|
novembro 20, 2006
Estranha lógica de avestruz... por Atília Alziro
Emeio enviado por Atília Alziro ao jornal Folha de S. Paulo em 19 de novembro de 2006, comentando a matéria de Fabio Cypriano sobre a Paralela, reproduzida logo abaixo, no post anterior.
Prezado editor do Caderno Ilustrada,
Causou-me muita surpresa o texto publicado ontem na Folha de São Paulo a respeito da exposição Paralela 2006, endossado, acredito eu, pelo senhor. O repórter demonstra estupefação pelo que chama de "apelo comercial óbvio" da mostra; mostrando profundo desconhecimento do "apelo comercial óbvio" de toda exposição de arte. Ao que me consta, várias das galerias que participam da Paralela representam também artistas que estão participando da Bienal de São Paulo. Não posso crer em tamanha ingenuidade, o que me faz imaginar que há certo grau de má fé nesse texto; ou alguém ainda duvida que no mundo da arte tudo é mercado? A arte faz parte da economia de mercado e as galerias vendem quando expõem nas galerias, em mostras paralelas e, muito provavelmente, vendem mais ainda quando expõem seus artistas em uma Bienal.
O sr. Cipriano afirma que durante a Bienal passada, que era conservadora, a Paralela passada funcionou como contraponto. E, por uso de uma estranha lógica de avestruz, deduz que quando temos agora uma Bienal "progressista", a presente Paralela só pode inversamente servir de contraponto negativo. "Sensacionalista, provinciana", ataca ele. Não teria ocorrido ao repórter uma terceira opção: a de que as mostras podem se somar? Eu visitei as duas exposições e gostei igualmente de ambas. Há quem diga que a Paralela é inclusive melhor do que a Bienal, porque mostra a diversidade, quando a Bienal, ao contrário, apresenta um discurso temático monocórdio. Mas, sobretudo, me espanta que o texto trate Bienal e Paralela como arquiinimigas. Que maniqueísmo tolo (ou mau intencionado?), quanta leviandade.
O sensacionalismo, segundo o sr. Cipriano, deve-se à escolha por obras em grande de formato. A Bienal, logo na entrada, é um verdadeiro desfile de obras em grande formato. Isso faria dela também uma exposição sensacionalista? Que tipo de critério é esse endossado pela Folha de São Paulo, jornal que se diz o maior e mais importante do país? Argumento leviano e maniqueísta mais uma vez. Depois, continuo lendo a contragosto, e me deparo com a pérola de que a intenção da Paralela é definir como a produção brasileira se articula com as questões postuladas pela arte no mundo atual, o que, defende o repórter, significa que a arte brasileira pretende se legitimar no mercado internacional. Então a Bienal, para seguir usando o paralelo "crítico" proposto pelo texto, que também articula a produção artística com as questões atuais da arte estaria tentando legitimar os artistas apresentados no mercado internacional?
"O tema torna-se ainda mais frágil", continua o texto; mas, espera aí, qual tema? A exposição Paralela 2006 tem um tema? Não foi isso o que eu depreendi de minha visita e de minha conversa com um monitor na Paralela, que me explicou que o projeto da curadoria era mostrar as contradições e dissonâncias da arte brasileira. Ele me disse tratar-se de um projeto anticuratorial. Até onde posso entender o argumento, a proposta da exposição é apresentar a diversidade, sem amarrar os trabalhos de acordo com conceitos pré-determinados. "A diversidade pode ser salutar mas no caso da Paralela ela é artificial", continuo lendo, a essa altura indignada com a leviandade e com o pouco caso com que o repórter apresenta a exposição. Ele por acaso não se informou de que, se há um tema, o tema é a diversidade; como então ela pode ser artificial? O que une os artistas é o fato de fazerem parte das galerias? Mas estão todos os artistas de todas as galerias lá? Ao que me consta eles foram selecionados, dentro do campo possível de artistas das galerias, mas houve escolhas, talvez escolhas que tornassem mais evidente a diversidade.
Eu e minha inteligência nos sentimos realmente aviltadas pela análise rasa e tendenciosa do repórter da Folha sobre a Paralela e não pude deixar de externar meu descontentamento com o nível "crítico" que o jornal oferece aos seus leitores. A Paralela 2006, assim como a exposição MAM na Oca, soma forças à Bienal de São Paulo e o público sai ganhando com isso, principalmente o público de São Paulo, onde moro, e não essa suposta nova categoria de turistas, amantes de bienais estrangeiras, que o sr. Cipriano afirma ser o público-alvo da exposição. As galerias de São Paulo desempenham um papel institucional na cidade que muitas instituições não conseguem desempenhar e, conquanto tenham um objetivo comercial ao organizar uma exposição do porte da Paralela, conjugam nesse esforço um papel social de tornar público e mais acessível o que os artistas brasileiros estão fazendo na atualidade. Não sou compradora de arte e me senti perfeitamente contemplada pela exposição. Esperava do Caderno Ilustrada, do qual sou leitora, uma crítica mais pertinente.
Atenciosamente,
Atília Alziro, São Paulo