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fevereiro 4, 2009
Entre mares, por Paula Alzugaray, Revista Isto É
Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2042, no dia 24 de dezembro de 2008
Lívia Flores mostra seu “cinema sem filme” e Sandra Cinto fala de ética e politica, em exposições individuais no Rio (Livia Flores – Sandra Cinto/ Galeria Progetti, RJ/ até 21/2)
Depois de inaugurar a galeria Progetti com uma exposição do artista grego Jannis Kounellis, a galerista italiana Paola Colacurcio se aventura pelos mares do sul, apresentando individuais de duas artistas brasileiras: a carioca Livia Flores e a paulista Sandra Cinto. As duas criaram trabalhos especialmente para a galeria, situada no centro histórico do Rio. Livia Flores, que surgiu no contexto das artes visuais na mostra Como vai você, geração 80?, no Parque Lage, em 1984, fazendo pintura (como boa parte de sua geração), partiu depois a explorar projeções de filmes super-8, e hoje define seu trabalho como a prática de “fazer cinema sem filme”. Nessa exposição, a qualidade cinética de seu trabalho pode ser notada nos padrões geométricos dos papéis de presentes esticados em chassis e colocados nas paredes – pendurados como se fossem pinturas ou como telas de LCD. O cinema faz-se presente, especialmente, em uma escultura de espelhos, na forma de um rebatedor de luz, que poderia perfeitamente ser o instrumento de um fotógrafo. O objeto, que segundo a artista “rebate a imagem do ambiente”, foi instalado estrategicamente no vão livre da galeria, assumindo a função de “observatório”. De posicionamento articulável, a escultura pode, inclusive, refletir o trabalho de Sandra Cinto, instalado no andar térreo da galeria.
Sandra Cinto, que faz sua primeira individual em uma galeria carioca em vinte anos de carreira, começou e termina o ano de 2008 realizando instalações que têm o oceano como tema. A artista encerra aqui sua série Travessia difícil, inaugurada em janeiro na galeria Tanya Bonakdar, em Nova York. Lá, a artista representou um mar em fúria com milhares de barquinhos de papel que convergiam para uma série de reproduções da pintura A balsa da Medusa, de Théodore Géricault. Ela traz ao Rio uma variação sobre o mesmo tema. Utilizando os recursos da pintura, do desenho, da gravura e da fotografia em uma grande instalação, Sandra Cinto desenvolve a mesma narratividade realizada pelo pintor romântico naquela que é considerada a primeira pintura de teor abertamente político da história da arte francesa. Mas o que está em pauta aqui não é o drama específico das pessoas que tiveram que praticar canibalismo para sobreviver ao naufrágio da fragata Medusa, em 1816, por causa da ingerência de um capitão protegido por Luis XVIII . Através de Géricault, Sandra Cinto fala de fronteiras geo-políticas, do drama de imigrantes nas fronteiras da Europa e dos Estados Unidos, dos abusos de poder, do naufrágio da ética na sociedade contemporânea. “Esse naufrágio, que aconteceu por questões políticas no século 19, acontece hoje. Estamos vivendo essa crise!”, diz Sandra.
Diante da instalação, pensamos na população brasileira que vive à deriva e lembramos da deriva em que ficou a população do Complexo da Maré, desde que, há duas semanas, o menino Matheus Rodrigues Carvalho, de 8 anos, foi morto a queima roupa por um tiro de fuzil, quando saia de casa para comprar pão. O trabalho de Sandra Cinto tem um significado político que deve ser absorvido.
Roteiros
A Baía de Todos os Santos como moldura
15o SALÃO DA BAHIA / Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/ de 19/12 a 1o/3/09
Com direito a um jardim de esculturas de frente para a Baía de Todos os Santos, o 15º Salão da Bahia inaugura seu panorama anual da arte, apresentando 40 artistas de dez estados. O Salão, que acontece no histórico Solar do Unhão, sede do MAM-Bahia desde 1966, oferece este ano R$ 223 mil em prêmios, a maior premiação de sua história. Os vencedores do Prêmio Aquisição terão seus trabalhos incorporados ao acervo do museu, atualmente com 1133 obras que acabam de ser inventariadas e catalogadas em livro recém lançado pelo Banco Safra.
O Salão esse ano conta ainda com a reinauguração de seu Parque de Esculturas restaurado e reconfigurado. A coleção de esculturas modernistas e contemporâneas desse museu a céu aberto conta com obras de Tunga, Rubem Valentim, Mestre Didi, Cildo Meireles, entre outros, e recebe a nova escultura da portuguesa Gabriela Albergaria, primeira artista internacional convidada a fazer uma Residência Artística no museu. A obra, uma estrutura de vidro no chão que permite ver as raízes de uma árvore, receberá junto às outras esculturas iluminação especial e visitas monitoradas. “Seja por falta de vontade, seja por falta de paisagem, poucos museus no mundo integram suas obras de arte ao entorno, ao meio ambiente, à natureza”, afirma Solange Farkas, diretora do MAM-Bahia.
Roteiros
É permitido brincar
ARTE PARA CRIANÇAS / Centro Cultural Banco do Brasil, Brasília / até 18/1
“Não toque em nada!”, “Cuidado”. É isso o que as crianças costumam ouvir dos pais nas exposições de arte. O mesmo acontece com adultos quando as advertências vêm de seguranças. Felizmente, Arte para crianças, no CCBB, recupera a tradição da “arte participativa” dos anos 60 e reúne um conjunto de obras que foram criadas para entrar em interação com o público. Há dezesseis artistas brasileiros e norte-americanos que comprovam que a arte contemporânea é, sim, acessível. Inclusive para crianças. Em Onochord, Yoko Ono pede a visitantes que enviem sinais de luz que significam “Eu te amo”. A artista também convida a todos para pendurar pedidos na obra Árvore dos Desejos. Já o carioca Ernesto Neto seduz o público a entrar em um ambiente “uterino”, em Uni Verso Bebê II Lab, mais uma de suas instalações imersivas, construída com tecido e espuma. Mais que interagir, há obras que convidam à invenção. Em De corte e dobra, de Amílcar de Castro, esculturas podem ser recortadas e remontadas. Depois de Brasília, a exposição segue para o Sesc Pompéia, em São Paulo.
Colaborou Fernanda Assef