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maio 2, 2007
As necessidades reais dos museus, por Maria Hirszman, O Estado de São Paulo
As necessidades reais dos museus
Matéria de Maria Hirszman, originalmente publicada nO Estado de São Paulo do dia 29 de abril de 2007
Medidas recentes são testemunhos de lógica perversa que dá ao espaço físico relevância superior ao patrimônio artístico
Uma série de medidas anunciadas nos últimos dias estão movimentando o estagnado circuito museológico e institucional das artes visuais paulistanas. Ainda é cedo para saber se iniciativas como o cancelamento da concessão do MuBE, a investigação em torno da administração de Manoel Pires da Costa à frente da Fundação Bienal de São Paulo e a destinação do prédio do Detran para o Museu de Arte Contemporânea de São Paulo gerarão frutos. Afinal, como bem lembrou Aracy Amaral em artigo publicado esta semana no Caderno 2, não adiantam espaços mais generosos se não há projeto nem profissionais capazes de sustentá-los.
Mas para aqueles que acompanham com certo desânimo os rumos das instituições culturais nacionais, cada vez mais submetidas a interesses individuais ou corporativos, não deixa de ser uma boa notícia saber que talvez o MuBE possa em pouco tempo deixar de ser apenas um espaço que abriga exposições de pouca relevância, festas suntuosas ou feirinhas de bugigangas. Ou que o Conselho Fiscal da Bienal tenha cumprido seu dever de investigar e denunciar que o presidente da instituição descumpriu o estatuto ao contratar sua própria empresa para publicar a revista Bien'art. Evidentemente, essas iniciativas podem rapidamente acabar em pizza. Afinal, o MuBE promete recorrer à Justiça contra a anulação pela Prefeitura da concessão do espaço por 99 anos dada por Jânio Quadros. E Pires da Costa foi reeleito para um terceiro mandato a despeito dos questionamentos em relação ao descaso com as normas da instituição que dirige, publicando uma revista institucional em sua própria editora, sob a alegação de que os preços praticados são os melhores do mercado. Argumentação que reforça uma visão distorcida dos fatos e que nos leva na errônea direção de considerar nefastas apenas as ações que trazem prejuízo material, quando na verdade o prejuízo moral pode ser muito mais grave e prejudicial.
O fato de que parte dessas ações possam não ter efeitos concretos confirma não invalida, no entanto, o que talvez seja o principal ponto positivo de todas essas iniciativas: um sinal de maior conscientização de que é necessário tomar medidas de controle e direcionamento de instituições de interesse público, criando melhores condições de operação e limitando excessos. Afinal, um museu existe não para satisfazer os interesses de um determinado grupo. Um segundo desdobramento, tão enriquecedor quanto o primeiro, é a possibilidade aberta por essas propostas de trazer à tona o debate sobre as funções e reais necessidades dessas instituições. Debate esse essencial para combater a lógica privatista que muitas vezes acaba por imperar em muitas dessas organizações e tentar reverter a apatia crescente do público em relação ao destino de suas instituições culturais.
Um exemplo desse embate entre a sociedade e um projeto encabeçado por alguns poucos foi a insistência da presidência do Masp em construir uma gigantesca torre ao lado de sua sede na Paulista. Conquistou a simpatia de figuras ilustres da sociedade paulistana, a anuência ou a omissão das instituições de controle do patrimônio público estadual e federal (Condephaat e Iphan), mas esbarrou na resistência do órgão municipal, Conpresp, que viu no projeto uma clara violação das normas de preservação do patrimônio arquitetônico e urbanístico da cidade de São Paulo. Felizmente, há poucas semanas, o impasse foi resolvido com o anúncio, por parte da presidência do museu, de que a obra monumental, que pouco ou nada acrescentaria às funções museológicas do Masp, seria deixada de lado. No lugar, o Masp optou por reformar o prédio já existente, capaz de abrigar os projetos futuros da instituição.
PRIORIDADES
Às vezes tem-se a impressão de que, no Brasil, perpetua-se uma inversão um tanto perversa de prioridades, dando ao espaço físico uma relevância muito superior ao patrimônio artístico ou intelectual reunido (e criado) pelos museus. Talvez contribua para isso o fato de que os projetos arquitetônicos sejam mais viáveis. A Prefeitura e o Estado têm prédios que podem ser cedidos, mas não têm verba para financiar programas de formação, projetos de qualidade ou outras carências institucionais; patrocinadores pensam exclusivamente no retorno, não gostam de bancar projetos experimentais e, quando raramente se dispõem a financiar a cultura, preferem ter seu nome vinculado à solidez de um edifício; novos espaços têm lugar garantido na mídia, enquanto está cada dia mais difícil obter visibilidade para reformulações no campo das idéias.
Uma casa elegante não é, no entanto, garantia de sucesso. Basta ver o caso do MuBE, que não consegue manter minimamente um padrão de qualidade, mesmo sediado num célebre projeto de Paulo Mendes da Rocha, o mesmo autor da reforma que transformou a Pinacoteca no museu de maior destaque do País. Neste caso, o diagnóstico é fácil e emblemático de tudo que não se deve fazer numa instituição cultural: uma gestão controladora e ineficaz, levada a cabo por alguém que pouco entende de arte.
Peguemos também o exemplo do MAC. Dividido em dois endereços (ocupando dois prédios na USP e meio andar no Pavilhão da Bienal), o museu vem defendendo há anos a necessidade de encontrar uma nova e única sede e acaba de receber, com grande ânimo, o enorme prédio atualmente ocupado pelo Detran. Em matérias publicadas esta semana pela imprensa, a diretora do museu, Lisbeth Rebollo Gonçalves, se diz encantada com o novo espaço, insinua as vocações naturais das diferentes áreas do prédio. Mas pouco fala sobre o que pretende fazer a partir disso. Esvaziar reservas técnicas, mesmo que elas estejam repletas de obras de primeira grandeza, não é sinônimo de qualidade. Como contra-exemplo podemos citar a França, onde 95% das obras se encontram nos acervos, escondidas dos olhos do público, mas alimentando pesquisas, reflexão, projetos de exposição temporária...
Também não há nenhum sinal de continuidade do polêmico, mas instigante projeto de reunir num mesmo local os acervos do MAM e do MAC. Salta aos olhos o silêncio absoluto em torno da idéia que permitiria, finalmente, dar maior coesão às duas instituições criadas por Ciccillo Matarazzo e que em função de uma série de disputas ficaram com perfis trocados. Não deixa de ser curioso que o Museu de Arte Contemporânea tenha como principal esteio uma valiosa coleção de arte moderna e que o Museu de Arte Moderna tenha encontrado como projeto alternativo - depois de descartado por Matarazzo e ter passado anos numa espécie de letargia - exatamente a produção contemporânea.
Também é misteriosa a omissão do nome do MAM nessa dança das cadeiras. O museu pleiteia há muito um novo espaço, considerando o prédio sob a marquise do Ibirapuera insuficiente para seu acervo e ambições. Falou-se em divisão do espaço do Detran entre as duas instituições, de cessão do espaço da Prodam para o MAM, mas parece que os olhos de sua presidência não se afastam da Oca, aceitando o risco de ficar sem nada.