|
fevereiro 3, 2009
Vik Muniz leva cariocas de volta para o MAM, por Miguel Conde, O Globo
Matéria de Miguel Conde, originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo, no dia 2 de fevereiro de 2009
Museu tem a maior média de público dos últimos anos com exposição
É sábado de sol no Rio de Janeiro, mas a exposição no Museu de Arte Moderna (MAM) está lotada. Postada diante do quadro, a mulher se concentra e examina a imagem por alguns segundos antes de se decidir:
— Geleia e doce de leite!
Uma discreta expressão de ceticismo surge no rosto da amiga a quem o comentário é dirigido. A mulher então resolve se aproximar para confirmar.
— Ah, não: é geleia e manteiga de amendoim — reconhece o erro, explicando-se. — Também, manteiga de amendoim é uma coisa que nunca pegou por aqui. Lembra daquele Amendocrem?
Dirigindo-se à próxima obra, elas prosseguem com entusiasmo o jogo de adivinhação, numa atitude que parece estranha se considerarmos onde estão, mas que é típica entre os visitantes da exposição do brasileiro Vik Muniz, em cartaz no MAM desde o último dia 23. A mistura meio infantil de encanto e perplexidade é uma pista para entender o sucesso da exposição, que tem atraído em média pouco mais de mil pessoas por dia. Foram 4 mil já no primeiro fim de semana, recorde desde a exposição “Picasso — Anos de Guerra”, que teve 8 mil visitantes no fim de semana de estreia em 1999.
A divulgação, com painéis espalhados pela cidade e anúncio em horário nobre, certamente ajudou. Mas os níveis de entusiasmo dos visitantes sugerem que o boca a boca também está fazendo sua parte.
— Várias amigas vieram e disseram que era imperdível — diz Therezinha Borges, acompanhada pelas amigas Maricilla Lamounier e Ely Norbert.
Não só diante da “Mona Lisa dupla” de geleia e amendoim, mas por toda parte surgem entre os visitantes polêmicas na linha “como diabos ele fez isso?!”. Apesar dos monitores por perto, há os que preferem investigar por si mesmos se aquelas bolinhas formando o rosto de um catador de lixo são tampinhas de refrigerante, rodinhas de metal ou sabe-se lá o quê.
— Não pode ser tampinha, olha o tamanho do chinelo do lado! — um homem discute com a namorada diante de uma foto da série “Imagens do lixo”.
Muitos dos visitantes confessam não serem grandes fãs de arte contemporânea. Caso de Leticia Jarlicht, de 6 anos, arrastada para o museu pelos pais, Carla e Isaac. Exposições são “sem graça”, ela resume, mas se interessa ao saber que há ali a foto de uma pintura feita com macarrão e molho de tomate.
— Uma vez eu fiz um rei com estrogonofe — anima-se, enquanto seus irmãos Leonardo e Guilherme, gêmeos de 12 anos, mascam chiclete e olham em volta, aparentemente ainda tentando decidir se estão gostando ou se devem manter o ar blasé padrão para ocasiões assim.
Já os adolescentes Victória Reis e Thales Fonseca, de 17 anos, estavam completamente decididos, ainda que lacônicos.
— Incrível — ela disse.
— Muito impressionante — ele completou.
Ali por perto, uma senhora comenta com a amiga:
— Realmente, um dos grandes artistas do nosso tempo.
Descansando num banco com a namorada Andréia Pereira, o militar Anderson Soares Pinho concorda.
— É a melhor exposição que já vi até hoje. É uma coisa clara, não é só para aquelas pessoas que já se aprofundaram no assunto. Você consegue entender.
Um discurso afinado com o do próprio Vik Muniz:
— Quando crio meus trabalhos, não imagino um público específico: pode ser o cara da padaria, o vigilante do museu ou um filósofo. Tento partir de coisas primárias, básicas, e daí construir algo que seja ao mesmo tempo inteligente e acessível. Não são todos que consideram importante esse compromisso do artista com o público. Para muitos, o diálogo do artista consigo mesmo é até mais importante. No meu caso é diferente — afirma.
Os produtores Leonel Kaz e Nigge Loddi dizem que se guiaram por essas ideias ao montarem a exposição e escreverem os textos para as obras.
— São textos fáceis de ler, sem aquele ranço do especialista que se acha superior às outras pessoas — diz Kaz.
Numa iniciativa coerente para um artista preocupado em ser acessível, a exposição tem usado um ônibus para levar moradores de comunidades de baixa renda ao museu nos dias de semana. Na semana que vem, quando começam as aulas na rede estadual, haverá também visitações escolares.
— As diretoras já estão brigando para marcar visitas — conta Rosane Cantanhedes, do projeto educativo.
Dono de uma loja de design no museu, Tulio Mariante está feliz com o movimento.
— O carioca fez as pazes com o MAM. Há muito tempo não via tanta gente por aqui.