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dezembro 18, 2008
O vazio e a fúria por Fernando de Barros e Silva, Folha S. Paulo
O vazio e a fúria
Artigo de Fernando de Barros e Silva publicado originalmente na Opinião, da Folha de S. Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008.
SÃO PAULO - Caroline Sustos (sobrenome de guerra) está presa há mais de 50 dias. Ela integra o grupo que pichou um dos andares do pavilhão do Ibirapuera na abertura da Bienal de São Paulo. Aquela que ficou conhecida como Bienal do Vazio virou, enfim, um caso de polícia.
A prisão desta jovem me parece um exagero absurdo e cruel. Sim, há a lei. Mas imagine o leitor se os "artistas" da especulação imobiliária fossem em cana a cada predação do bem público que patrocinam, não raro em conluio com o poder público, para construir esta cidade tragicamente horrorosa e desumana.
Isso não redime outros vandalismos, claro que não. As artes da pichação podem fazer sentido como ritual de grupo, catarse, terapia, mas o resultado é regressivo social e esteticamente. Não há nenhum valor artístico associado à transgressão gravada nas paredes sujas. Trata-se, antes, da irrupção em língua cifrada de um mal-estar pouco digerido na cultura brasileira.
"Nas paredes surgem pichações monótonas, cuja única mensagem é o autismo: elas exorcizam o eu que não mais existe. (...) Nas ações espontâneas expressa-se a raiva das coisas em bom estado, o ódio por tudo o que funciona e que forma um amálgama indissolúvel com o ódio por si mesmo", escreveu Hans Magnus Enzensberger no ensaio "Visões da Guerra Civil", de 1993.
Como se viesse confirmar o diagnóstico do alemão, a garota, com a voz infantilizada, disse o seguinte: "Eu me identifico com o vazio. Sentia falta de alguma coisa na minha vida, fazia coisas e nada cobria aquilo. Sentia um buraco. Comecei a pichar, foi tapando aos poucos..."
Entre o vazio existencial da jovem Sustos e o vazio conceitual da Bienal há menos identificação do que antagonismo: a fúria da primeira é um impulso desesperado de vida que traz à luz o espírito burocrático e mortificante da segunda.
O templo da arte contemporânea (a Bienal) faz aqui o papel (ou papelão) de museu do que há de pior na tradição nacional. Ou esse qüiproquó artístico-policial não é um sinal das nossas iniqüidades de sempre?
Karin Schneider em repasse de Artur Barrio
Eu proponho que um grupo de artistas
e intelectuais brasileiros se organizem para abrir uma conta em um banco,
contratar e pagar um excelente advogado para defender
Caroline Piveta da Mota. Ela precisa de ajuda jurídica.
Eu acabo de ler as declaraçoes do presidente da Bienal e de Ivo Mesquita e eles
nao estao dispostos a fazer nenhuma intervençao no caso. Nós
precisamos nos organizar e lutar na justiça contra esse tipo de repressao.
Isso é muito sério.
Karin Schneider