|
dezembro 15, 2008
Faz sentido o curador da 28ª Bienal Ivo Mesquita tirar o corpo fora desta maneira?, por Patricia Canetti
Faz sentido o curador da 28ª Bienal Ivo Mesquita tirar o corpo fora desta maneira em relação ao episódio da pichadora presa?
PATRICIA CANETTI
Já são muitos os protestos contra a prisão de Caroline Pivetta da Mota, a pichadora do Vazio da Bienal. Trocas de mensagens, listas de discussão a mil, comentários no abaixo-assinado, artigos em blogs, matérias em jornais, todos, ou a grande maioria, se indignam com o fato desta transgressão estar sendo penalizada criminalmente. Seja pela absurda lógica do nosso Judiciário, que parece só conseguir se mostrar forte e tenaz em situações dúbias como esta, ou seja pelo ridículo de ver uma bienal de arte prestando queixa contra atos político-culturais.
Ivo Mesquita, o curador desta edição da Bienal (e vou me referir apenas a ele porque a co-curadora Ana Paula Cohen sumiu) diz não ter nada a ver com a situação, porque a moça foi detida por atacar um patrimônio tombado e ele é apenas um funcionário terceirizado da Fundação Bienal. Será mesmo verdade?
O que foi atacado não foi apenas o prédio da Bienal. Este não sofreu com os pichadores qualquer dano permanente ou nada que um centro de exposições não sofra regularmente com troca de eventos, ou seja, repintura. O outro objeto atacado foi a mostra Bienal e é nela que incide a responsabilidade do curador, inclusive em relação à ação dos seguranças, ao chamamento da polícia e boletim de ocorrência realizado na delegacia e às prisões efetuadas. Pois caberia ao curador da mostra acolher ou rechaçar a intervenção, aceitá-la como uma resposta do público ou decretá-la um delito. Ele optou pelo delito e é isso que me intriga...
O que fez o curador não aceitar a intervenção dos pichadores?
Podemos assumir que uma exposição enquanto obra deva estar sob o controle de seus criadores. Normalmente, estas devem terminar como iniciaram, sem sofrer alterações que venham interferir no conceito e na forma pré-determinados pelos seus criadores. Certo? Anacrônico, no mínimo, eu diria (nós, artistas, sabemos que na prática não é bem assim), e a ação dos pichadores demonstrou isso.
Ao chamar a polícia e mandar prender (e esta atitude foi anunciada pela curadoria na entrevista coletiva quando perguntada se os curadores estavam cientes dos planos dos pichadores), repintar o andar vazio e impor a revista aos visitantes, os curadores acharam que tinham retomado o controle de sua obra. Formalmente, talvez. Mas e quanto ao sentido? Uma vez maculado pela ação dos pichadores, com reportagens na imprensa e vídeos na internet, já gravados em nossa memória e sendo reavivados pelo aparato de segurança na entrada da Bienal, ainda era possível vivenciar o vazio repintado de branco contendo somente a proposta inicial dos curadores?
Sem perceber a contaminação já em processo, o roteiro original foi retomado: debates, exibições, shows e performances aconteceram sem maiores transtornos aparentes. Mas o sentido primordial da "Em vivo contato", título da 28ª Bienal de Arte de São Paulo, já havia sido transformado pela ação dos pichadores e também pela reação repressora da instituição. Então, o que vivemos nesta bienal, que pretendia debater sobre os formatos de bienais e a importância da existência de centenas delas em vigor atualmente, foi uma cisão esquizofrênica. De um lado, os curadores obsessivamente apegados à sua "obra" (e ao seu formato) e, do outro, a pichadora Caroline presa lembrando a todos nós que a intervenção dos pichadores tinha estado ali fazendo a sua parte, questionando o formato daquela própria bienal.
Neste exato momento recebo o texto de Paulo Herkenhoff publicado hoje na Folha de S. Paulo e nele ele responde uma dúvida que eu tinha sobre Antonio Manuel ter sido ou não preso quando ficou peladão no MAM do Rio em 1972. Ele escapou correndo da polícia e com a ajuda dos seguranças da instituição. Já em 2008, os seguranças da Bienal estavam lá para prender, pois esta era a diretriz da instituição e dos curadores.
Ivo Mesquita parece dormir com a consciência tranqüila, porque outras intervenções (bem-comportadas) aconteceram e a ação dos pichadores, esta com "tática terrorista", foi devidamente reprimida. E, com isso, ele avisou na sexta-feira no debate do Maria Antônia, que estava saindo de férias, deixando a moça Caroline ainda presa e nós, o seu público de especialistas, atônitos.
Patricia Canetti
Criadora e coordenadora do Canal Contemporâneo
PS - Recomendo além da adesão ao abaixo-assinado, é claro, a leitura dos comentários no LIBERTEM A PICHADORA CAROLINE PIVETA DA MOTA. Abaixo, reproduzo três deles.
MAURÍCIO DIAS, artista
Há outras responsabilidades da Bienal, sim!!! A Bienal não é apenas um prédio, é o resultado da interação de todas as suas edições e seus respectivos públicos. A grafiteira em questão é também parte de seu público. Não ter responsabilidade?! Por exemplo a Bienal poderia, deveria aliás, interceder publicamente, através de um manifesto à circular entre artistas e intelectuais, na web e na imprensa, em favor da grafiteira, afinal muito mais grave do que o crime de uma jovem pichadora no andar supostamente "vazio" são os crimes de colarinho branco, de corrupção administrativa da já velha direção da própria Bienal, estes crimes sim que perpetuam o verdadeiro "vazio" (o moral da classe artística deste país). A penalização exacerbada desta jovem face a história recente desta instituição é indecente! Não dá pra ficar calado.
RACHEL ROSALEN, artista
É uma vergonha esta política punitiva e autoritária, é uma vergonha que a Fundação Bienal não tenha tomado nenhuma atitude e não tenha assumido sua própria proposta, ou seja, que o mais interessante foi o que exatamente aconteceu: uma ocupação do vazio que, na sua latência, chamou atenção da comunidade que se propôs a ocupa-lo. Ao invés de uma abertura de diálogo e discussão sobre o que este ato significou, a Bienal optou pela omissão e, 40 anos depois, dentro do que deveria ser um espaço de vanguarda da arte, fez referência ao AI5 ao avalizar a supressão do direito de livre expressão. Para justificar tal prisão, o governo decidiu pelo apagamento dos grafites da cidade. Quando esta parecia uma discussão dos anos 60, em boa hora, I/Legítimo, com curadoria de Priscila Arantes e Fernando Oliva, "convida os visitantes a repensarem os mecanismos de legitimação e exclusão nos circuitos artísticos mainstream e underground" e discute a absorção de manifestações de rua pelo sistema da arte.
RODOLFO CAESAR, artista
Era uma armadilha! Mas caiu o rato errado. Se um artista reconhecido tivesse garatujado naquelas paredes, seria a consagração (dele e) da bienal. Mas quis o acaso que caisse uma reles grafiteira fora do sistema... Isso demonstra não o 'fim da arte' ou a falência da bienal, mas o limite do sistema da arte.
A meu ver é pura cortina de fumaça a atitude do Sr Ivo Mesquita, entretanto, era mais do que esperado algo assim. Quem é capaz de falar - em entrevista ao Caderno2 - absurdos como o de que "o público da Bienal é o público da FLIP", não poderia ter conciência suficiente para tomar outra atitude que não fosse a "pá de cal" sobre o caixão desta 28a. edição.
Posted by: sergio bonilha at dezembro 17, 2008 10:56 AMA tal pichadora deveria ser elogiada publicamente ou ignorada de todo, qualquer das duas alternativas seria melhor do que esse barulho por nada em uma bienal que se pretende 'do vazio'mas que de fato seria melhor denominada Bienal 'do nada'.
O vazio, em arte, é coisa completamente diferente do nada e da falação sobre o nada.
É realmente desconfortante sabermos que tal ato ocorre dentro de uma instituição artística. Onde o saeu produto de sustento se encontra no fazer e na expressão artística.
Presa por pixar uma parede na bienal, pois sim pode ser visto como um ato agressivo, mas não como um vandalismo ou qualquer outra forma vista como criminal. O ato da pichadora, responde ao que passamos hoje nas ruas, nos noticiários e até em casa. Acho que vale a pena lembrar a iniciativa da curadoria da Bienal de São Paulo para este ano, 2008, de deixar as salsas de exposição, de um dos maiores eventos de artes visuais da Améria Latina, totalmente vazia. Isso sim, era uma vontade da curadoria e da organização da Bienal. e se isso ocorresse? Nós, artistas poderíamos estar ofendidos, revoltados. E claro, deveríamos dar como respostas intervenções artísticas dentro das salas de exposição.
O ato cometido com Caroline, apenas prova a hipocrisia e a deficiência da nossa política cultural, da nossa defesa pública, e da nossa justiça.
Ao curador responsável por esta Bienal e a todos envolvidos em programas e organizações culturais, fica apenas uma pergunta: A parede pichada te serve como resposta a falta de comprometimento com os nossos artistas, ainda mais os que chamams de pichadores ou grafiteiros.Ou resta apenas a afirmação de que a arte, ainda é aquela que vem do exterior, ou onde o artista apenas desenvolve para salientar e alimentar os olhos daqueles que ainda em nosso país centraliza as opniões e o poder, mesmo não sabendo adimistrá-lo.
E deixo o meu agradecimento a Caroline, que através da sua atitude, da sua iniciativa fez em nós reverberar aquilo que nos é mais precioso... A NOSSA VONTADE DE EXPRESSAR, CRIAR sendo ou não um reflexo da sociedade em que vivemos.
: :
Olá. Publiquei, recentemente em meu b'log, uma entrevista sobre o assunto. Ela jamais foi para o jornal de grande circulação que a encomendou, claro, porque não correspondia à expectativa da mídia "aberta".
Está no dia 03 de novembro, em:
http://www.oniros.com.br/vida_desperta/2008_11_01_archive.html
_______
Parabéns Patricia Canetti, pelo texto. Suas ponderações e posições estão articuladas e defendidas com muita lucidez. Das melhores que foram escritas sobre o "caso". Espero que possam contribuir para o único desfecho cabível, ou seja, soltar a moça.
Posted by: Aguinaldo Coelho at dezembro 18, 2008 1:13 AMArtur Barrio em repasse de Karin Schneider
Eu proponho que um grupo de artistas
e intelectuais brasileiros se organizem para abrir uma conta em um banco,
contratar e pagar um excelente advogado para defender Caroline Piveta da Mota. Ela precisa
de ajuda jurídica.
Eu acabo de ler as declaraçoes do presidente da Bienal e de Ivo Mesquita e eles nao estao dispostos a fazer nenhuma intervençao no caso. Nós precisamos nos organizar e lutar na justiça contra esse tipo de repressao.
Isso é muito sério.
Karin Schneider e Artur Barrio
A curadoria da Bienal perdeu uma oportunidade de criar um diálogo com o público, nos termos dele.
O "coeficiente de arte" não agradou...
É curioso que isto ocorra numa época em que se cunhou a expressão "liberdade de expressão comercial"_ Para anúncio, lobby organizado para relaxar regras. Para arte, a cana dura.
Foi noticiado que Caroline Piveta da Mota foi libertada, mas aparentemente o processo contra ela prossegue. Neste sentido, creio que a sugestão de Barrio continua pertinente, pois o precedente não é nada bom.
Eu estou passando por aqui pra agradecer ao Canal Contemporâneo que enche a minha caixa de emails de forma automática e que o faz porque assim o quis. Mas me sinto insultado ao ver que o meu texto em relação a hipocrísia da curadoria da referida bienal tenha se omitido convidado a policia pra intervir para que a Carolina não fizesse sua intervenção na Bienal.
POR QUE?
PORQUE EU TIVE PEITO PRA DIZER QUE TODOS NOS COMETEMOS TODOS OS DIAS ALGUM TIPO DE CRIME, E SÓ PORQUE NÃO SOMOS DESCOBERTOS NÃO SOMOS PUNIDOS?
PORQUE TOQUEI NA FERIDA DA MAIORIA DE NÓS ARTISTAS?
Agradeço pelo respeito ao meu direito de expressão.
Reno Wanderley
Artista Plástico