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março 22, 2007
Sururu nas artes plásticas, por Marcos Augusto Gonçalves
Sururu nas artes plásticas
Matéria de Marcos Augusto Gonçalves, originalmente publicada na Folha de São Paulo no dia 22 de março de 2007
Patriotada e hipocrisia marcam reações à venda da coleção de arte de Adolpho Leirner para Houston
Estava cheia, na noite de terça, a galeria Millan, na Fradique Coutinho. Artistas, colecionadores, escritores, fotógrafos e modernetes foram ver a bela exposição de fotografias de Miguel Rio Branco. E só se falava de outra coisa: as reações à venda da coleção de Adolpho Leirner para o Museu de Belas Artes de Houston e o arroubo de criatividade do curador Teixeira Coelho e da cenógrafa Bia Lessa, que decidiram "inovar" na mostra da coleção de arte do Itaú. Artistas como Paulo Pasta, Vergara e Antonio Manuel, que haviam chegado à galeria da Vila Madalena vindos da exposição da Paulista, babavam de indignação.
Mas falemos da transferência das obras de Leirner para Houston, já que o bafafá do Itaú está relatado aí acima, na coluna da Mônica Bergamo. A notícia da venda foi publicada pela Ilustrada, no sábado. Seria natural -e apropriado- que se lamentasse o fato de esse importante conjunto de obras do concretismo e neoconcretismo não ter sido adquirido por um museu brasileiro ou por um desses institutos culturais financeiros que usam a renúncia fiscal criada pela Lei Rouanet para fomentar a arte no país.
Mas muito do que se viu nas reações ao anúncio da venda não passou de patriotada preconceituosa, ressentida e hipócrita. Adolpho Leirner parece estar sendo culpado por alguns de ser um indivíduo -ou um "judeu paulista"?- que passou mais de 40 anos a reunir obras de nossos artistas construtivistas, formando uma valiosa coleção privada. Valiosa hoje, pois o establishment da arte brasileira passou anos desprezando solenemente o concretismo e ignorando a grandeza de Hélio Oiticica.
Há anos, a coleção de Leirner, que foi exposta no MAM de São Paulo, está à venda. É óbvio que é preciso criticar a ausência de uma política de aquisições nos museus brasileiros. E não tenho dúvida de que os recursos da Lei Rouanet poderiam ser mais bem utilizados.
Mas o fato é que ninguém quis pagar o preço do colecionador, até que o museu de Houston -uma instituição, diga-se, de alto nível, focada em arte latino-americana- interessou-se.
O que queriam os revoltados? Que Leirner cantasse o hino nacional e enxotasse a pedradas os pretendentes imperialistas?
O mundo está cheio de museus que reúnem obras relevantes de artistas de vários países -é conhecido o caso das coleções francesas do século 19 guardadas na Rússia.
Brasileiros adoram propor leis e regulamentos, tanto quanto descumpri-los. Há quem simplesmente queira impedir por decreto que as obras sejam vendidas. Não poderiam sair do país. Que tal, então, proibir também a participação de galerias brasileiras em feiras internacionais e -para sermos coerentes- a aquisição de obras de artistas estrangeiros por instituições e colecionadores brasileiros?
Ou será que só Leirner vende Hélio Oiticica, Lygia Clark, Waldemar Cordeiro ou Mira Schendel para o exterior? E os nossos prestigiados artistas contemporâneos? Não seria melhor, preventivamente, trancafiá-los por aqui?
Caro Marcos Augusto,
Que pena ver neste espaço de imprensa, que vocês jornalistas escrevem contando caracteres, um desperdício tão grande em relação a um tema tão complexo...
Contaminado pela coluna social acima de sua matéria ou simplesmente se deixando levar pela intimidade, que lhe foi dada pelos profissionais de arte ao compartilharem com você as suas msgs, acabamos sorvendo no seu artigo pura fofoca e perdemos muitos caracteres para aprofundar uma discussão tão importante.
Lembro aqui a matéria "A morte do Masp" de Mario Cesar Carvalho, publicada na Folha em 13 de junho de 2005, para ver se conseguimos relacionar os dois momentos que atingem a cultura nacional e especialmente a sociedade paulistana.
Abraço,
Patricia Canetti
"O Masp (Museu de Arte de São Paulo) não recebeu nem um centavo de doadores privados neste ano. Talvez por isso sejam reveladoras as fotos em que Julio Neves, o presidente do museu, aparece sorrindo na inauguração da Daslu, cujo prédio foi projetado pelo arquiteto.
...
Museus são um dos melhores indicadores da predisposição da elite para dividir um de seus bens mais valiosos: a arte. É por isso que o Brasil dos anos 70 assustava os artistas estrangeiros. Como pode um país tão pobre oferecer obras primas de Van Gogh, Cézane e Modigliani num prédio que é, ele próprio, um assombro modernista?
...
Essa história melancólica parece sinalizar o nascimento de uma nova era, na qual a elite privatiza bens públicos, como os museus, ou transforma-os em acessório de seus negócios. É o custo da ignorância, não dos pobres, mas dos que estão no topo da pirâmide econômica. Como não há mecenato no país, os museus viraram a casa da sogra."
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1306200507.htm
Posted by: Patricia at março 22, 2007 12:19 PMPronto: entre um canapé e outro numa galeria comercial de São Paulo, se decide que uma discussão que está mobilizando toda a classe artística nacional não passa de um sururu da patriotada anti-semita das artes.
Antes de sabotar um debate que finalmente conseguiu mobilizar boa parte da intelectualidade em torno de um interesse comum - como noticiou a própria Folha através do ótimo artigo de Fabio Cypriano -, em temas urgentes como a conservação do patrimônio cultural, estratégias de formação e manutenção das coleções museológicas e políticas públicas mais amplas, é importante informar-se melhor do conteúdo do debate, e saber que não trata-se de discutir a personalidade do colecionador, senão todo um sistema intrincado que permite a evasão de obras singulares, já históricas, representativas do momento mais fértil das artes plásticas brasileiras. Longe de reivindicar o trancafiamento, não cogitado, das obras no Brasil, trata-se de discutir formas de reverter o crescente interesse internacional em proveito de nossas coleções e de nosso público, com diversos exemplos que podem ser conferidos nos textos e comentários que estão no canal contemporâneo.
Importantíssimo também é discernir o significado entre a aquisição de trabalhos de artistas vivos e atuantes, o que de fato significa formar uma coleção no sentido estrito do termo (e que Adolpho Leirner realizou exemplarmente ao longo de anos) e o que significa a compra de uma coleção já histórica, inteira, que teria que ter sido adquirida e tombada em um museu brasileiro, sim.
À parte o cinismo de muitas das afirmações em questão, ao menos o debate serve para nos mostrar essa cara do Brasil a que todos se referem como um ente autônomo e distante, como se nós não a construíssemos diariamente com nossas contribuições, inclusive nas rodinhas sociais dos vernissages.
Lamento que este texto venha para confundir, ao invés de esclarecer, desviando a atenção de um debate tão importante.
O circuito das artes plásticas é curioso e dos jornalistas oprotunistas e/ou mal informados também mas vista a carapuça só quem quiser porque nem preciso de respostas.Vivo e vejo.
Tudo isso me lembra um trabalho de Cildo Meireles : um anel com um grão de areia e este é a unidade do deserto. Lindo e apropriado para meatáforas ao longo dos séculos.
Deixemos o Sr. Adolpho Leirner em paz porque ele realizou o seu sonho ao longo de muitos anos e o Brasil não se interessa mais por cultura de boa qualidade.