|
março 20, 2008
A má distribuição de renda da cultura no país, por Alessandra Duarte, O Globo
A má distribuição de renda da cultura no país
Matéria de Alessandra Duarte, originalmente publicada em O Globo, no dia 19 de março de 2008.
Orçamento da União de 2008 prevê valores de verba incentivada como R$ 330 para o Acre e R$ 74,9 milhões para SP
O Estado de Roraima vai ter que produzir cinema com R$ 164 este ano. O Acre está melhor: tem R$ 330 na carteira. Quem sabe São Paulo não empresta algum, se sobrar dos seus R$ 74,9 milhões? Os números fazem parte da divisão entre os estados dos recursos da Lei do Audiovisual, no orçamento estimado para a lei em 2008, e vão contra o discurso de descentralização cultural que o Ministério da Cultura tem adotado. De 2001 a 2008, o montante da Lei do Audiovisual para o Centro-Oeste chegou a diminuir, com uma variação negativa de 50,7%. Segundo um levantamento do GLOBO no orçamento da União para 2008, a diferença de valores se repete na divisão dos recursos da Lei Rouanet. Se o Nordeste teve aumento de recursos de 287,5% de 2001 a 2008, o aumento do Sudeste no período foi de 447,3%. A diferença ocorre nos recursos dos mecanismos de incentivo fiscal federal, tipo de política cultural do qual o país está cada vez mais dependente: a soma dos recursos das leis Rouanet e do Audiovisual este ano - dinheiro que não conta no orçamento direto do MinC, por ser de incentivo fiscal - dá quase o orçamento de todo o ministério.
À parte as leis de incentivo, o total de recursos diretos do MinC aumentou - mais R$ 341,4 milhões em 2008, em relação a 2007 -, mas aumentou também a parcela dos recursos da Cultura destinada ao pagamento do serviço da dívida externa brasileira, que passou de uma média de R$ 3 milhões nos últimos dois anos para quase R$ 16 milhões este ano. Além disso, não foi desta vez que o orçamento do Ministério da Cultura chegou ao desejado 1% do orçamento do governo federal: em 2008, a previsão é de que seja cerca de 0,7% do total federal.
Fundo Nacional de Cultura leva a maior fatia
Em 2008, o MinC terá um total de recursos de cerca de R$ 1,03 bilhão. O Fundo Nacional de Cultura leva a maior parte do bolo: em torno de R$ 325,8 milhões, enquanto o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que em 2007 tinha a maior parcela da Cultura, este ano fica em segundo, com cerca de R$ 240,9 milhões. O serviço da dívida externa brasileira (o pagamento de juros e amortizações da dívida) levará este ano R$ 15,9 milhões, contra os cerca de R$ 3 milhões que ele tomou da pasta da Cultura em 2006 e 2007. Outro item que teve aumento significativo foi o gasto com comunicação social do ministério: passou de R$ 300 mil em 2007 para R$ 2 milhões este ano. Já itens ligados a pessoal não tiveram a mesma sorte - no ano seguinte à greve de servidores da Cultura de 2007, que durou mais de dois meses e atrasou o funcionamento do setor, o orçamento da União para 2008 não prevê gastos com concursos e reestruturação de carreira no MinC. Na última quintafeira, no entanto, o governo federal anunciou uma medida provisória de reajuste salarial a partir de março para várias categorias, entre elas a Cultura (de 10,2% a 87,85%).
Todas as unidades do MinC tiveram seus orçamentos aumentados, menos a Agência Nacional do Cinema (Ancine), que perdeu cerca de R$ 1,2 milhão: em 2007 tinha um orçamento de R$ 58,6 milhões, que este ano foi para em torno de R$ 57,4 milhões. Mas a área do audiovisual não tem tanto do que reclamar.
O governo está prevendo para ela pelo menos R$ 64,5 milhões do Fundo Nacional de Cultura; o valor só perde para o investimento que o fundo está fazendo na área literária, de cerca de R$ 81,7 milhões, e para os R$ 117,5 milhões que o fundo está reservando para o programa dos Pontos de Cultura, dentro do projeto Cultura Viva.
A Lei do Audiovisual este ano vai levar cerca de R$ 141,2 milhões, que são de incentivo fiscal e por isso não contam no orçamento direto do MinC. O outro mecanismo de incentivo fiscal do governo, e o principal deles, a Lei Rouanet, terá uma verba estimada em cerca de R$ 856,5 milhões em 2008 (em 2007, foram R$ 661,2 milhões); esse valor também não entra no orçamento direto do ministério.
A soma dos valores em 2008 dos dois mecanismos de incentivo fiscal federal - Rouanet e Lei do Audiovisual — dá quase o total de todo o orçamento do MinC: R$ 997,8 milhões. Isso mostra como o investimento em cultura no país atualmente está dependente dos patrocínios via incentivo fiscal. E justamente a distribuição de recursos dessas duas leis pelas regiões do país anda ocorrendo de modo discrepante.
Na divisão dos montantes da Rouanet entre os estados prevista para este ano, Roraima é o último lugar do ranking e leva R$ 650 do total. No Norte, quem leva a maior fatia (e que contrasta com os valores previstos ao restante dessa região) é o Amazonas, com R$ 8,5 milhões. Na outra ponta fica o Estado do Rio, com R$ 376,1 milhões (seguido por São Paulo, com R$ 235,3 milhões) do total da verba da Rouanet.
Verba incentivada de 2001 a 2008 mostra má distribuição
Cenário semelhante é a divisão do dinheiro da Lei do Audiovisual. Enquanto Roraima - o estado menos agraciado pela previsão das leis de incentivo em 2008 - conta com R$ 164, o Acre tem R$ 330, Amapá leva R$ 552 e Tocantins, R$ 812. O Sudeste está novamente no outro extremo, com São Paulo levando R$ 74,9 milhões, o Rio de Janeiro, R$ 19 milhões, e Minas Gerais, R$ 14,3 milhões. O orçamento da União de 2008 mostra ainda a má distribuição na evolução dos montantes das leis de incentivo concedidos a cada região de 2001 a 2008. No caso da Rouanet, o Norte nesse período teve um aumento percentual de cerca de 256,5%; o Nordeste, de 287,5%; e o Sul, de 220,5%. Já o Sudeste teve aumento de 447,3%. O Centro Oeste teve de 434%, variação que se explica pelo fato de que, como a região começou com um montante baixo em 2001, qualquer aumento representa uma variação percentual grande do valor (se você tem R$ 1 e ganha mais R$ 1, o aumento de sua renda foi de 100%).
Quando se vê a evolução dos valores concedidos pela Lei do Audiovisual, também há diferença no que tem ido para cada região desde 2001. O Nordeste teve um aumento percentual de 95%; o Norte, de 1.115% (novamente, porque começou com um valor muito baixo, então qualquer aumento representa uma grande variação percentual); o Sul, de 140,2%; e o Sudeste , de 162,4%. Enquanto isso, o CentroOeste chegou a ter uma variação negativa, de 50,7%.
MinC: demanda está no Sudeste
Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Cultura levou uma semana para responder, porque não conseguia achar os dados sobre sua própria pasta no Orçamento da União para 2008. Um dos e-mails enviados pelo ministério dizia que não haviam encontrado “nada sobre Lei Rouanet e Lei do Audiovisual no OGU (Orçamento Geral da União)”. Quando, enfim, mandou sua resposta, o MinC afirmou que os valores destinados pelas leis Rouanet e do Audiovisual aos estados da região Norte no orçamento são “previsões de renúncia fiscal, baseadas na série histórica da renúncia fiscal destes estados (...), ou seja, são os valores que os contribuintes destes estados deixaram de recolher por terem investido em projetos culturais”.
Segundo o MinC, o investimento em projetos culturais nos estados “depende da demanda da população, que está mais concentrada na região Sudeste”. O ministério respondeu ainda que “Acre e Roraima possuem populações pequenas, poucas salas de exibição e poucas empresas de vulto sediadas localmente”. Para o MinC, a análise dos dados deve levar em conta a capacidade dos profissionais do setor de captar recursos na iniciativa privada, além do interesse da iniciativa privada da região de investir em cultura.
“Analisar os recursos incentivados apenas levando em conta a geografia não é o bastante para se traçar um panorama global”, diz o ministério. Deacordo como MinC, o governo vem trabalhando em políticas para melhorar o acesso dessas regiões aos recursos incentivados da Cultura, com programas como o Revelando os Brasis e o Cultura Viva. Sobre o orçamento de cerca de 0,7% para a pasta em 2008, o MinC informou que esse percentual não inclui as emendas de parlamentares, que devem elevar o orçamento.