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julho 16, 2008
MAM 60 anos: Nosso papel é ser agente de mudanças sociais, Folha de São Paulo
MAM 60 anos: Nosso papel é ser agente de mudanças sociais
Entrevista com Milú Villela, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 13 de julho de 2008
Presidente da instituição ressalta ação educativa e aumento do acervo do museu
Há 14 anos à frente do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Milú Villela, 61, aumentou em mais de 100% o acervo da instituição, elevando sua coleção de 2.000 para 5.000 obras, a maior parte dela por meio de doações. O resultado que lhe dá mais orgulho, contudo, é a ação educativa do museu, que atendeu a quase 30% do total de seu público em 2007. Dos 162 mil visitantes que passaram pelas catracas do museu, no ano passado, 46 mil foram atendidos por monitores. "O educativo é nossa prioridade e minha menina dos olhos", disse Villela à Folha na última semana de junho. Esse é um dos assuntos abordados a partir de perguntas elaboradas por curadores, galeristas, artistas e diretores de algumas das principais instituições culturais da cidade. Leia a seguir a entrevista.
Leda Catunda (artista) - Cara Milú, se de repente, remexendo no acervo do museu, você encontrasse a lâmpada maravilhosa e dela saísse o gênio do museu, quais seriam seus três desejos para o MAM?
Milú Villela - Que o MAM fosse um museu vivo, atuante e superdemocrático, contemplando ainda a área educativa, que considero fundamental.
Marcelo Araujo (diretor da Pinacoteca) - Quais são, na sua visão, os maiores desafios enfrentados pelo MAM no seu 60º aniversário?
Villela - Manter o plano de gestão, que acho que foi uma conquista conseguida com a ajuda do Claudio Galeazzi [atual presidente do grupo Pão de Açúcar]. O outro desafio é sempre manter a parte educativa, focando a atuação do museu nessa área.
Ricardo Ohtake (diretor do Instituto Tomie Ohtake) - Você não teve vontade de que o MAM tivesse adquirido a coleção Adolpho Leirner? O que acha de a coleção ter saído do país?
Villela - Acho que a coleção está contemplando a função dela, que é estar sempre sendo exposta. Ela está num museu superimportante [o Museu de Belas Artes de Houston], que tem visibilidade mundial, e isso é importante para a arte brasileira, pois ela está sendo vista como referência e divulgada no mundo todo.
Luisa Strina (galerista) - Se levarmos em conta seu acervo e seu programa de aquisições, o MAM talvez seja um dos museus mais restritos em termos de espaço expositivo, o que limita muitíssimo sua atuação há muitos anos. Algumas soluções já foram apresentadas, mas, nesse momento, quais são as perspectivas para a ampliação do espaço do museu? Quando, afinal, teremos o acervo, ou boa parte dele, permanentemente à mostra ao público?
Villela - Bom, o espaço, dentro das nossas possibilidades, a gente ampliou com a sala Paulo Figueiredo. Temos também buscado ampliar a visibilidade, enviando nosso acervo a outros museus do Brasil e do exterior, expondo em outras praças culturais. Ter um novo prédio ou mesmo uma ampliação implica custo, e nós precisamos ser bem realistas, já que não podemos sonhar com outro espaço sem querer manter a qualidade de nossas exposições, além da própria manutenção física do espaço, que será cara. É lógico que sempre pensamos nisso, mas esbarra nessa questão de custo.
Folha - Mas por que não há um apoio da sociedade civil, como existe nos Estados Unidos? Lá, o MoMA tem cem mil associados...
Villela - É uma questão de cultura, e é difícil mudar uma cultura. Quando entrei aqui, ninguém sabia que tinha que colaborar com o museu. Acho que estamos instigando as pessoas a colaborar, mas esse é um processo lento.
Ivo Mesquita (curador da 28ª Bienal de SP) - Qual a sua opinião sobre o atual debate em torno da necessidade de reforma das leis de incentivo à cultura?
Villela - Acho que as leis são prioritárias, não há trabalho de cunho cultural sem a Lei Rouanet. Sabemos da importância dela e que, mesmo podendo ter algumas falhas, é ótima para o Brasil. Todos os que trabalham com cultura sabem da sua importância. Por isso, estamos acompanhando e torcendo para que isso se aprimore sempre e se mantenha presente.
Márcia Fortes (galerista) - Sabemos que a contínua formação de um acervo com obras relevantes da produção nacional é um dos principais desafios dos museus brasileiros. Como o MAM busca vencer esse desafio?
Villela - Desde que cheguei aqui o acervo se enriqueceu. De 2.000 passamos a ter 5.000 obras. Com isso, podemos fazer exposições belíssimas, só com o nosso acervo, como a que foi feita na Oca, há dois anos, e outra que faremos no mesmo local, de outubro a dezembro. Será uma exposição grande e importante, que mostra a densidade de nosso acervo.
Paulo Herkenhoff (curador) - Há quatro anos, o Brasil viu a Fundação Vitae se extinguir sem motivos políticos ou financeiros. Você considera que o MinC tem condições técnicas e políticas, infra-estrutura e recursos para substituir a impecável atuação da Vitae, uma iniciativa da sociedade civil?
Villela - A Fundação Vitae teve um papel realmente muito importante, mas acho que o Ministério da Cultura, com a Lei Rouanet, tem tido um papel também importante. Sou fã do [Gilberto] Gil. Ele é uma figura muito respeitada e tem uma equipe maravilhosa. Eu o acompanhei em exposições na Espanha, na França, e a gente vê a importância dele e o peso que ele dá para o ministério.
Lisbeth Rebolo Gonçalves (diretora do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo) - Como vê as mudanças que estão acontecendo no parque Ibirapuera, com a instalação de novos museus transformando-o num pólo cultural de São Paulo?
Villela - Acho que isso é fantástico. Quanto mais museus existirem no parque, mais oxigenação e troca de idéias entre eles vai ocorrer. Esse pensar coletivo é importante, não estamos isolados no sistema da arte e por isso temos que exercer o diálogo. Quanto mais instituições vinculadas à cultura existirem no parque, mais todo mundo ganha. Nesse sentido, o MAM acaba sendo um elo, pois ele está bem no meio.
José do Nascimento Júnior (diretor do Departamento de Museus do Ministério da Cultura) - Para tornar os museus agentes de mudança social e desenvolvimento, qual é o papel das atuais políticas públicas para a área museológica? E como você vê o MAM nesse contexto?
Villela - Acho que um papel fundamental do museu é ser agente de mudanças sociais. E quando o educativo de um museu atende escolas públicas e privadas, portadores de necessidades especiais e ONGs, ele faz com que as pessoas se insiram no mundo da cultura e da arte, o que é fundamental. Nós começamos isso aqui no MAM, há dez anos, e temos, inclusive, uma biblioteca em braile. Como sou formada em psicologia educacional, eu dou muita importância para arte e educação, e o educativo do museu vem crescendo cada vez mais. Num congresso do Banco Mundial, em Washington, recebemos uma menção como trabalho modelo nessa área.
O que fere profundamente a nossa cultura é o constante discurso politicamente correto. Seja do lado dos gestores, do Minc, das secretarias de cultura dos Estados, as justificativas são sempre as mesmas, falta de dinheiro e só... A sociedade já faz a sua parte, paga muitos impostos e parte desses já são distribuídos para a cultura através da Lei Rouanet. As reformas não passam somente nas alterações da lei de mecenato, passa também pela formação profissional do corpo gestor da maioria dos 3000 museus espalhados pelo nosso país. A educação começa pelos que comandam e administram os grandes museus e também as casas museus, que são parte integrante de nossa cultura e ativa no país. É difícil acreditar em estatísticas, essas planilhas de bons resultados nem sempre mostram com exatidão o que realmente acontece. Os museus ainda estão muito longe do grande público, a nossa estrutura museológica ainda é discutida de cima para baixo, o olhar é estreito e político.
A educação começa em casa.