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dezembro 15, 2008
Bienal age de modo cínico e intolerante ao lavar as mãos, por Paulo Herkenhoff, Folha de São Paulo
Acusar a grafiteira Carolina da Mota, presa há 52 dias, de "danificar patrimônio tombado" é estratégia hedionda
Matéria de Paulo Herkenhoff, originalmente publicada na Folha de São Paulo, 15 de dezembro de 2008
Paulo Herkenhoff
Especial para a folha
Minha opinião ou a de qualquer outra pessoa sobre o grafite não tem a menor importância no caso da Carolina Pivetta da Mota na Bienal de São Paulo. Não se trata de condenar ou aplaudir a ação de grafitagem. Eu vi, em 1972, os seguranças do MAM carioca ajudarem Antonio Manuel a fugir da polícia que o perseguia porque havia se apresentado nu no Salão Nacional de Arte Moderna. O MAM do Rio não mandou prender Raimundo Colares quando quebrou vidros do prédio em manifestação durante a ditadura militar.
A Bienal quer que o Brasil sinta saudades da ditadura? A mesma Bienal que entrega a grafiteira à polícia foi a que proscreveu Cildo Meireles em 2006 por ter protestado contra a reeleição de Edemar Cid Ferreira para seu conselho.
O paradoxo é que Edemar não providenciou a prisão da garota que beijou com batom uma tela de Andy Warhol na Bienal de 1996, fato muito mais grave do que grafitar paredes nuas.
A Bienal, seu presidente, conselheiros e curadores que continuarem a se omitir precisam aprender algo com Edemar: na Bienal, a repressão não é um fim em si. Confesso que, quando soube da grafitagem, pensei que fosse um gesto autorizado numa Bienal que ia criar uma praça de convivência e estimulava a participação da cultura pop jovem. Era estratégia de marketing ou efetiva proposta de política cultural?
No entanto, tudo é obscurantista na posição da Bienal desde o dia da grafitagem. Posso até entender as reações de primeira hora mais agressivas por agentes culturais e políticos da Bienal, mas temos de admitir ser uma estratégia hedionda acusar a grafiteira de "danificar" o patrimônio tombado, já que as feiras, as festas de casamento e a própria Bienal furam e escrevem nas paredes, pintam e bordam com o prédio sem autorização do Iphan.
Se a grafiteira fosse um nome do mercado de arte não teria sido presa ou já estaria solta. O ato de Carolina Pivetta da Mota é rigorosamente igual a tudo o que ocorre no prédio da Bienal. Depois é só repintar, como aconteceu. Tudo se refaz porque o prédio da Bienal está à disposição da expressão. Sua estrutura original de feira industrial tinha que ser necessariamente versátil para atender a todo tipo de tranco físico. Por isso o acabamento sem adornos e luxo do Pavilhão do Ibirapuera. É só cimento, tijolo e cal.
Debate na pasmaceira
Carolina também não interveio na obra de ninguém. Ela não é uma Tony Shafrazi, que grafitou a "Guernica" de Picasso. Se tivesse praticado um ato anti-social realmente grave, Carolina já poderia ter sido condenada a alguma prática comunitária na própria Bienal. Neste caso, não se estaria "domesticando" uma consciência crítica, mas dando-lhe a oportunidade de entender melhor o processo de uma Bienal. O que Carolina está contribuindo socialmente agora é a introduzir um debate na pasmaceira institucional.
Se tivesse causado um dano real à superfície das paredes, teria sido ínfimo. Dirigi um museu do Iphan onde uma ex-diretora causou danos em esculturas ao instalá-las ao ar livre, onde tomavam chuva ácida. O Iphan e o Ministério Público não pediram sua prisão quando se verificaram danos irreparáveis à pátina na escultura "A Faceira de Bernardelli".
No caso do grafite na Bienal, não ficaram seqüelas. Fui curador da 24ª Bienal de São Paulo, e minha monografia final no mestrado em direito pela Universidade de Nova York foi na área de direito constitucional. Nessa dupla condição, afirmo que o que vejo aqui é uma posição odienta da Bienal transferindo a responsabilidade por essa situação kafkiana para os órgãos do Estado como responsáveis por este processo.
Carolina não danificou nenhuma obra de arte. Por acaso, Oscar Niemeyer veio a público protestar contra a grafitagem como um "ataque" danoso ao pavilhão do qual é autor, como sempre fez quando degradam um projeto de sua autoria?
A Fundação Bienal primeiro agiu de modo intolerante e agora de modo cínico ao lavar as mãos.
Parece que estar em "vivo contato", proposta desta Bienal, está sendo entendido como exercício de ira ou crueldade que, afinal, estão entre as pulsões de morte da espécie humana. Ou é só vingança?
Afinal, alguém tem que pagar...
Mesmo que seja uma mulher, baixinha, gordinha que não conseguiu escapar da ineficiente vigilância da instituição como os outros 30 galalaus. Sua prisão serviu para salvar a honra dos vigilantes e o contrato da empresa com a Bienal... Parabéns a Carolina por não ter pensado na delação premiada para se safar da encrenca, mesmo depois de 52 dias sem um habeas corpus. Carolina Pivetta da Mota passou o dia de comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos numa cadeia em São Paulo. Isso não denigre a Bienal, nem São Paulo, nem o Brasil. Isso denigre a humanidade.
Se o vazio fosse de fato o espaço aberto para discutir a instituição, essa extraordinária grafitagem teria sido incorporada ao projeto ético e político da 28ª Bienal. A grafitagem já é um dos fatores mais marcantes desta edição.
Com mais repressão, deixará de ser um problema de excessivo rigor penitenciário para se tornar uma questão para estudos éticos curatoriais e debates estéticos. Se a
Fundação Bienal de São Paulo não se cuidar, a conclusão a que se poderá chegar é a de que o principal problema da Bienal é a 28ª Bienal e a estrutura política que a sustentou.
Peço desculpas a Carolina por não ter protestado, em minha recente palestra na Bienal, em sua defesa e contra esse estado brutal de condução da vida institucional. Eu pensava que já estivesse solta. Quem salva o Brasil e a Bienal não é cadeia, é Mário Pedrosa ao dizer que a arte é o exercício experimental da liberdade. E dirigir a Fundação Bienal de São Paulo ou fazer curadoria não pode perder isto de vista.
Paulo Herkenhoff é curador e crítico de arte. Dirigiu o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e foi curador do MoMA em Nova York e da 24ª Bienal de São Paulo, em 1998
Parabéns, Paulo, pela sua resposta inteligente a essa questão que seria irrelevante não fosse o palavrório envolvido, que não consegue, no entanto,mascarar o nada que foi esta Bienal.
Composta de balelas e confundindo as categorias de 'vazio' com 'nada' que são completamente diferentes uma da outra no que se refere às artes em quaisquer concepções que possamos ter delas.
Teu comentário é perfeito e, mais ainda, teu pedido de desculpas por não ter protestado a favor de Carolina. Bonito! Atitudes deste porte faltam no mundo da arte, justo onde deveriam estar os mais sensíveis.
É certo que Carolina não danificou nenhuma obra de arte. Entretanto, não parece que este seja o entendimento dos curadores e da Bienal. Como eu vejo, a prisão de Carolina nos permite ver o quanto autoritária é a proposta desta Bienal. O vazio da curadoria encheu a mídia e impediu o público de ver mais arte.
Esta edição foi toda feita de contradições, sendo a principal delas o "vazio" do 2º andar. De início, a curadoria afirmava a presença deste vazio como pausa reflexiva. Até aí me pareceu pertinente, já que estou de pleno acordo quanto à necessidade de a instituição repensar seu formato. Entretanto, após a abertura, toda aquela carga conceitual foi substituída por uma postura pseudo-neutra, refletida nos textos de apoio que passaram a referir-se àquele espaço como "planta livre", destinado a uma fruição meramente retiniana. Nesta configuração "acovardada", o 2º andar passou, de fato, do vazio ao nada.
A invasão dos pichadores - que por sinal já era prevista e cuja motivação primordial já nem parece importar mais, dadas as ramificações desastrosas da intervenção - poderia ter sido considerada como um "vivo contato", o que teria, talvez, ajudado a conferir legitimidade ao tema da 28ª. Infelizmente, não foi o que aconteceu. A Fundação Bienal foi autoritária, a curadoria desta edição lavou as mãos e o episódio culminou com a espetacular prisão de Caroline. Mais uma contradição, não só da mostra, como deste país, onde a lei só se aplica aos que dispõem de poucos recursos para dar-lhe um "jeitinho".
Parabéns Paulo:
Unidos, podemos reverter esta situação.
Eu publiquei umja página hoje,http://www.sergioprata.com.br/port/bienalvazia.htm
e participei de uma entrevista na Rede Record, sobre a questão.
É bom ver um crítico de arte com bom senso e postura. Parabéns.
www.sergioprata.com.br
Karin schneider em repasse de Artur Barrio
Eu proponho que um grupo de artistas
e intelectuais brasileiros se organizem para abrir uma conta em um banco,
contratar e pagar um excelente advogado para defender
Caroline Piveta da Mota. Ela precisa de ajuda jurídica.
Eu acabo de ler as declaraçoes do presidente da Bienal e de Ivo Mesquita e eles
nao estao dispostos a fazer nenhuma intervençao no caso. Nós precisamos nos organizar e lutar na justiça contra esse tipo de repressao.
Isso é muito sério.
Karin Schneider
Posted by: Artur Barrio at dezembro 18, 2008 9:10 AM"Até quando esperar, até me ajoelhar, esperando a ajuda do divino Deus?" Plebe Rude.
Posted by: Hélio Bartsch at dezembro 18, 2008 10:39 AM"Até quando esperar, até me ajoelhar, esperando a ajuda do divino Deus?" Plebe Rude.
Posted by: Hélio Bartsch at dezembro 18, 2008 10:40 AMConcordo com a atitude de defender Caroline. Como Duchamp, ela tem o direito de legitimar sua arte. Afinal, é isso que temos visto desde então, formatos cada vez menos tradicionais e expressões que buscam promover reflexões. Além disso, vem das ruas e segue a tendência contemporânea de aproximar a arte da nossa realidade. O lado positivo foi a exposição da crise entre a curadoria e o público, nenhum entendeu a proposta do outro.
Posted by: Manoela Bowles at fevereiro 12, 2009 4:13 PM