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fevereiro 4, 2009
O lugar das utopias em tempos de mudanças, por Camila Molina, Estado de São Paulo
Matéria de Camila Molina, originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo, no dia 31 de janeiro de 2009
Sete Intelectuais na Floresta de Bambu, videoinstalação do chinês Yang Fudong no Paço das Artes, é densa narrativa sobre as experiências de grupo de jovens
Numa linha fronteiriça entre o cinema e o vídeo, o artista chinês Yang Fudong vem criando, desde o início da década de 1990, filmes em preto-e-branco e em 35 mm, de estética e de complexidade narrativa que poderiam remeter ao que se costuma caracterizar de filmes de arte. O próprio Fudong, nascido em Pequim, em 1971, afirma que suas criações são ora exibidas em festivais, ora estão no espaço das exposições de artes visuais, mas essa elasticidade de meios de exibição não é para ele um problema. Pelo contrário, já que desde antes de se formar em pintura na Academia de Arte da China em Hangzhou, em 1994, o gênero audiovisual lhe interessou mais a ponto de se dedicar totalmente a esse meio, e atualmente ser um artista de renome internacional. Felizmente, agora em São Paulo, é possível ver um de seus mais ambiciosos trabalhos, a videoinstalação Sete Intelectuais na Floresta de Bambu, em cartaz no Paço das Artes. A mostra, com curadoria do holandês Maarten Bertheux, apresenta uma obra de fôlego, formada por uma narrativa feita em cinco partes, projetadas em grandes telas.
Fudong começou a desenvolver o projeto de Sete Intelectuais na Floresta de Bambu em 2001 e só o concluiu em 2007, quando o trabalho foi exibido em sua totalidade na 52ª Bienal de Veneza. Nessa obra, o artista recorre a uma história milenar chinesa, Os Sete Sábios no Bambual, do século 3º a.C., para tratar pela vertente contemporânea uma questão que lhe é tão cara: como viver com as mudanças, as utopias e os ideais? (“A utopia, o paraíso e o ideal são como a Lua. Alguns a deixam pendente nos céus enquanto outros a puxam para baixo e a acolhem entre as mãos”, já disse o artista. )
Na primeira cena, como numa espécie de “quadro vivo” (tableau vivant) –define o curador –, belo e em preto-e-branco, um grupo de jovens nus na Montanha Amarela começa a colocar suas roupas (de estilos e épocas diversos). É a chave para entrarmos na narrativa da trajetória de sete jovens que se desconectam da cidade em busca do entendimento das “grandes coisas” em experiências de isolamento na natureza, numa fazenda e numa ilha de pescadores até regressarem novamente a Xangai. Cada passagem é retratada separadamente e quase sem nenhuma fala, numa atmosfera de colagem de imagens com certos toques surreais. Há uma ideia romântica na oposição entre cidade e campo, mas, afinal, esses jovens, os intelectuais meio ingênuos, que vivem na dicotomia entre “seguir o coração e cumprir o dever”, realmente se transformam nos interstícios de suas passagens?
“Fudong fala de sua geração por meio da criação de uma realidade artificial, evocando uma sensação de alheamento e atemporalidade”, diz Maarten Bertheux. Por isso, como completa, não interessa nesse trabalho retratar o indivíduo,o que seriam as personalidades representadas pelos atores. A obra fala do lugar da utopia numa China que entra na vida moderna a toda velocidade, mas, ela também, ao misturar os tempos e as realidades, abre a reflexão para ocampo universal.