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março 24, 2009
Repercussão, O Estado de São Paulo
Matéria originalmente publicada no Caderno 2 do Jornal O Estado de São Paulo em 21 de março de 2009.
"Acho lamentável pensar em mudanças na Lei Rouanet quando o problema está na maneira como ela funciona. Funciona mal porque não há organização e há lentidão na análise dos projetos. O excesso de demora para análise e aprovação dos projetos cria uma situação patrocinador/produtor difícil e o produtor tem de correr contra o tempo. Cria-se praticamente a mesma especulação que acontecia na época da inflação, quando se colocava no projeto um valor mais alto já se levando em conta a taxa de inflação. Os produtores mandam um excesso de projetos para ver se algum emplaca. Mudança sem organização não adianta. Temos de implorar, correr, ir de um lado para o outro porque não existe um caminho. Atualmente temos quatro projetos em curso, dois deles para o Ano da França no Brasil que foram aprovados no ano passado pelo comissariado francês, o que já indicaria uma agilidade para que o Ministério da Cultura aprovasse e até agora nada. São para o segundo semestre, um do grupo de música A Filleta e outro, um espetáculo com a atriz Juliette Binoche. Também temos para setembro o projeto de espetáculo de Pina Bausch, mas o patrocinador não quer nem ver a minha cara enquanto a aprovação do projeto não aparece no jornal. Para o ano que vem vou jogar dez projetos para ter alguma coisa no bolso e vou criar mais trabalho para o Ministério. O erro não está na lei." Emilio Kalil - Produtor Cultural
"Acho fundamental que saia um texto preciso e oficial depois de ficarmos muito tempo conversando de teses e diagnóstico da lei. É importante para o diálogo, uma proposta de amadurecimento. Escalonar as deduções de imposto de renda sempre faz bem, não havia uma graduação entre os projetos, mas, primeiro, é importante que não se acabe o de 100%, não vejo problema. O Itaú Cultural só usa o artigo 26, só 30% de incentivo. Para o Itaú Cultural o escalonamento não muda nada. O debate vai começar agora, a proposta está muito aberta. O processo de utilização do Fundo Nacional de Cultura precisa ser amadurecido. O orçamento do MinC está contingenciado, vamos ver se o do fundo vai ser. Acho positivo que o texto saia para se esclarecer com precisão as propostas do MinC". Eduardo Saron - Superintendente do Itaú Cultural
"É importante dizer que todo o processo da Lei Rouanet, que tenho usado nos últimos anos, é bastante burocrático e sem agilidade. Todos sofremos ao lidar com o MinC, via e-mail, telefone, ofícios, abertura de contas, etc... O que nos leva a crer que o ministério não está preparado estruturalmente para responder e atender à quantidade de projetos que recebe. A organização que administra o processo, na prática, não funciona como deveria. Mudança de conteúdo no sentido de ampliar a lei e trazer novas alternativas é bem-vinda. Desde que seja acompanhada por uma prática que funcione. Imagino que se o CNIC ainda tiver que decidir, por exemplo, sobre porcentagens de isenção de impostos, para cada patrocínio, tornará ainda mais lento o processo. Mesmo crendo que essa mudança seja para melhor." Myrian Taubkin - Produtora Cultural
"Há aspectos positivos, duvidosos e negativos, como sempre. A Lei Rouanet, tal como existe, teve um papel decisivo no País - sem ela, continuaríamos vivendo no deserto cultural que existia antes de ela aparecer. Poder utilizar restos não-aplicados de recursos do ano anterior, além da intenção do governo de injetar recursos públicos diretos, sem depender de patrocinadores, são aspectos positivos do decreto. No entanto, existem alguns pontos que, certamente, devem trazer problemas como, por exemplo, a porcentagem variada que possibilitará ao copatrocinador a dedução de imposto de renda: uma boa lei não pode ser demasiada específica, além do que não estão claros quais serão os critérios para a aplicação de cada parcela percentual (com exceção da de 100%). O artigo de número 32 também é um tanto equivocado, por relatar que os ?projetos passarão por um sistema de avaliação que contemplará a relevância cultural e aspectos técnicos e orçamentários, baseado em critérios objetivos, transparentes e que nortearão o processo seletivo?. Ora, não existem critérios objetivos na cultura e querer identificá-los é extremamente perigoso. Outra aspecto que o novo decreto poderia contemplar são os descontos de incentivo para pessoas físicas com base no lucro resumido, não real, assim a inclusão seria maior." Teixeira Coelho - Curador do MASP
"Minha sensação é que a preocupação menor não é a lei, mas a capacidade do governo de gerir as leis. Elas estão paralisadas, tanto estaduais como federais. O que existe é a dificuldade de fazer as coisas funcionarem para não parar o sistema. Não tem que trocar a turbina do avião com ele voando." Marcello Dantas, Videoartista e Produtor
"O que me preocupa é a alteração da alíquota de 100% de retorno para empresas patrocinadoras, um retrocesso por tudo o que brigamos há cerca de cinco anos, quando finalmente conseguimos equiparar o teatro ao audiovisual. É claro que, na análise de projetos, o gerente de marketing vai preferir o retorno total do seu investimento por meio do incentivo na área de audiovisual e não nas artes cênicas. Não estão claros os critérios que vão nortear a escolha das diferentes porcentagens de alíquotas e quem é que forma essa comissão responsável por enviar o dinheiro diretamente para o projeto. Ao que tudo indica, voltamos ao dirigismo cultural que existia antigamente. O governo deve criar mecanismos de incentivo direto para casos específicos em todo o Brasil como, por exemplo, de projetos de teatro alternativo e experimental. Se o Brasil tem essa discrepância cultural não é papel da Lei Rouanet corrigir essas distorções. Também acredito que os incentivos fiscais devam ficar concentrados no eixo Rio-São Paulo, porque nas demais regiões do País ainda não se alcançaram condições necessárias para a produção de qualidade. Depois disso, seria providencial promover a circulação desses projetos por todo o País." Claudio Fontana - Ator e Produtor
Acho lamentável visão como a de Claudio Fontana, que acredita "que os incentivos fiscais devam ficar concentrados no eixo Rio-São Paulo, porque nas demais regiões do País ainda não se alcançaram condições necessárias para a produção de qualidade".
Se as outras regiões não tem condições para uma produção de qualidade - o q não acredito ser verdade, mais um motivo para se investir e criar essas condições para a produção fora do eixo rio-sp, afinal estamos falando de politicas públicas para a cultura, uma politica federal. O país é muito maior do que o eixo q concentra a grande parte da nossa produção.
É lamentável e até difícil crer que uma discussão sobre a Lei Rouanet promova raciocínios tão obtusos como o do Sr. Cláudio Fontana ao afirmar que os recursos da lei deveriam se concentrar no eixo Rio-São Paulo, casualmente aquele em que ele vive e trabalha, quero crer. Sugiro que ele faça um giro pelo Brasil e tome contato com a realidade cultural de nosso país, aliás bem mais evidente e autóctone exatamente fora do eixo Rio-São Paulo, esta denominação absolutamente elitista - quase colonialista - que em nada tem a ver com a Lei Rouanet. Sugiro, por exemplo, que ele faça uma visita à Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, evento que deveria inspirar a Bienal de São Paulo a rever seus métodos e seu alcance. É só uma sugestão. Puxar a brasa para si é sempre mais confortável do que discutir com amplitude uma questão de tamanha importância.A Lei Rouanet deveria abrigar projetos nacionais de produtores sérios e não o Cirque du Soleil que, na verdade, é menos importante que os circos mambembes pelo país afora. O Ministro só está errado quando pensa que vai determinar por decreto ou norma que a empresa X destinará recusos ao projeto Y. Ora,Senhor Ministro, tenha dó, mas a liberdade de opção e o mercado continuam existindo. Paulo Amaral, artista plástico, curador e escritor
Posted by: Paulo Amaral at março 28, 2009 11:08 AM