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fevereiro 19, 2009
Aquarelas de Samson Flexor, pioneiro do abstracionismo, mostram sua faceta mais informal por Suzana Velasco, O Globo
Matéria originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo, em 17 de fevereiro de 2009.
RIO - O teste para se entrar no Ateliê Abstração, fundado em 1951 por Samson Flexor (1907-1971), em São Paulo, era desenhar um violão com régua e esquadro. Um dos pioneiros do abstracionismo no Brasil, Flexor é conhecido pelo cálculo e pela ordenação em suas pinturas, mas no fim da vida, nos anos 1960, libertou seus traços da rigidez geométrica. É essa faceta mais solta que o Instituto Moreira Salles (IMS) exibe a partir desta quarta-feira (18-02) para o público, nas 98 obras da exposição "Aquarelas e desenhos".
- O Flexor é muito conhecido na história da pintura, sobretudo por sua produção dos anos 1950. Ele criou uma obra geométrica calculada, com projetos para a tela final. Agora, mostramos as aquarelas dos anos 1960, que já são mais livres. Algumas têm autonomia, e outras são esboços para pinturas a óleo, mas a geometria não é mais o foco - afirma a coordenadora do setor de artes visuais do instituto, Heloisa Espada.
Com curadoria da equipe do IMS, a mostra tem como base uma exposição que, em 2007 e 2008, percorreu países europeus que fizeram parte da trajetória de Flexor, passando depois por São Paulo. Nascido onde hoje é Chisinau, capital da Moldávia, Flexor se radicou no Brasil em 1948, vindo de Paris, onde fora um dos fundadores do grupo Surindépendants, cujo lema era "independência e disciplina".
Referências às formas da natureza
Na capital paulista, Flexor levou a bandeira a sério e se tornou um abstracionista independente, pessoal, batendo de frente com os concretistas de São Paulo. Foi no Brasil que o artista acentuou seu afastamento da representação, para se tornar um dos pioneiros no país da pintura abstracionista, que já se esboçava em suas obras do início dos anos 1940, quando ainda vivia na França. No fim da década de 1950, toda marcada pela abstração, ele já caminhava em direção a formas mais orgânicas, que, como se vê na exposição, acabaram levando-o de volta à figuração, ainda que de modo completamente diferente daquele do início de seu percurso artístico. Aos poucos, ele vai se aproximando do corpo humano, criando seres meio robóticos, meio desajeitados, com uma certa fragilidade - diz Heloisa.
Essa aproximação é evidente, na exposição, nas aquarelas da série "Bípedes", esboços para telas a óleo exibidas na Bienal de São Paulo de 1967. Segundo a curadora, mesmo antes dessa volta mais explícita à figuração, podem ser encontrados resquícios de elementos figurativos em algumas pinturas que, aparentemente, são completamente abstratas.
- A exposição mostra que, embora Flexor tenha ido à abstração, continuou olhando para a natureza. Suas obras sempre têm referência às formas naturais, seja na paisagem ou corpo - afirma Heloisa, que ressalta, nesse processo, a série de desenhos "Paisagem de Poços de Caldas". - Ele vai abstraindo a partir da observação da natureza e, aos poucos, se aproxima da forma geométrica, saindo da aparência das coisas e as depurando até chegar somente às suas linhas. É um processo bem kandinskyano.
Além de retornos à figuração, a obra de Flexor é marcada por transições e combinações entre o racionalismo geométrico e a abstração mais informal. Em paralelo ao lado lírico de suas aquarelas, que compõem a maior parte da exposição, o público poderá ver o rigor geométrico nos desenhos do artista, em lápis sobre papel.
- Na sala dos desenhos, mostramos um pouco do processo de trabalho de Flexor - diz a curadora. - Vemos que, nos esboços de retratos para pinturas a óleo, a geometria é a estrutura da obra. Os rostos são traçados e compostos a partir de uma geometria rígida e equilibrada.
Instituto Moreira Salles. Rua Marquês de São Vicente 476, Gávea. Tel: 3284-7400. Ter a dom, das 13h às 20h.