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junho 24, 2008
Maior performer contemporânea ganha mostra, por Silas Martí, Folha de São Paulo
Maior performer contemporânea ganha mostra
Matéria de Silas Martí, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 24 de junho de 2008
A sérvia radicada nos EUA Marina Abramovic ganha exposição que será aberta amanhã na galeria Brito Cimino
"Para chegar ao grau mais alto de consciência, é preciso experimentar a dor", diz ela, que exibe objetos com minerais brasileiros
Marina Abramovic reclama que seus cabelos ainda não secaram depois do banho no hotel. É tarde fria de domingo em São Paulo. Toda de preto, entra na galeria Brito Cimino e passa reto pelas próprias obras.
Ela ajeita o penteado, retoca a maquiagem num espelho que tira da bolsa e passa um batom vermelho depois de perguntar se os retratos para o jornal seriam coloridos ou preto-e-branco. É a mesma mulher que já ateou fogo ao próprio corpo, ficou 12 dias sem comer, fez cortes na barriga, cortou os dedos com facas, arrancou os cabelos, congelou braços e pernas, conviveu com cobras venenosas e tomou remédios para provocar convulsões em performances nos últimos 30 anos.
"Meu corpo está cheio de marcas e cicatrizes, mas eu vou ao salão de beleza", diz Abramovic à Folha. "O corpo precisa estar em boas condições para agüentar as performances."
Considerada a mais importante performer da arte contemporânea hoje, a sérvia radicada nos Estados Unidos não quer mais saber de dor, pelo menos por enquanto. As obras de sua primeira individual numa galeria brasileira, aberta amanhã na Brito Cimino, tentam restabelecer a ordem, "fazer cirurgia na alma".
"Foi um momento sentimental para mim", lembra. Ela descobriu materiais como cobre, quartzo, ferro e ametista, usados nas obras agora expostas aqui, quando veio ao Brasil pela primeira vez, em 1989. Ela acabava de terminar, com uma performance na Grande Muralha da China, um relacionamento de 12 anos com o artista alemão Ulay -cada um andou 2.000 km de cada extremidade do muro para uma despedida no meio do caminho.
"Não aceito o fracasso. Estávamos juntos, derretidos num só, para chegar a outro patamar", diz Abramovic. "Quando vi que já não podíamos ir além, decidi parar tudo de uma vez."
Cirurgia na alma
Os minerais em estado bruto colhidos por ela no Brasil servem para reenergizar o corpo.
"Chair for Departure" e "Inner Sky" seriam uma espécie de capacete de ametista para sintonizar o pensamento com fors da terra. "Black Dragon", "Red Dragon" e "White Dragon" são chapas de cobre oxidado com quartzo rosa, que harmonizam mente, coração e sexo.
Uma cama de alumínio equipada com chapas de plástico colorido é sua mesa de cirurgia para a alma. Ela espera que visitantes da galeria tirem as roupas e se deitem na cama por uma hora, olhando fixamente para sua cor preferida.
"O público é sempre voyeur, mas é importante que interaja com a obra", diz Abramovic.
"Só nunca pediria às pessoas que fizessem o que eu faço, porque ali só eu estou no comando, sei dos meus limites." Abramovic já desmaiou no meio de uma roda de fogo e teve um revólver apontado para a cabeça por um espectador numa de suas performances -não espanta que ela tenha deixado prontas instruções para o próprio enterro, que deve encenar no teatro, em Nova York, em 2011. "Não quero morrer, quero perder o medo da morte", diz a artista, para quem a vida é performance, e a dor, ferramenta.
"Para chegar ao grau mais alto de consciência, é preciso experimentar a dor", afirma Abramovic. "O público fareja insegurança, então a performance é aqui e agora. No final, a dor é só uma invenção."