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outubro 27, 2008
Bienal de arte, da politização ao ´vazio´, por Márcia Abos, O Globo
Bienal de arte, da politização ao ´vazio´
Matéria de Márcia Abos, originalmente publicada no Globo no dia 25 de outubro de 2008
Evento que abre ao público amanhã em São Paulo busca provocar reflexão a partir da ausência de obras
O segundo andar vazio do prédio da Bienal ganhou o nome de “ planta livre” , enquanto a atração principal da 28aBienal Internacional de Arte de São Paulo é um tobogã de aço inoxidável de 14 metros criado pelo artista belga Carsten Höller. Ninguém mais duvida da crise que se abate sobre um dos três principais eventos do circuito artístico internacional, ao lado da Bienal de Veneza e da Documenta de Kassel. Há dois anos, aconteceu a mais politizada Bienal da História, que reuniu 118 artistas, e, apesar de ter sido gratuita, atraiu apenas 508 mil pessoas. Desta vez, os curadores Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, criadores da proposta “em vivo contato”, que reúne 42 artistas, não falam em estimativa de público.
Ele garante que o número reduzido de artistas na mostra não foi provocado por falta de tempo hábil ou dinheiro. - Não é preciso juntar 152 artistas para se fazer uma Bienal. Quanto menos artistas tiver, melhor vai ficar o argumento conceitual. Eles estão divididos em dois grupos. Os que fazem performances na praça (no térreo do prédio) e os que trabalham com o arquivo, no terceiro pavilhão - explicou Mesquita, respondendo a rumores de que vários artistas recusaram e desistiram de participar desta Biena
Nu, artista vai sobreviver do que receber do público
Entre as performances, está a do brasileiro Maurício Ianês, que chega à Bienal nu e vai sobreviver no prédio, durante 13 dias, somente com alimentos, roupas e agasalhos que receber do público. O bailarino Ivaldo Bertazzo vai dar aulas de dança no térreo e o grupo americano Fischerspooner, um duo de electroclash, vai tocar amanhã, quando o evento abre ao público. O artista plástico brasileiro Almir Mavignier, de 83 anos, radicado na Alemanha, conta que participou da primeira e da sétima bienais de São Paulo.
Ele está na capital paulista para inaugurar sua primeira exposição individual no Brasil e vai à “Bienal do vazio”, como ele mesmo chamou o evento. - Sim, ouvi falar desta misteriosa “Bienal do vazio” e lembrei de uma resposta do poeta Murilo Mendes sobre a obra de uma pintora: “Não vi e não gostei”. Mas é só brincadeira. Vou ver, mesmo que seja para apreciar a beleza do prédio de Niemeyer. A Bienal tem uma tradição grande e é importante, cheia ou vazia - disse o artista, lembrando que a Documenta de Kassel também está em crise e vivendo um momento no qual “os curadores têm sido mais importantes que os artistas”.
Para o curador Teixeira Coelho, diretor do MASP, o modelo de bienal está esgotado. - A lógica das bienais está historicamente vinculada à história das feiras industriais. A evolução deste modelo são as feiras de artes. Num mundo saturado pelas feiras, e que já tem museus o bastante, onde o público tem acesso rápido a informações, as bienais já perderam muito de seu sentido. O curador independente Ricardo Resende concorda com o colega e é até mais enfático. - O modelo de bienal está esgotado, como qualquer tipo de megaexposição. É uma questão de tempo, custos e demanda de trabalho que inviabilizam cada vez mais este tipo de grande exposição. Acho que a proposta do Ivo Mesquita já é uma resposta a isto.
“O curador fez o que pôde”, diz diretor do MASP
Teixeira Coelho explica que a Bienal foi criada no Brasil quando não existiam museus e que, hoje, ela pode continuar a ter um papel no país, mas é necessário que haja uma mudança de gestão: - A Bienal era o grande pólo divulgador da arte. O Brasil não se desenvolveu tanto quanto outros países em relação ao sistema de museus. Talvez ainda tivesse espaço para uma bienal, mas em outros moldes de gestão. Não vejo mais sentido, hoje em dia, em uma Bienal ser dirigida assim se temos três ou quatro museus que poderiam geri-la por meio de um consórcio, levando esse projeto adiante de uma maneira mais tranqüila e eficaz.
Mesmo com um pavilhão totalmente vazio, Teixeira Coelho acredita que nenhuma bienal é capaz de chocar. - A arte não choca mais. Infelizmente não é por aí. Nós sabemos que o fato de a Bienal estar sendo feita assim devese a um problema econômico da entressafra - diz ele. - O curador fez o que pôde. Eu preferiria que a Fundação Bienal discutisse seus problemas no intervalo entre os eventos, e não na realização da Bienal, mas acho possível que o curador encontre uma maneira criativa de fazer as duas coisas: discutir as questões da Bienal e ao mesmo tempo propor um evento, uma manifestação artística com aquilo que ele tem ao alcance.