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abril 8, 2008
Sou de uma geração sem slogan, por Mario Gioia, Folha de São Paulo
Sou de uma geração sem slogan
Matéria de Mario Gioia, originalmente publicada na Folha de São Paulo no dia 8 de abril de 2008
Na reedição de seu "Manual da Ciência Popular", artista comenta a importância de evitar uma arte "exótica"
Um dos artistas de maior prestígio no exterior, o carioca Waltercio Caldas, 61, diz que a inserção de arte contemporânea brasileira se dá justamente porque ela não é "exótica".
Ao lembrar de que sua obra surgiu em meio ao ambiente repressivo do regime militar -fez sua primeira individual em 1973, no MAM-RJ, e, junto de artistas como Cildo Meireles, Carlos Vergara e Carlos Zilio e críticos como Ronaldo Brito, criou em 1975 a revista "Malasartes", veículo histórico do experimentalismo da época-, Waltercio destaca seu princípio de não fazer concessões ao mais fácil. "A minha geração é uma geração sem slogan."
Waltercio também vê com ironia o panorama das grandes exposições internacionais: "O que se oferece hoje em dia é uma quantidade muito grande de mostras e uma produção de idéias infinitamente menor que a quantidade de eventos".
Participante das principais exposições de arte em âmbito internacional, como a Documenta de Kassel -em 1992-, a Bienal de Veneza -em 1997 e no ano passado- e a Bienal de São Paulo-em 1983, 1987, 1989 e 1996-, Waltercio participa neste ano de uma coletiva na Suíça e tem mostras marcadas em Portugal e na Espanha.
O artista pode ser melhor conhecido em "Manual da Ciência Popular", reedição da Cosac Naify que acaba de chegar às livrarias. Publicado originalmente em 1982 pela Funarte, "Manual..." (ed. Cosac Naify, R$ 49, 88 págs.) tem um novo prefácio do artista, junto de outros objetos e texto original do crítico e professor da UFRJ Paulo Venancio Filho.
No livro, o autor propõe uma série de objetos que lidam com o cotidiano e com a noção do que é arte. A seguir, trechos da entrevista para a Folha, feita em sua casa no bairro do Cosme Velho, no Rio.
A REEDIÇÃO DO "MANUAL..."
Esse livro foi pensado dois anos depois do meu primeiro livro, "Aparelhos" [da editora GBM, publicado em 1979]. No "Manual...", não queria fazer mais um livro sobre o trabalho, mas um livro específico sobre o fato daquele objeto ser um livro. Então eu selecionei trabalhos da minha produção que tinha uma característica em comum, o fato de serem realizados de uma forma fácil, porque os materiais eram muito simples e encontráveis facilmente em qualquer casa. Uma espécie de manual que pudesse, de certa maneira, ironizar a idéia do que muitas pessoas falam de arte contemporânea, de que "isso eu posso fazer". Sempre me chama muito a atenção quando as pessoas falam "eu posso fazer um objeto de arte" e, quando eu pergunto se sabem o que aquele objeto significa, elas ficam confusas. Foi um livro feito com muito humor.
SEM SLOGAN
A idéia era duvidar um pouco de uma arte mais contemplativa, mais desligada do real, que era o senso comum da época. Estávamos insatisfeitos com aquela situação, e cada um tentava com uma poética diferente lidar com aquilo. Acho que a saúde da arte brasileira se demonstra por isso, pois, embora nós todos tenhamos enfrentado problemas muito parecidos, cada um de nós encontrou soluções bastante diferentes. A minha geração é uma geração sem slogan. Só Deus sabe o trabalho que nos deu evitar um slogan, uma situação que pudesse nos aprisionar em um rótulo, em um "ismo". Isso foi realmente um trabalho bastante grande, cada um de nós tinha consciência que esses "ismos", essas tendências, esses grupos, poderiam delimitar e perturbar e dificultar um pouco a nossa atuação. A questão era como agir politicamente em uma época tão difícil preservando uma identidade poética.
A GERAÇÃO EXPERIMENTAL
A palavra experimental servia na época para demonstrar coisas e objetos e atitudes artísticas que você não sabia exatamente o que era. Foi um rótulo interessante, embora na época ele fosse usado de uma forma pejorativa. Estávamos experimentando os limites do objeto de arte, não negando seus limites, mas tentando superá-los.
O PRESTÍGIO NO EXTERIOR
É claro que nenhum de nós pensou na dimensão possível do trabalho no exterior, foi um acontecimento que está se dando paulatinamente graças ao trabalho contínuo de vários artistas durante décadas. Houve contribuições do Antonio Dias, do Sergio Camargo, da Lygia Clark, artistas que de certa forma estavam presentes desde os anos 50 fora do país com uma presença marcante. A isso veio se somar a qualidade e a diversidade da nossa produção e ao momento também do mundo globalizado. É bastante educativo que a arte brasileira que entrou no mercado lá fora foi de questões brasileiras, como o neoconcretismo. Não foi a arte feita para turistas, não foi a arte folclórica, não foi a arte exótica, foi uma arte rigorosa, precisa e extremamente pertinente para a época do Brasil.
Mas hoje artistas bem jovens estão presentes em situações bastante privilegiadas lá fora. Nós temos de tomar cuidado para preservar o sentido de valor cultural nosso e não simplesmente começar a importar obras de arte como se elas fossem commodities.
AS GRANDES EXPOSIÇÕES
Não necessariamente as exposições de grande formato estão em declínio. Isso vai depender do projeto e da instituição, da curadoria, da questão levantada, dos artistas. Mas o que se oferece hoje em dia é uma quantidade muito grande de mostras e uma produção de idéias infinitamente menor que a quantidade de eventos, isso é verdade [risos].