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outubro 17, 2008
´Eu fui exilado do governo federal´, entrevista de Antônio Grassi, O Globo
´Eu fui exilado do governo federal´
Entrevista de Antônio Grassi a André Miranda, originalmente publicada no Globo do dia 17 de outubro de 2008
Ex-presidente da Funarte, Antônio Grassi diz que Juca Ferreira sempre quis o cargo de Gilberto Gil
Depois da saída de Celso Frateschi da presidência da Funarte, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, anunciou mudanças no órgão, que incluem reformulações na Lei Rouanet e a criação de uma presidência colegiada. Ex-presidente da Funarte, na gestão anterior à de Frateschi, o ator Antônio Grassi, porém, acredita que o problema da instituição é orçamentário. Em entrevista ao GLOBO, Grassi fala de sua conturbada demissão, em janeiro de 2007, ainda na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura (MinC), e analisa os rumos da Funarte
O GLOBO: Na semana passada, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o ministro Juca Ferreira disse que você queria o lugar do Gil. É verdade?
ANTÔNIO GRASSI: A declaração do Juca me surpreendeu, mas também esclareceu finalmente, em público, qual foi o motivo da minha saída: o fato de que supostamente eu queria o lugar do Gilberto Gil. Além de não ser verdade, imagina o que aconteceria se o presidente Lula fosse demitir todos os ministros que quiserem o cargo dele. Ele iria começar pela Dilma (Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil, pré-candidata à sucessão de Lula).
O que aconteceu então?
GRASSI: No fim do primeiro mandato, o Gil começou a dizer que tinha dúvida sobre se ficaria ou não no MinC. Aí o PT, através de sua Secretaria Nacional de Cultura, assumiu uma posição: o partido apoiava a permanência do Gil; mas, se ele quisesse sair, o PT gostaria de indicar um nome. Esse movimento gerou a indicação do meu nome, caso o Gil não continuasse. A gente não sabia que, com isso, o ministério iria achar que havia conspiração. Eu mesmo dei declarações de que era a favor da permanência do Gil e que não tinha o menor interesse no cargo.
E como foi sua demissão?
GRASSI: Eles não tiveram a hombridade de falar comigo diretamente. Mandaram um recado, no mês de dezembro, de que o ministro queria me ver. Mas, só depois que a história começou a vazar, um assessor, o Alfredo Manevy (atual secretário executivo do MinC), veio falar comigo. E eu só fui conversar com o Gil depois de a imprensa toda ter noticiado. Na época, eu fiquei muito surpreso, porque pensei que o movimento “Fica Gil”, o qual nós apoiamos, não significava a permanência de uma pessoa, mas de uma política, da qual eu fazia parte.
Depois da Funarte, o senhor não participou de mais nada no governo federal?
GRASSI: Não. Eu trabalhei em todas as campanhas do presidente e, hoje, tenho uma dificuldade grande de explicar para as pessoas como posso estar exilado num governo do Lula.
O senhor guarda mágoas?
GRASSI: Nenhuma. Minha militância continua. Eu só acho estranho ter sido exilado do governo federal. Mas eu acho que aconteceu o que estava caminhando para acontecer. Quem queria o cargo conseguiu.
O senhor acha que Ferreira trabalhou para substituir o Gil?
GRASSI: Sempre. Eu nunca concordei com essa história de “política Gil” ou “política Juca”. Quem sempre tocou o MinC foi o Juca. Até por razões óbvias, pela própria ausência do Gil. Eu torço sinceramente para que o MinC dê certo, mas fico muito reticente quando vejo a demora para que as coisas aconteçam, sendo que uma delas é em relação à Lei Rouanet.
Fala-se, hoje, em mudanças na Lei...
GRASSI: O MinC anunciou os Diálogos Culturais, para rever a Lei Rouanet. E eu pergunto: de novo? Na época em que o Lula foi eleito, eu participei da coordenação de um programa chamado Imaginação a Serviço do Brasil, em que nós já apontávamos os problemas da Lei, com indicações do que deveria ser feito. E hoje, seis anos depois, o MinC está novamente circulando pelo Brasil para discutir a mesma coisa? Esse trabalho que foi feito anteriormente parece que não valeu de nada.
Quais o senhor considera os seus maiores feitos como presidente da Funarte?
GRASSI: Nós assumimos o desafio de nacionalizar a Funarte. Todos os editais que criamos foram editais nacionais. Outro ponto foi o Pixinguinha, um projeto que retomamos na minha gestão. Ao contrário do que dizem, de que era um projeto produzido no Rio e exportado para o resto do Brasil, o Pixinguinha era uma articulação envolvendo todas as secretarias de cultura dos estados e municípios.
O que representa acabar com as caravanas do Pixinguinha, como ocorreu este ano?
GRASSI: Acabar com as caravanas e investir em gravação de CDs é uma descaracterização. O problema da cadeia produtiva da música não é gravar CD. Qualquer pessoa grava CD hoje em dia, até em casa. A dificuldade é fazer a produção artística circular pelo Brasil, que é o que o Pixinguinha conseguia fazer.
O ministro diz que vai criar um colegiado para gerenciar a Funarte. Isso pode dar certo? GRASSI: A Funarte já é um órgão colegiado em seu estatuto. As decisões têm que ser tomadas em colegiado, reunindo todos os diretores, com atas das reuniões. Para se reestruturar a Funarte de verdade, o órgão precisa estar à altura do que ela merece em relação ao investimento. A batalha da Funarte começa dentro do próprio MinC, por um orçamento maior.
O senhor continua envolvido com alguma atividade de gestão cultural?
GRASSI: Eu aceitei um convite do governo de Minas para fazer assessoria em programas especiais. Faço parte do comissariado mineiro do Ano da França no Brasil, em 2009. Estou, também, trabalhando na representação do governo de Minas no Rio, para divulgação de projetos. E estou criando para Minas uma bienal, focada em artistas com deficiência física, que é a extensão de um programa que fizemos na Funarte. Ah, e eu sou mineiro.