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outubro 17, 2008
A arte sai do museu, por Suzana Velasco, O Globo
A arte sai do museu
Matéria de Suzana Velasco, originalmente publicada no Globo do dia 17 de outubro de 2008
Intervenções artísticas ocupam as ruas do Rio, criando novos espectadores
A previsão do tempo para os próximos 18 dias, no Centro do Rio, é de céu claro com nuvens. Quem passar pela Praça Quinze poderá inclusive, de dia e de noite, passear entre as nuvens. Quem as levou para lá foi o artista Eduardo Coimbra, que, convidado por Martha Pagy, idealizadora do projeto Série Light: Ilumina, montou uma estrutura monumental na praça, formada por cinco caixas de luz (4,7m x 4,7m x 48cm) que convidam o espectador a percorrê-las. Antes de o tempo mudar, o carioca terá outras surpresas pela cidade, nas ruas de Flamengo, Catete e Glória, que a partir do próximo dia 24 receberão os dez trabalhos de arte pública vencedores do prêmio Interferências Urbanas, criado por Roberta de Alencastro.
A vocação do Rio para a vida nas ruas é a motivação de ambos os projetos, que buscam levar a arte para fora de museus e galerias, aproximando-a, democraticamente, de quem está e quem não está habituado a visitar exposições. A obra “Nuvem”, de Coimbra, é a primeira de uma série que Martha Pagy pretende que seja bienal, patrocinada pela Light. Ela se inspirou em projetos de outras cidades, como o Luci d’Artista, que, a partir de 1997, começou a chamar atenção para a arte contemporânea em Turim, na Itália, mobilizando a população e os empresários para a continuidade das intervenções públicas. - A idéia do projeto é trabalhar sempre com a luz como suporte e levar a arte para o espaço de convivência da rua.
Só o fato de estarmos lá, montando a obra, fez com que as pessoas parassem, tirassem fotos. Já se estabeleceu outra relação com a rua. É importante essa capacidade de provocar e transformar o olhar de quem está passando - diz Martha. - O Eduardo Coimbra está levando para a praça um céu que às vezes nem é olhado no espaço urbano. E de repente ele está ali, você tropeça nele. O artista passou uma semana montando a instalação, que pode ser vista pelos carros que passam pela Rua Primeiro de Março ou do alto, pelos que trafegam na Avenida Perimetral. Todos esses ângulos de visão foram pensados na montagem, que deixou um espaço de cerca de dois metros entre cada caixa de luz, para que os pedestres possam circular, sem que se perca a unidade entre as estruturas.
No alto e dos lados, a espessura das caixas é coberta por espelhos. À medida em que o dia escurece, a luz progressivamente intensifica a imagem das nuvens. - São só nuvens, espelho e luz, a idéia é tirar a materialidade. Só que cada caixa pesa uns 300 quilos - brinca Coimbra, que inaugurou a instalação ontem. - A escala é monumental para dar conta do espaço, para que a obra não seja um simples adereço. Gosto de ir ao encontro do espectador do cotidiano, do cara que está saindo da barca contando dinheiro e se depara com essas nuvens. A obra circula, não é para meia dúzia de pessoas.
Pijama de Vargas na saída de ar do metrô
A mesma idéia de circulação permeia o Interferências Urbanas, que, realizado entre 1999 e 2002, volta este ano com dez propostas, selecionadas por Fernando Cocchiarale, Marisa Florido, Adolfo Montejo Navas, Agnaldo Farias e Marcelo Campo. Foram 286 inscritos em edital, e escolhidos, segundo Roberta de Alencastro, pela qualidade do projeto, sem condições relativas a idade ou currículo. Cada um recebeu R$ 8 mil da Oi para desenvolver suas obras. - No Rio, a gente come churrasco na rua, faz carnaval na rua. Quero levar também as artes visuais para o cotidiano, porque o carioca, o brasileiro, não freqüenta exposições, especialmente de arte contemporânea - diz Roberta, que, nas outras edições do projeto, em Santa Teresa, gostava de observar a reação dos espectadores. - O que mais me interessa é ouvir as conversas de quem passa, do povo que está indo para o trabalho ou encostado num botequim.
Os projetos selecionados, que ficarão nas ruas até 2 de novembro - dia em que “Nuvem” também se despede -, relacionam-se com a História da cidade, suas condições sociais e sua arquitetura. No Catete, no respiradouro do metrô em frente ao Museu da República, uma camisa de pijama gigante, semelhante à que Getúlio Vargas usava quando se suicidou, será inflada como um boneco de posto de gasolina. O trabalho “Getúlio é pop”, da dupla Lady Campello, leva para fora do museu parte da história que ele expõe, como o suicídio de Vargas.
- Queríamos trabalhar com um objeto institucional, que é essa camisa. Estamos levando-a para fora do museu. Muita gente nem sabe que ela está lá dentro - diz Leidiane de Carvalho, que criou o projeto com Clarissa Campello. O SoundSystem, de Franz Manata e Saulo Laudares, vai instalar, no Aterro do Flamengo, caixas de som com o ruído de pássaros, que será eventualmente interrompido por interferências na transmissão. Felipe Varanda fará projeções de imagens do Rio Carioca numa tela de 20m, suspensa a cinco metros de altura na Rua do Catete, das 20h30m às 23h30m. Também haverá performances, como a do Fuso Coletivo, que levará um artista de circo para fazer malabarismos na esquina da Rua do Catete com a Rua Dois de Dezembro, das 17h30m às 20h30m. Mas os números de malabares serão todos errados, e os motoristas dos carros parados no sinal receberão R$ 1. Serão apenas algumas das surpresas que a cidade terá nos próximos dias.
Cores para a comunidade
Holandeses interferem na Vila Cruzeiro
Na Vila Cruzeiro, a Rua Santa Helena é uma escadaria de concreto. Desde janeiro, ela vem se transformando no “Rio Cruzeiro”, nome que os artistas holandeses Jeroen Koolhaas e Dre Urhahn, da dupla Haas & Hahn, deram para a pintura de dois mil metros quadrados que será inaugurada com festa amanhã, no Instituto Brasileiro de Inovações Saúde Social. Com recursos do governo holandês e de um leilão das próprias obras na Holanda, os dois pintaram o rio com a ajuda de três jovens da comunidade, que foram pagos pelo trabalho.
- Essa rua era a mais feia daqui e agora os moradores falam que é a mais bonita. É uma idéia de como tratar seu próprio ambiente, do que podemos fazer por nosso bairro - diz Koolhaas, que pretende seguir para o Haiti, para fazer pinturas e filmagens, sempre trabalhando com jovens locais. Em 2005, três anos após trabalhar na comunidade Monte Azul, em São Paulo, Koolhaas chegou ao Rio para fazer um documentário sobre hip hop nas favelas. No ano seguinte, criou sua primeira pintura na Vila Cruzeiro, de um menino soltando pipa, e voltou este ano, com Urhahn, para continuar o projeto “Favela painting”. - A Vila sempre aparece no jornal em notícias ruins, de tiroteio, seqüestro, e agora todos estão muitos orgulhosos dela - afirma Koolhaas, que está morando no local e já vivenciou muitos conflitos entre traficantes e policiais. - Os tiroteios às vezes duram cinco, seis horas. A primeira pintura está cheia de balas. O garoto com pipa já morreu.