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outubro 20, 2008
Desvio do lugar-comum, por Paula Alzugaray, ISTOÉ
Desvio do lugar-comum
Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista ISTOÉ edição 2030 Cultura - Artes Visuais no dia 1 de outubro de 2008
Aclamado como um dos principais expoentes da arte conceitual internacional, Cildo Meireles expõe na Tate Modern
Cildo Meireles - Tate Modern, Londres de 14/10/08 a 11/01/09
Vermelho-sangue
Embora diversas interpretações da instalação Desvio para o vermelho (1968-1984) associem a obra à violência militar, Meireles afirma que o trabalho fala mais de cor do que de política
Há muitos atalhos possíveis para o entendimento da obra de Cildo Meireles. Mas a entrada mais evidente se dá pelo reconhecimento de objetos que nos são familiares: relógios de parede, picolés, garrafas de coca-cola, mobiliário doméstico. Essa normalidade sofre um abalo quando o espectador se dá conta de que os relógios não respeitam o tempo, os sorvetes são apenas água congelada, as garrafas contêm a inscrição “yankees go home” e a mobília é inteiramente vermelha. As instalações de Cildo Meireles provocam um desvio da ordem natural das coisas.
Aos 60 anos, o artista carioca terá oito de suas grandes instalações, concebidas entre 1967 e o começo dos anos 2000, em uma exposição antológica organizada pelo museu Tate Modern, de Londres. O ano será marcado pelo reconhecimento internacional de sua obra: ele recebeu tembém o Prêmio Velázquez, na Espanha, e o Ordway, do New Museum de Nova York.
Alguns dos momentos mais impactantes e contundentes da arte brasileira estarão da Tate. Ao primeiro caso, aplica-se Babel (2001), uma torre de 5 metros de altura composta por centenas de rádios sintonizados em diferentes estações de vários países. O trabalho impressiona não só pela escala monumental, mas pela eficiência de sua metáfora do hibridismo cultural contemporâneo. Já Missão/missões (1987), produzido com 600 mil moedas, 800 hóstias e 2 mil ossos, é uma espécie de encenação poética de massacres de indígenas gerados por interesses econômicos e religiosos. É uma obra que traduz a faceta antropológica do artista e, talvez uma herança do pai, indianista que denunciou sucessivos crimes contra tribos do centro do Brasil. Esse cunho etnográfico já se revelava no início dos anos 1960, quando o jovem artista se dedicava a desenhar máscaras africanas com um traço expressionista. Seu engajamento político começou em 1969, depois da invasão do Dops à exposição Pré-Bienal de Paris, no MAM RJ. “Me senti impelido a começar a tratar de política e meu desenho começou a se referir a aspectos sociais. Mas sempre preocupado em não produzir uma arte panfletária”, conta à Istoé.
A política se articula em seu discurso de forma incisiva, mas nada óbvia. Aparece em obras como Inserções em circuitos ideológicos (1970) – as garrafas de Coca-Cola e as cédulas de dinheiro carimbadas com mensagens subversivas – ou em gestos. Sua recusa em participar da 27ª Bienal, em 2006, em protesto contra a reeleição de Edemar Cid Ferreira ao Conselho da Fundação foi uma ação política de repercussão internacional, que acabou destituindo o então banqueiro. Mas novas denúncias surgiram, indicando a continuidade de uma situação. “Esse tipo de estrutura administrativa vai dar alguma solução para a Bienal? Essa é uma pergunta que tem que ser colocada quando se discute a Bienal”, afirma Cildo Meireles referindo-se ao projeto da 28ª Bienal, que propõe uma reflexão sobre o modelo da bienais. “Não há sombra de dúvida de que a Bienal precisa se pensar. Compreendo a posição do Ivo (Mesquita), ter aceito trabalhar numa circunstância como essa, mas não sei se isso não é uma maneira de dar uma espécie de sobrevida a um modelo administrativo que não parece que está funcionando muito bem, polemiza.
Interfaces matemáticas
João José Costa - Galeria Berenice Arvani, São Paulo até 3/10
Esta é a última semana para ver em São Paulo a antologia de João José Costa, “o mais rigoroso concretista do Grupo Frente”, segundo o crítico Mário Pedrosa, ou “um dos elementos mais valiosos do grupo de artistas concretos brasileiros”, segundo Ferreira Gullar. Reconhecido pelos críticos mais influentes de sua época como um dos principais representantes do movimento neoconcretista, João José Costa é um artista a ser redescoberto. Nesta, que é apenas sua quarta exposição individual em 55 anos de carreira, contempla-se o cerne de uma produção de matriz geométrica, que dialogou com Ivan Serpa, Aluisio Carvão, Lygia Clark, Franz Weissmann, Abraham Palatnik, entre outros integrantes do Grupo Frente, no Rio dos anos 1950. Além do apontado rigor de suas projeções geométricas, é possível vislumbrar na pintura do arquiteto João José uma interface com a atual produção de matriz matemática. A maneira com que pequenos ícones deslocam-se sobre suas linhas pintadas em guache sobre cartão remete ao comportamento de cursores que avançam sobre a tela luminosa do computador. Entende-se que no desenho do concretista anunciavam-se as representações tecnológicas.
Crítica
Filmar é igual a filosofar
No estranho mundo dos seres audiovisuais - Canal Futura - Março de 2009
O programa No estranho mundo dos seres audiovisuais, que exibiu um piloto na segunda 22, é um eficiente modelo de como extrair imagens inteligentes de um mundo dominado por câmeras. A fim de explicar ao público da tevê paga “o que é, o que foi e o que será” o audiovisual, o programa dirigido por Cao Hamburguer lança mão de um vasto repertório de imagens da cultura audiovisual de todos os tempos, passando pelo filme noir, o seriado enlatado, o filme iraniano, o clipe, a comedia pastelão, a reportagem e, já que é televisionado pelo Canal Futura, o programa educativo. Convém destacar que o fator inteligência aqui não está na imagem escolhida, mas no uso que se faz dela, isto é, na maneira como é editada e a serviço de que idéias opera. Comodiz o teórico Arlindo Machado, o audiovisual é um veículo da filosofia. Na era da convergência das mídias, também é arte contemporânea.