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Como atiçar a brasa

 


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fevereiro 19, 2009

Ruas de concreto por Henrique Araújo, O Povo

Matéria de Henrique Araújo originalmente publicada na sessão Vida e Arte do jornal O Povo, em 19 de fevereiro de 2009.

A exposição Certos Lugares, do artista plástico Murilo Maia, apresenta trinta imagens de ruas, marquises, muros e grades de ferro. As imagens flagram a indisciplina involuntária de uma cidade quase invisível

Das trinta imagens expostas pelo artista plástico Murilo Maia no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, uma deve chamar mais atenção que as demais. O muro tem exatamente 5,8 metros de comprimento por 2,1 de altura. Sua extensão é percorrida por tijolos e arames farpados sobrepostos, numa mistura de elementos essencialmente ligados ao medo. O tamanho da foto é natural. Representa o mesmo paredão visto por Murilo enquanto passava de ônibus na BR-116. O muro integra a exposição Certos lugares, aberta no MAC na última quinta-feira.

Dividida em quatro ambiências, a primeira exposição individual de Murilo apresenta imagens de uma Fortaleza cujos muros, gradis, calçadas e telhados dividem espaço com elementos diversos. Por exemplo: na calçada, o poste aperta-se contra um tronco de árvore. Em menos de um metro quadrado, convivem. Na avenida Aguanambi, um muro caiado engoliu um poste, que se tornou parte de sua constituição. Na Praia de Iracema, em frente ao Estoril, uma árvore de caule retorcido é escorada por dois troncos. Para sobreviver, ela carece do suporte, que lhe é totalmente estranho. Um último exemplo: numa rua qualquer da cidade, uma casa era guardada por um portão de ferro vazado. Meses ou anos depois, uma placa de ferro foi acrescida do anteparo, tornando-o chapado. Quem está dentro de casa não pode ver quem passa e vice-versa.

Que Fortaleza - lugar cujo nome denota símbolos de ambigüidade -, pode ser vista em Certos lugares? “Tempo. Tensão urbana. Violência. Tem o acaso e a temporalidade”, explica Murilo. Aquarelas, Simbioses, Possuídos e Diaslongos são os escaninhos que recebem as imagens da cidade. Aquarelas traz infiltrações em paredes. Fotografadas e expostas, elas viram objeto de apreciação, um tipo especial de arte. O tempo é o artífice dessas obras. Simbioses apresenta “a vida que, junta, tem relações positivas e negativas”. Uma palmeira atravessando o gradil de um condomínio fechado, uma goiabeira sustentada por uma raiz antinatural. Em Possuídos, o inusitado. Debaixo do telhado, não há nada. A marquise não guarda nada. É como se o corpo humano tivesse um órgão cujo funcionamento é nulo. Diaslongos é isolamento. Uma página em branco riscada de uma ponta a outra por uma única palavra: dia.

Assim, Certos lugares é dedicada “a uma cidade de coisas que passam despercebidas, de coisas lentas, de segurança, mas também a algo mais poético”. Infiltrações assumem formas inesperadas na parede, ganham contornos monocromáticos, jogam com texturas e desenhos. “Na cidade, uma coisa negativa pode, de repente, ganhar um outro contexto.” No MAC, a visão das fotos sugere indisciplina. A indisciplina das formas que não respeitam a vocação organizativa dos homens. A indisciplina dos marginalizados, expressa nos portões que se reforçam com placas de ferro. Nesse esteio, Murilo receita a indisciplina do olhar. Que Fortaleza pode ser vista na exposição? Os movimentos da cidade, de expansão e retração; as relações de poder; as trocas simbólicas, materiais e imateriais.

As trinta imagens reunidas por Murilo estão repletas de potencialidade. Ainda que o suporte da fotografia apenas funcione como mero registro (“Eu não faço nenhum tipo de manipulação na foto”) e o conjunto das obras não contenha tantos elementos que apontem para algum tipo de alteração dessa ordem impositiva, os trabalhos funcionam muito bem como convite. Um convite para ver a cidade com olhos de indisciplina.

SERVIÇO
Exposição Certos Lugares, do artista plástico Murilo Maia. Aberta no último dia 12 de fevereiro, a exposição segue até o dia 30 de março, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Horários para visitação: de terça a quinta, das 9h às 19h (acesso até 18h30min); de sexta a domingo, das 14h às 21h (acesso até 20h30min). Ingressos: R$2,00 / R$1,00. Aos domingos o acesso é livre. Outras informações nos telefones 3488 8600 ou 8608 8624.

Posted by Ana Maria Maia at 5:01 PM