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julho 2, 2008
Telas de Leonilson expõem vazio carregado de dor, por Noemi Jaffe, Folha de São Paulo
Telas de Leonilson expõem vazio carregado de dor
Texto de Noemi Jaffe, originalmente publicado na Folha de São Paulo, no dia 2 de julho de 2008
Há alguns tipos de silêncio. O de John Cage, pleno e musical, e o silêncio do diretor de um museu da Croácia, que, durante a guerra, percorria o mundo em palestras silenciosas, dizendo, após algum tempo, que não era possível dizer mais nada. É dessa qualidade o vazio que compõe as telas de Leonilson, expostas no Centro Universitário Maria Antonia, com curadoria de Carlos Eduardo Ricciopo.
Não é um vazio que ressalta as figuras nele contidas. É como se ele emergisse delas e elas também nascessem dele. É um vazio carregado de dor e de curiosidade, e sua impotência adquire potência máxima. Não se trata do vazio da depuração, mas do branco e da economia da concentração. As imagens e palavras mínimas -o pato, o louco, o cristo, o matemático- apresentadas por cabeças saindo de dentro de cabeças, fogo escapando por olhos, umbigo e sexo, o infinito, não são metáforas de sua dor e de seu desejo de comunicação.
São, como diz Lisette Lagnado em seu texto sobre o autor, metonímias. Enquanto as metáforas, simbólicas, diluem livremente a imagem e a transportam para outras dimensões de interpretação, a metonímia, mantém a imagem em seu próprio espaço, remete a ela mesma. Dessa forma, o louco é o louco, o fogo é o fogo, o espelho é o espelho.
Palavras exatas
Essa também é uma razão por que Leonilson recorre às palavras que compõem-se totalmente com o vazio e com as imagens. As palavras, mais do que as imagens, dizem mais exatamente o que querem dizer, escapando do risco do que Leonilson afirmava não querer: a representação.
Num dos cadernos expostos, o artista diz: "Não quero representar nada". "O trabalho realiza o meu desejo e quero que realize também o desejo dos outros." Em um trabalho significativo, com um pontilhado representando o mar, margeado pela pergunta "Oceano, aceita-me?", e em que o branco do papel faz as vezes do oceano, é possível conhecer esse desejo de Leonilson, e que certamente não deixa de ser o nosso, que vamos vê-lo: ser aceito, mas por uma superfície que nos perca, para que, ao menos por um tempo, possamos ser infinitos, loucos, artistas, bobos, otários, carentes e vagabundos.