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fevereiro 16, 2009
Só pedindo socorro por Suzana Velasco, O Globo
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno de O Globo, em 15 de fevereiro de 2009.
Importantes museus do Rio não estão bem preparados para receber turistas
Um estrangeiro chega a um museu no Rio e é recebido com boa vontade por um funcionário na recepção, que em geral fala inglês. O visitante chega sem saber o que vai encontrar ali — até procurou se informar no site, mas não há versões em outras línguas — e continua assim, meio perdido: não há folhetos explicativos sobre as mostras, mapas do museu, audioguias. O funcionário diz que ele poderá encontrar informações no interior da instituição, mas os textos das exposições nem sempre estão traduzidos para o inglês. E, dentro do museu, a sinalização é precária. Ele sai frustrado por sentir que poderia ter aproveitado muito mais sua visita.
— Gostaria de ter mais controle sobre a informação. O mais importante seria ter uma noção geral de que exposições o museu oferece, para eu poder escolher aonde ir, com um mapa para saber como acessar o local — afirma o arquiteto alemão Henning Pöpel.
O GLOBO acompanhou a visita do estrangeiro a cinco importantes museus, no Rio e em Niterói: Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), Museu de Arte Moderna (MAM), Museu Histórico Nacional (MHN), Museu da República e Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC). Alternando pontos positivos e negativos, todos eles pecam num aspecto fundamental: a falta de informações básicas sobre a instituição, mesmo em português. É um cenário desanimador, no ano em que o tema da Semana Nacional de Museus, de 17 a 23 de maio, será “Museus e turismo”.
Verbas ainda não foram utilizadas
Seis meses depois de terem recebido recursos do Programa de Qualificação de Museus para o Turismo, do Ministério da Cultura (MinC), MNBA, MHN e Museu da República ainda não executaram seus projetos. O MNBA, cujas exposições não têm textos em inglês, recebeu R$457.610,22 para adquirir audioguias e folhetos trilíngues (português, inglês e espanhol), com informações sobre as coleções permanentes. A diretora do museu, Mônica Xexéo, acredita que esses produtos estarão prontos em abril e suprirão as necessidades dos turistas, mas sabe que precisará de mais recursos para renovar periodicamente os informativos:
— Este ano vou enviar um projeto para a manutenção dos folhetos.
Os turistas, brasileiros ou estrangeiros, e mesmo quem nunca visitou o museu, não têm orientação para saber o que há para ser visto. Esse é o mesmo problema do Museu Histórico Nacional, que na última semana não tinha qualquer impresso informativo na recepção, nem funcionários bilíngues. Segundo a diretora do MHN, Vera Tostes, os folhetos do museu se esgotaram com o aumento excepcional do número de visitantes, devido à mostra “O corpo humano”.
— Normalmente temos folhetos bilíngues, mas passamos a receber quase 300 mil visitantes por mês, por isso eles acabaram — diz Vera.
A diretora afirma que, com os R$202.331,98 dados pelo MinC, providencia audioguias em português, inglês, espanhol e francês, além de um guia especial para surdos-mudos, com previsão para abril. O museu é o único dos cinco que tem uma versão de seu site em inglês, mas nem todos os textos das mostras têm versões em língua estrangeira. Além disso, como o MHN fica num casarão histórico, que não foi construído para ser um museu, ele precisaria de uma sinalização interna eficiente. Porém, o visitante que desconhece o espaço se perde dentro dele.
— O museu tem ótimas exposições, como a de moedas internacionais, mas eu não tinha idéia do que estava exposto e não podia decidir o que queria visitar. Tive que ficar procurando pelas exposições. Saí com a sensação de que havia muito mais para ver — diz o alemão.
Administradores ignoram falhas
O estrangeiro teve o mesmo problema no MNBA e no Museu da República, também instalados em edifícios históricos e sem boa sinalização. No Museu da República, guardas tiveram que orientá-lo sobre o percurso de visitação através de mímicas. Além disso, as obras da mostra de arte contemporânea “Nós” estão misturadas às peças históricas, sem uma explicação para o turista. O museu, que recebeu R$161.219,51 do MinC, informa que haverá audioguias bilíngues este ano, sem data prevista. A direção ainda alega que o museu tem folhetos em português, inglês, e espanhol. Na visita do estrangeiro, porém, um funcionário disse que todas as informações em inglês ficavam no interior das salas.
— Você deve ter chegado num momento em que novos folhetos estavam sendo feitos — diz Débora Reina, assessora técnica do museu.
As mímicas também foram necessárias no MAC. O museu é o único com folhetos bilíngues, tem um funcionário que fala inglês na recepção e textos em inglês sobre sua mostra principal. Dentro do museu, porém, os monitores, universitários que supostamente deveriam falar inglês ou francês, não conseguiram se comunicar nessas línguas.
— Quando cheguei ao museu, em 2003, contratamos universitários com a condição de que eles falassem inglês ou francês porque a comunicação é muito importante. Saí do museu em 2005 e voltei agora. Achei que essa condição estivesse vigente. Você me pegou de surpresa — espanta-se Telma Lasmar, coordenadora executiva do MAC, que, por ser um museu da prefeitura, teve sua direção alterada com a mudança de administração.
O diretor do MAM, Reynaldo Roels, também foi pego de surpresa ao ser informado de que não havia folhetos com a programação do museu, nem mesmo em português.
— Você deve ter chegado na hora em que os folhetos estavam sendo substituídos — disse. — Nossa sinalização é toda bilíngue. A gente encara o fato óbvio de que o inglês serve como apoio mínimo para parte do nosso público, que, como em todos os museus do mundo, é de turistas.
Apesar de haver sinais em português e inglês, o museu não reúne informações sobre o que pode ser encontrado em seu edifício. Parte do público que vem lotando a mostra temporária de Vik Muniz fica sem saber que, ali em cima, no terceiro andar, existe uma exposição permanente com a coleção de Gilberto Chateaubriand, com obras-primas da arte moderna brasileira.
Roels diz que está providenciando informativos bilíngues com um mapa do MAM. Mas o diretor não considera que os audioguias sejam prioritários porque acredita que eles desviam o visitante do foco principal de um museu, a obra de arte. Segundo ele, o estrangeiro pode recorrer a um monitor se precisar de informações:
— Há uma pessoa que fala inglês e francês na exposição permanente. É só pedir socorro.
Com certeza,isso não é apenas um problema do Rio de Janeiro e mostra que os responsáveis pelos museus (muitos dos quais federais ou municipais, ou seja, que operam com dinheiro público) não conhecem a realidade de seus frequentadores e do dia-a-dia nas salas expositivas.
Aliás, sendo o Museu Nacional de Belas Artes um dos mais importantes do país em termos de acervo, já se tornou mais do que insustentável uma figura como a de Mônica Xexeo em sua direção. Gostaria de ver a classe artística do Rio se manifestar mais contra o descaso com que o MNBA é tratado, além de toda a dificuldade que pesquisadores nacionais e internacioanais encontram para pesquisar em suas dependências.