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outubro 8, 2008
Museus dentro da lei, por Jotabê Medeiros, Estadão
Museus dentro da lei
Estatuto que regulamenta instituições é objeto de embate no Senado; governo de São Paulo, insatisfeito, tenta mudar legislação e Iphan vê 'interesse pequeno'
Matéria de Jotabê Medeiros, publicada originalmente no Estadão no dia 8 de outubro de 2008
Fervilha de novidade e controvérsia a área de museus. Teria lugar ontem de manhã, no Senado Federal, reunião definitiva para a aprovação do Estatuto dos Museus (que prevê a criação de mecanismos de fomento, regras de segurança e a declaração de que determinados acervos nacionais são de interesse público). Mas, ao meio-dia, por conta de discordâncias ferrenhas entre governo federal e governo paulista, a decisão foi protelada. O tema, que seria debatido na Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal, foi retirado de pauta por conta da ausência da relatora, senadora Ideli Salvatti (PT-SC). Um grupo de senadores oposicionistas resolveu convocar uma audiência pública para novembro, para reiniciar o debate.
Outras novidades que esquentam o setor: a iminente criação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), nova instituição a partir da qual será gerido o Sistema Brasileiro de Museus - atualmente, o setor é atendido por um departamento do Iphan. E os museólogos também comemoram a aprovação, no último dia 1º, da lei que regulamenta o ofício de Conservador e Restaurador de arte, fundamental para a profissionalização de uma das principais peças do setor.
Mas é bom conter a euforia, ao menos por enquanto. Embora debatido por museólogos, curadores e gestores de cultura de todo o País durante anos, engrossado por mais de 200 contribuições de especialistas e, finalmente, aprovado pela Câmara dos Deputados (que abraçou o projeto como seu), o recém-nascido Estatuto dos Museus - peça-chave de todas as mudanças - não conseguiu ainda unanimidade.
O governo de São Paulo enviou ontem um emissário especial a Brasília para cobrar mudanças imediatas no texto, o secretário-adjunto de Cultura, Ronaldo Bianchi. Ele quer alterar o artigo 20 da lei - acredita que determinada interpretação do estatuto significa mexer na autonomia dos Estados em relação aos seus museus e que o direito federativo não está sendo respeitado.
"Pedimos só duas coisas: a garantia de que Estados e municípios possam, por livre arbítrio, administrar seus museus", disse ontem o secretário-adjunto Ronaldo Bianchi, que está amparado em três estudos jurídicos. Ele também discorda do fato de que, pelo estatuto, as Sociedades de Amigos dos museus, que os administram, não vão mais poder remunerar seus diretores.
O governo federal discorda veementemente da tentativa do governo paulista de vetar o artigo. "Se mexer demais no texto, ele volta para a Câmara", explicou José do Nascimento Jr, diretor de Museus do Iphan. Nascimento diz que as discordâncias do governo paulista em relação ao Estatuto dos Museus têm relação com "apenas três das 2.588 instituições de todo o País", e que a argumentação de Bianchi é uma "falsa polêmica".
De acordo com Nascimento, remunerar diretores de Associações de Amigos "desvirtua o espírito que essa instituição adquiriu no mundo todo", já que é uma associação sem fins lucrativos e portanto não deveria pagar seus diretores. É o que reza o Código Civil. Diz também que a demanda do governo de São Paulo só visa preservar benefícios de três dos seus museus - pelo fato de que são geridos como Organizações Sociais (OS).
O projeto que cria o Estatuto dos Museus não prevê adesão compulsória ao sistema. Ninguém é obrigado a integrá-lo. Mas o fato é que, sem a adesão, os museus também não poderão pleitear recursos de incentivos fiscais federais. Só a Pinacoteca de São Paulo, por exemplo, pediu R$ 12 milhões este ano.
Nascimento acha que é um raciocínio egoísta o do governo de São Paulo, que busca manter seus museus com verbas federais, mas não quer submetê-los a regras comuns. Já Ronaldo Bianchi compara o raciocínio à pena de morte. "Sou contra a pena de morte por um motivo: porque, se ela matar um inocente, já não terá valido a pena." Ou seja: se um único museu for prejudicado, já será suficiente para rejeitar a legislação. "O Estatuto nasce anacrônico, tem de ser modernizado."
O senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), integrante da Comissão de Educação e Cultura do Senado, busca uma posição conciliatória em relação à lei. "Nós todos somos favoráveis ao projeto em si; são apenas pontos do projeto que dão margem a interpretações", ponderou. Segundo Azeredo, "é verdade" que a maior restrição vem do governo de São Paulo e ele crê que já é possível aprovar o texto do jeito que está. "O pessoal de Minas Gerais acha que já se avançou muito. Talvez somente precise de algum aprimoramento futuro."
O Estatuto impõe regras disciplinadoras para todos os museus, que a lei define como instituições sem fins lucrativos que mantêm ou expõem "conjuntos ou coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento". Essas instituições deverão "dispor das condições de segurança indispensáveis para garantir a proteção e a integridade dos bens culturais sob sua guarda, bem como dos usuários, dos respectivos funcionários e das instalações."
Os museus terão cinco anos para se adaptar ao Estatuto. A partir daí, as instituições que não cuidarem adequadamente de seu acervo sofrerão sanções. Entre elas estão as que, como o Museu de Arte de São Paulo (Masp), operam como figura jurídica privada. Se não cumprirem as obrigações estabelecidas, elas poderão ser punidas com multas, corte de repasse de recursos públicos e até suspensão de atividades.
Frases
"Esse Estatuto já nasce anacrônico e tem de ser modernizado. Se uma única instituição for prejudicada, já é o suficiente para não ter valido a pena"
RONALDO BIANCHI
SECRETÁRIO-ADJUNTO DE CULTURA DE SÃO PAULO
"Se mexer demais no texto, ele volta para a Câmara. Estão blindando apenas três das 2.588 instituições do País. A argumentação do Bianchi é falsa polêmica"
JOSÉ DO NASCIMENTO JR,
DIRETOR DE MUSEUS DO IPHAN