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março 21, 2007
Simplesmente não se interessaram, por Suzana Velasco
'Simplesmente não se interessaram'
Matéria de Suzana Velasco, originalmente publicada no Jornal O Globo, no dia 21 de março de 2007
Artistas reagem à venda de coleção de Adolpho Leirner para o Museu de Houston
Avenda da coleção de Adolpho Leirner para o Museu de Belas Artes de Houston (MFAH), nos EUA, anunciada anteontem, vem causando um intenso debate e reações iradas no meio artístico. Segundo Leirner, depois de mais de dez anos tentando vender seu acervo para uma instituição brasileira, ele não teve outra opção. Considerada a mais importante coleção construtivista do país, ela reúne cerca de cem obras de nomes como Cícero Dias, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Alfredo Volpi e Sérgio Camargo.
- Você acha que eu não gostaria de ter a coleção no Brasil? Não consegui - lamenta Leirner. - O problema é estrutural. Uns podem ter recursos, outros não, mas simplesmente não se interessaram, seja por falta de dinheiro, por ciúme de curadoria, por egos.
Em "Arte concreta no Brasil: a coleção Adolpho Leirner" (DBA Melhoramentos, 1998), organizado por Aracy Amaral, Leirner já atentava para o fato de instituições estrangeiras muitas vezes darem mais valor à arte brasileira do que o próprio Brasil, que freqüentemente se importa mais com exposições de fora. Sua coleção segue completa para o Museu de Houston, que vem investindo fortemente na arte latino-americana, restaurando obras de Hélio Oiticica e preparando um catálogo raisonné do artista. A coleção será exposta em maio, e ninguém tem dúvida do cuidado que o museu terá com ela. O que vem revoltando artistas e críticos é justamente a ausência desse cuidado em instituições brasileiras.
- É importante pensar como, havendo R$1 bilhão disponível em isenção fiscal este ano, ninguém esteve disposto a comprar essa coleção - diz o crítico de arte Paulo Sergio Duarte. - Há 15 anos Leirner tenta vender essa coleção e teve a coragem imensa de não dispersá-la num leilão, com o qual ele ganharia três vezes mais. É isso que dá a política cultural do Brasil, financeiramente, ficar à disposição das diretorias de marketing das empresas.
Artistas e críticos mostram espanto com o caso
No site Canal Contemporâneo, multiplicam-se as manifestações de espanto. "Por que nosso governo não interveio para comprar esse patrimônio insubstituível e mantê-lo no país?", escreve o artista Roberto Cabot. "O pior de tudo ainda é ouvir que, pelo menos em Houston, ela estará preservada e valorizada. Que país é esse?", dispara a crítica Ligia Canongia.
- Essa venda expressa a total incapacidade do Estado e da sociedade brasileira de conservarem seu patrimônio - afirma Moacir dos Anjos, diretor do Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães, em Recife.
O crítico Agnaldo Farias diz não ter uma visão "tão catastrofista", justamente porque a coleção estará bem cuidada:
- Seria interessante a coleção ficar aqui, mas o museu saberá cuidar dela. Os artistas pertencem ao mundo e temos que fazer por merecê-los.
Cara Suzana,
Obrigada pela matéria no Segundo Caderno dando visibilidade à indignação que estamos sentindo. Sua matéria toca em outra questão também importante para a sociedade brasileira: a obra de Hélio Oiticica. E nos suscita algumas perguntas.
Por que a restauração e o catálogo raisonné estão sendo feitos pelo museu de Houston e não aqui em nossa cidade, aonde fica o Centro de Arte Hélio Oiticica? (Um trabalho deste está para o meio de arte como a produção de plataformas da Petrobras está para a indústria naval, guardada as devidas proporções financeiras.)
Aliás, o que foi feito do CAHO?
Em que pé está a venda da obra de Hélio Oiticica para o Museu de Belas Artes de Houston?
Pelo visto, vamos ter que achar bom também que eles cuidem definitivamente da obra deste artista, que foi abandonada pela Prefeitura do Rio de Janeiro...
Abraço,
Patricia Canetti