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dezembro 18, 2006
Debate Folha se São Paulo - É bem-vinda a Lei do Esporte?, artigos de Yacoff Sarkovas e Orlando Silva
Debate Folha se São Paulo - É bem-vinda a Lei do Esporte?, artigos de Yacoff Sarkovas e Orlando Silva
Falta gente na mesa, artigo de Yacoff Sarkovas
Uma lei imprescindível, artigo de Orlando Silva
Artigo de Yacoff Sarkovas, originalmente publicado na Folha de São Paulo, no dia 16 de dezembro de 2006
Nesta semana, a imprensa divulgou uma imagem inusitada. Personalidades artísticas e esportivas do país, sentadas lado a lado, disputando dedução fiscal do Imposto de Renda das empresas para suas áreas. Cada grupo se defendia destacando os benefícios sociais de sua atividade.
É inegável que cultura e esporte são de interesse da sociedade. Mas a questão central, propositadamente, passou ao largo dos holofotes: o modelo de financiamento público por dedução fiscal é insustentável econômica e socialmente.
Vamos imaginar que os médicos também reivindiquem lugar à mesa para investir um naco do imposto na saúde pública, a seu critério; os educadores, para manter abertas escolas públicas; as empresas de transporte, para criar estradas exclusivas; e -por que não?-, cada cidadão, para reter outro tanto do imposto para montar seu próprio esquema de segurança.
Quem sabe, até fazer justiça com as próprias mãos. Antes que a mesa estivesse cheia, não haveria mais imposto a recolher. Por conseqüência, poderíamos suprimir o Estado e dispensar os governos.
Tomar posse de recursos públicos sem contrapartida e destiná-los por critérios individuais e privados é um ato anti-republicano. Desinformados e iludidos pela justa perspectiva de injetar recursos no seu campo de atividade, atletas cometem o mesmo erro histórico dos artistas: lutam para propagar o câncer do incentivo fiscal, em vez de exigir políticas e fundos de financiamento direto do Estado, regidos por critérios técnicos e públicos. Esse modelo do incentivo fiscal, único no mundo, foi criado pela Lei Sarney, em 1986 -substituída pela Lei Rouanet por Collor, em 1991-, ampliado com a Lei do Audiovisual por Itamar, em 1993, e replicado por municípios e Estados via dedução no ISS, IPTU e ICMS. As leis de incentivo mobilizarão, neste ano, cerca de R$ 1 bilhão. Recursos públicos que financiam somente a parcela da produção cultural que desperta o interesse das empresas.
A dedução fiscal gera produção cultural porque distribui dinheiro, mas não é lógica nem justa. É uma forma prática de obter recursos sem enfrentar disputas no Orçamento. Nada tem a ver com patrocínio ou investimento privado de verdade. Empresas promovem ações sociais, ambientais, culturais, esportivas, de entretenimento e comportamento por serem uma estratégia eficaz, saudável e rentável de valorizar marcas e fortalecer relacionamentos. Por isso, em todo mundo, investem seus próprios recursos de marketing e comunicação.
No Brasil, a Lei do Audiovisual permite dedução integral no imposto a pagar e, ainda, o abatimento como despesa, reduzindo o imposto acima do valor aplicado. O resultado é um ganho real de mais de 130% ao "investidor", sem risco. Espectadores-cidadãos não se dão conta de que as marcas que aparecem na abertura dos filmes brasileiros são de empresas que ganham dinheiro público para fingir que são investidoras culturais e decidir que aquele filme, e não outro, deva ser produzido.
Longe dos holofotes, esse mecanismo perdulário está sendo ampliado, no Congresso, em regime de urgência, pelo projeto de lei nº 7.193/2006, enquanto o público se entretém com a disputa artistas versus atletas. A Lei do Audiovisual contaminou outras leis de incentivo fiscal, a começar pela Lei Rouanet, que, desde 1997, permite 100% de dedução, como agora ocorrerá com a Lei do Esporte. Importante saber: em outros países, incentivo fiscal é somente lançar as contribuições à cultura como despesa na declaração de renda. Ou seja, é poder doar dinheiro do próprio bolso sem ter de pagar imposto por isso.
É certo que o Estado brasileiro consome 50% do PIB, e pouco do que devolve tem valor reconhecido pela sociedade; é compreensível que os brasileiros desconfiem que os nossos governos sejam regidos pela corrupção. Mas não corrigiremos mazelas históricas subtraindo recursos e responsabilidade públicas para distribuí-las a interesses privados.
Melhor seria lutar para reduzir a carga tributária, para benefício da sociedade civil, e ajudar a construir um Estado mais eficaz, com capacidade de formular e implementar políticas públicas, financiando diretamente as ações por princípios republicanos.
YACOFF SARKOVAS, 52, especialista em atitudes de marca, é diretor-geral da Significa e da Articultura.
Artigo de Orlando Silva, originalmente publicado na Folha de São Paulo, no dia 16 de dezembro de 2006
A polêmica que se instalou no Congresso em torno da Lei do Esporte nos permite refletir sobre os desafios para permitir o acesso ao esporte e ao lazer a todos.
A noção de esporte como direito é recente e sua consagração se deu na atual Constituição Federal. Um direito para todos é um dever para o Estado, que se realiza por meio de políticas públicas. A criação do Ministério do Esporte e a implantação da Política Nacional de Esporte são passos que têm nos permitido transformar o direito formal em real. Algumas tarefas estratégicas apontadas pela Política Nacional de Esporte precisam ser concluídas.
1) Ajustar o Sistema Nacional de Esporte, fixando melhor as atribuições de cada um dos agentes que atuam na área esportiva.
2) Ampliar a infra-estrutura esportiva nacional.
3) Capacitar melhor os recursos humanos que educam e orientam as atividades físicas.
4) Estabelecer vínculos efetivos entre esporte e educação, garantindo acesso a conhecimento e experiências de caráter lúdico, educativo, além de permitir a iniciação e a formação esportiva em escolas e universidades.
Essa agenda exige financiamento, e aí se situa a presente discussão sobre incentivo fiscal para o esporte. A tradição brasileira é de financiamento do esporte quase que exclusivamente pelo Estado -de forma direta ou por meio de empresas públicas.
O sentido da Lei do Esporte é atrair as empresas privadas para experimentar um relacionamento com o esporte. Por se tratar de renúncia fiscal, portanto, de interesse público, o funcionamento da lei deve se pautar pela máxima transparência e publicidade de todas as iniciativas.
Ganham as empresas ao associar suas marcas a valores como vitória, solidariedade, disciplina e persistência, características típicas das atividades esportivas. Ganha o esporte ao conquistar uma nova fonte de financiamento, pois confiamos que os vínculos estabelecidos com a implantação da lei se projetarão para além de sua vigência.
Os recursos incentivados serão aplicados em projetos coerentes com a Política Nacional de Esporte. Regulamentada, a lei servirá a atletas sem patrocínio, clubes que trabalham na formação de base, modalidades com menos visibilidade e, sobretudo, instituições governamentais e não-governamentais que realizam projetos socioesportivos, que poderão ter mais oportunidades para se desenvolver.
A Lei do Esporte é explícita quando veda o uso de recursos incentivados para remunerar atletas profissionais, o que transforma em pó as ilações feitas com relação ao futebol profissional. A agenda do futebol é outra e está em plena execução, com a Lei de Moralização do Futebol, o Estatuto do Torcedor, a Timemania, o relatório Paz no Esporte e, em breve, a lei que protege o clube formador.
A Lei do Esporte tem o privilégio de ser posterior a iniciativas de outras áreas, o que nos permitirá aprender com os êxitos e, sobretudo, com os limites já experimentados noutros setores. A Lei do Esporte precisa ser nacional, beneficiar as regiões mais necessitadas; deve atender a todas as dimensões do esporte, e não se concentrar apenas em uma ou outra modalidade ou ícone; deve atender a quem precisa, não aos que já concentram os recursos e se utilizam de mecanismos como esse para fortalecer sua imagem com dinheiro público.
O esporte reflete o grau de desenvolvimento de uma nação. O estímulo que o esporte receberá com a lei de incentivo permitirá avanços na garantia do direito ao esporte para todos os brasileiros e brasileiras. Por isso, a Lei do Esporte é mais que bem-vinda. É imprescindível.
ORLANDO SILVA DE JESUS JÚNIOR, 35, é ministro de Estado do Esporte.