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abril 6, 2009
Cao Guimarães junta presente e passado em vídeos e fotografias por Silas Marti, Folha S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na sessão Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 3 de abril de 2009.
Artista mineiro tem individual aberta hoje na galeria Nara Roesler, em SP
No meio da paisagem que avança, um retrovisor mostra o que ficou para trás. São tempos perdidos, indissociáveis e ao mesmo tempo cindidos, que Cao Guimarães gosta de visitar.
Na individual que abre hoje na galeria Nara Roesler, o artista revisita o interior mineiro que dilatou e contraiu nas sequências de seu longa "Andarilho". À beira da estrada, fotografou placas cobertas de pó, "buracos negros na paisagem", enquanto, num vídeo que fez na Grécia, tenta recortar o passado dentro do presente.
"Você está indo em direção a alguma coisa, mas tem no meio algo que ficou para trás", descreve Guimarães, 44. "É uma relação imediata entre o futuro, o passado e o presente." No vídeo, um espelho retrovisor colado no meio de um para-brisa parece navegar pela paisagem, desconectado do mundo, alheio, como uma janela teimosa para a lembrança.
Do mesmo jeito que na série das placas cobertas de pó um vão geométrico se forma no horizonte, bloco maciço de cor que esfacela a perspectiva e a própria noção de tempo.
"Eu sou esse tempo lento, rural, esse tempo mais morto", diz ele. "Prefiro a paisagem com menos ruído, a profundidade chapada, as placas que desorganizam o ponto de fuga." A série, aliás, são só pontos de fuga. Quebrando o movimento do vídeo, Guimarães congela aqui só os pontos de interesse, os acúmulos de formas negativas que se prestam à fusão que faz do presente com o passado.
Na sala ao lado, 16 espantalhos de uma lavoura mineira são retratados em tom documental. Guimarães depois encomendou à dupla O Grivo, com quem trabalhou em seus filmes, uma trilha sonora, dessa vez para as imagens paradas. Escolheram o canto dos pássaros e o barulho do vento para ninar os espantalhos -congelados em série, fora de qualquer narrativa, são só instantes privilegiados, as ervas daninhas e as pragas da memória.