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março 1, 2007
Museus podem perder obras de Edemar, por Mario Cesar Carvalho
Museus podem perder obras de Edemar
Matéria de Mario Cesar Carvalho, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 1º de março de 2007
Decisão sobre o destino da coleção será dada pelo STJ; Museu do Ipiranga, MAC e MAE seriam os maiores prejudicados
Julgamento previsto para março decidirá se as mais de 12 mil peças pertencem à União ou à massa falida do Banco Santos
O vaivém judicial que engolfou a antiga coleção de arte de Edemar Cid Ferreira pode acabar em prejuízo para os museus. As mais de 12 mil obras da coleção que foram distribuídas para instituições como o Museu do Ipiranga e o MAC (Museu de Arte Contemporânea da USP) podem ir para a massa falida do Banco Santos e serem leiloadas.
A eventual perda dos museus depende de decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre quem tem direito sobre os bens que pertenceram ao antigo banqueiro: a União ou a massa falida do banco.
O julgamento do STJ deve ocorrer neste mês de março. Em decisão provisória, o ministro Castro Filho, do STJ, optou pela massa falida. Agora, um grupo de ministros julgará o mérito da questão.
O destino da antiga coleção de Edemar foi parar no STJ por causa de uma decisão do juiz federal Fausto Martin de Sanctis.
Em novembro de 2005, o juiz deliberou que as obras da chamada Cid Collection deveriam ficar com a União porque Edemar cometera o crime de lavagem de dinheiro -na mesma decisão, ele entregou mais de 10 mil obras para sete museus.
Presente dos deuses
Na sentença que condenou Edemar a 21 anos de prisão, de dezembro último, Martin de Sanctis explica melhor por que os credores não têm o direito de serem ressarcidos -segundo ele, eles eram cúmplices nas fraudes. O Banco Santos deixou um rombo de R$ 2,2 bilhões.
A distribuição das obras para os museus "foi um presente dos deuses", segundo a historiadora Eni de Mesquita Samara, diretora do Museu Paulista da USP (Museu do Ipiranga) -a instituição recebeu cerca de 8.000 obras.
Entre outras preciosidades, o museu ganhou o sarcófago de uma múmia egípcia (cerca 1069 a.C.- 945 a.C.), um monumento maia (300 d.C.- 900 d.C), uma bíblia impressa em 1493, menos de 50 anos após a de Gutenberg, e um tablete com escrita suméria de 1900 a.C.
"A USP não teria como comprar um acervo desses nunca", diz Eni.
Arqueologia
A decisão judicial entregou ao Museu do Ipiranga todos os processos usados desde a invenção da fotografia, na primeira metade do século 19 -daguerreótipo, ferrótipo, fotos em papel salgado, em carvão, gelatina, daguerreótipos estereoscópicos coloridos. Essa diversidade abre uma frente de estudos que não existe em museus brasileiros, afirma a historiadora Shirley Ribeiro, responsável pela documentação.
"O museu está parado há seis meses para catalogar todo o acervo. Agora vamos jogar tudo para o alto? Não tem sentido tirar do museu um acervo que beneficia o coletivo", diz Eni. O Museu do Ipiranga gastou R$ 50 mil na catalogação.
Prejuízo maior pode ter o MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia) da USP, que recebeu 2.100 peças arqueológicas que pertenceram a Edemar. A instituição já investiu R$ 500 mil para receber o acervo, gastos com instalações, reserva técnica, segurança e um seminário que será realizado até o final do ano, segundo José Luiz de Morais, diretor do MAE.
O imbróglio legal das peças arqueológicas é ainda maior. Caso o STJ decida que a coleção de Edemar deve ficar com a massa falida, será criado um novo conflito : peças arqueológicas não podem ser comercializadas, de acordo com a Constituição.
"Creio ser impensável a retirada dessas peças arqueológicas do MAE. Não há como colocá-las à disposição da massa falida, isso fere um dispositivo constitucional", diz Morais.
No caso do MAC, que recebeu cerca de 2.000 obras de Edemar, das quais 1.450 são fotografias, a perda do acervo interromperia algumas linhas de pesquisa, diz Helouise Costa, vice-diretora do museu. "Não há nenhuma coleção brasileira que se equipare à do MAC depois que recebemos a coleção de Edemar. Seria uma perda muito grande se essas fotos saíssem daqui", afirma.
As obras de Edemar cobrem a história da fotografia do século 19 aos dias de hoje. Helouise criou uma divisão que começa com os pioneiros (Edouard Muybridge e Étienne Carjat), passa pela fotografia moderna nacional e internacional (Rodchenko, Edward Weston, Thomaz Farkas), tem representantes da fotografia humanista francesa (Robert Doisneau e Man Ray), dos fotógrafos de moda (Richard Avedon e Helmut Newton) e desemboca na fotografia contemporânea (Cindy Sherman, Andres Serrano e Chris Bierrenbach).
A coleção virou matéria de um curso de pós-graduação e já há dois estudantes que querem desenvolver teses sobre ela.