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dezembro 5, 2006
Curadores e críticos evitam pôr a mão na cumbuca, por Marcos Augusto Gonçalves
Curadores e críticos evitam pôr a mão na cumbuca
Texto de Marcos Augusto Gonçalves, originalmente publicado na Folha de São Paulo, no dia 2 de dezembro de 2006
Mal ou bem, alguma discussão sobre a Bienal vem se travando, com artigos em jornais e em sites especializados. Vai-se configurando uma opinião simpática ou elogiosa em relação a aspectos como o fim das representações nacionais, os seminários, o esforço didático e os bons artistas selecionados.
Em oposição, questiona-se o viés "politicamente correto" da mostra e a gritante presença de facilitações politizadas e trabalhos documentais que mal roçam o estatuto de arte, embora possam causar grande efeito para um público em busca de sentido -afinal, não é tão difícil assim assimilar "mensagens" bem intencionadas que questionam a desigualdade social, a opressão etc.
Sente-se, no entanto, no debate acerca da Bienal, uma ausência marcante: a de alguns dos principais curadores e críticos (ou ex-críticos e curadores?) do país.
A consolidação da curadoria como uma opção efetiva de inserção no mercado para intelectuais especializados em arte tem a vantagem, ao menos teórica, de qualificar a organização de exposições e acervos. Ganham, com isso, as instituições e o público. A contrapartida desvantajosa é que a expansão dessa categoria tem se realizado por meio do recrutamento de profissionais, em geral ligados ao meio universitário ou editorial, que se dedicavam -ou poderiam fazê-lo- à crítica de arte.
Pode-se argumentar que o exercício da atividade "curatorial" implica uma dimensão crítica: ao selecionar, correlacionar ou confrontar obras, artistas e tradições, o curador exprime uma opinião, um conceito, um ponto de vista acerca da arte -e o defende em textos publicados em catálogos.
Mas ainda que o raciocínio seja verdadeiro, a tarefa da curadoria não substitui a da crítica propriamente dita. Mais do que isso, ou pior do que isso, o que às vezes se observa neste meio é uma formidável complacência, ou então o silêncio estratégico, em relação às diversas propostas que se apresentam ao público.
O "esprit de corps" ou a ética entre colegas ou os interesses individuais presentes e futuros, de resto perfeitamente legítimos, acabam subtraindo do debate opiniões que poderiam se mostrar valiosas.
No caso da Bienal, a Ilustrada procurou, nas semanas que se seguiram à inauguração, colher avaliações de alguns críticos-curadores, com o intuito de ampliar a discussão pública e o leque de opiniões acerca deste que é, enfim, o principal evento de arte do país, com notória repercussão internacional. Sem sucesso. Nessa cumbuca poucos quiseram colocar a mão.
A omissão empobrece ou pelo menos torna a discussão mais opaca -pois, em parte, ela se realiza intramuros, nas internas, de maneira pouco transparente e sistemática.