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outubro 23, 2008
Um espaço de vínculos poéticos, por Suzana Velasco, O Globo
Um espaço de vínculos poéticos
Matéria de Suzana Velasco, originalmente publicada no Globo no dia 23 de outubro de 2008
Waltercio Caldas cria relações entre obras suas e de Amilcar de Castro
Conceitos prévios, textos herméticos e ligações de causa e conseqüência foram substituídos por uma intuição plástica. Em “Múltiplos sentidos”, a partir de hoje na galeria Silvia Cintra, o artista Waltercio Caldas escolheu criações suas para se relacionarem com peças de Amilcar de Castro. Apesar da diferença geracional - Amilcar, morto em 2002, era 26 anos mais velho -, os dois foram amigos e sua obra se aproxima, segundo Waltercio, na procura por um espaço poético. - Compartilhávamos uma visão do que é ser artista, embora com soluções diferentes para problemas diferentes - afirma Waltercio. - Ele é um dos artistas de uma geração que não buscava se adaptar à realidade, mas procurava novos caminhos para uma ocupação espiritual, que é o que acho que a arte é, mais do que uma profissão. Nesse sentido, a função do artista é melhorar um pouco a qualidade do desconhecido.
"Detestaria ter um estilo que me caracterizasse”
Waltercio escolheu obras de Amilcar norteado pela variedade, levando o vidro, a madeira e a tela à companhia do aço cortén, material de suas esculturas mais conhecidas. Criou um outro grupo de obras e deixou que se relacionassem os dois conjuntos, Waltercio e Amilcar, sem preocupações explicativas.
Mas os vínculos estéticos existem. A preocupação com o espaço e a delicadeza na interação com ele são inegáveis em ambos os artistas - Amilcar, um dos grandes nomes do neoconcretismo, e Waltercio, que começou tendo aulas com o concretista Ivan Serpa, mas tem uma obra que, entre livros-objetos, esculturas e desenhos, não se encaixa num movimento.
- Detestaria ter um estilo que me caracterizasse. Se há algo que se reconheça em comum nas minhas obras, é porque a gente está condenado a ser quem é - diz o artista, sem negar o peso construtivista em sua formação e na arte brasileira. - O Brasil tem uma tradição construtiva muito forte. Para mim, foi fundamental ver a construção de Brasília, a vontade moderna dos anos 1950. A importância do construtivismo é ainda causar questionamentos, manter seu grau deflagrador.
Esse poder deflagrador da arte, para ele, está em escassez: - Hoje, muitos artistas relegam sua subjetividade ao mundo, esperando que ele dê significado a suas obras. A melhor maneira de respeitar o espectador é ele ter certeza de que o que vê é uma afirmação do artista sobre algo, mesmo que não goste do trabalho. Essa presença inequívoca da obra está sendo substituída pela vontade de significação.
Waltercio diz que a maioria de seus trabalhos é, hoje, mais vista no exterior do que no Brasil.
São raras, por aqui, exposições do porte das que estão em cartaz na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, e no Centro Galego de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela - ocupando mais de mil metros quadrados, e cinco a seis meses de exibição: - Só em uns 10% das mostras lá fora há algum investimento brasileiro, e, ainda assim, privado.