertos que independem simplesmente da boa vontade do Ministério da Cultura, como o aumento do orçamento para a pasta e o funcionamento da chamada "loteria da cultura".
"O MinC precisa ter um alinhamento único com o governo, para que não fiquemos brigando por recursos, mas, sim, podermos ir ao Ministério da Fazenda ou do Planejamento e exigir mais recursos para a Cultura, para além do 0,6% do orçamento federal. Só assim o setor passará a funcionar, de fato, como estratégia de desenvolvimento para o país", afirma Saron.
Chico Pelúcio, do Galpão, tem temores semelhantes. "Ainda não consigo vislumbrar como o ministério vai sofisticar tanto a Rouanet se a operacionalidade dentro do governo é tão caótica. É uma contradição: antes de arrumar a casa, eles já propõem um mecanismo de difícil implementação e operação, ainda que com várias boas ideias."
O que diz o MinC
'Vamos ampliar os recursos'
Em conversa com o Magazine, o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, Roberto Nascimento, diz que o principal objetivo do MinC é "ampliar o volume de recursos" sem ter que contar com a lucratividade das empresas privadas, especialmente num período de crise. "No atual cenário econômico, as empresas tendem a ser mais conservadoras, sem perspectiva de lucro e, logicamente, maior redução da possibilidade de renúncia fiscal", afirma o secretário.
Nascimento informa que, para 2009, está previsto no orçamento do governo federal aproximadamente R$ 1,3 bilhão para renúncia fiscal pela Lei Rouanet. "Se este teto não se confirmar, e o MinC perceber que houve retração do investimento das empresas, usaremos o bolo restante para o Fundo Nacional de Cultura (FNC), previsto na mudança da lei."
Em suma: o Ministério da Cultura garante que todo este recurso previsto seja utilizado, ou por isenção de impostos, ou por investimento direto. "A nova Rouanet prevê o fortalecimento da dotação orçamentária do Ministério da Cultura, o aumento de recursos ao FNC e às outras faixas de renúncia, para além das atuais 30% e 100%", diz.
Sobre como o FNC iria gerir a escolha dos projetos a ser financiados, Nascimento conta que será mantido o atual modelo utilizado na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura. "Vamos trabalhar com colegiados que tenham representatividade nos setores a serem avaliados, garantindo a melhor distribuição dos recursos."
A respeito da possibilidade de descentralização do patrocínio cultural, o secretário afirma: "Ter outras faixas de renúncia fiscal permite que se controle e acompanhe melhor o tipo de manifestação cultural proposta e se agregue uma maior quantidade de possibilidades de patrocínio".