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maio 20, 2008
Mostra repensa ligação Japão-Brasil, por Mario Gioia
Mostra repensa ligação Japão-Brasil
Matéria de Mario Gioia, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 20 de maio de 2008
"Laços do Olhar", com curadoria de Paulo Herkenhoff, exibe mais de 400 trabalhos no Instituto Tomie Ohtake, em SP
Exposição traz pinturas do século 19, como as de Visconti, fotografias de Araki e telas de Adriana Varejão, entre outras obras
Do "japonismo" moderno aos mangás e grafites, da poesia concreta à pintura abstrata, da arquitetura à arte conceitual.
As ligações e influências mútuas entre Japão e Brasil são o eixo da exposição "Laços do Olhar", que é aberta hoje para convidados no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.
Com curadoria de Paulo Herkenhoff -ex-Bienal de SP e atualmente integrante do comitê que escolherá o próximo curador da Documenta de Kassel-, "Laços..." reúne mais de 400 trabalhos, trazendo elos entre as duas culturas pouco abordados em outras mostras, das pinturas de Eliseu Visconti no século 19 às telas contemporâneas de Adriana Varejão.
"A cultura japonesa deixou legados muito mais fortes do que comumente se pensa. Tentei exibir algumas dessas heranças", conta Herkenhoff, que tem como curador-assistente Roberto Takaoka.
"Ajudei o Paulo a conhecer e localizar trabalhos que são pouco conhecidos fora da comunidade japonesa", diz Takaoka, filho de um casal de artistas japoneses radicados no Brasil, Massao Okinaka (1913-2000) e Alina Okinaka (1920-1992), com obras na mostra. Herkenhoff inicia a montagem da exposição com trabalhos produzidos ou adquiridos no século 19. Da Biblioteca Nacional, do Rio, vêm documentos e gravuras japoneses. Telas de Carlos Oswald (1882-1971) e, em especial, Eliseu Visconti (1866-1944) pontuam a influência do "japonismo" na pintura brasileira do século 19.
"Na Europa, o japonismo também tem grande influência entre os impressionistas. No Brasil, isso também é visto em alguns artistas cosmopolitas. A influência aparece em objetos, como as lanternas e os leques, e os fundos amarelados, por exemplo", afirma o curador.
Anita Malfatti (1889-1964) tem uma parede na qual sua visão sobre os japoneses se transforma. "Em tela de 1915-16, ela os trata como um tipo étnico, algo quase sem individualidade. Por isso, coloquei os auto-retratos como um contraponto a essa perspectiva", diz o curador, referindo-se a um dos destaques de "Laços...", uma parede repleta de auto-retratos de artistas nipo-brasileiros.
"É como se eles afirmassem a sua subjetividade", conta Herkenhoff, que coloca em evidência "Auto-Retrato" (1938), de Yoshiya Takaoka. "É a primeira obra do grupo japonês a ser adquirida por uma coleção brasileira [do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio]."
A arquitetura tem um módulo na mostra, no qual Herken-hoff exibe, entre outras coisas, a maquete da casa "japonesa" de autoria de Lygia Clark (1920-1988) e Sérgio Bernardes (1919-2002) e os projetos do pavilhão brasileiro na Exposição Universal de Osaka, em 1970, coordenado por Paulo Mendes da Rocha.
Erotismo
Outro dos destaques de "Laços..." é o seu segmento "erótico". Há desde xilogravuras japonesas "shunga" até fotografias contemporâneas de Nobuyohi Araki e telas de Adriana Varejão dos anos 90. "Estava pesquisando o cruzamento das culturas ocidentais e orientais naquela época. Na pintura "Cena de Interior", misturei a sexualidade oriental com algo brasileiro", conta a artista. Wesley Duke Lee é outro nome central da mostra, com um numeroso conjunto de trabalhos, incluindo a grande instalação "Helicóptero" (1969).
O lado pop japonês é exposto em mangás e bibelôs. O grafiteiro Titi Freak incorpora elementos orientais e faz uma instalação que lembra uma favela.
Obras que falam das oposições de tempo e espaço, do modernista Vicente do Rego Monteiro (1899-1970) à jovem paulistana Naiah Mendonça, 29, fecham "Laços do Olhar".