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agosto 15, 2006
Entre a cruz e o tridente, por Helvio Lessa
Foto orginal - Jornal O Dia
Entre a cruz e o tridente
Matéria de Helvio Lessa, originalmente publicada no Jornal O Dia, do dia 15 de agosto de 2006
Símbolo pintado no cruzeiro de Nova Iguaçu é criticado por moradores e religiosos
Rio - A figura de um tridente pintado na encosta da Serra do Vulcão, logo atrás do Mirante do Cruzeiro, causou ontem polêmica entre moradores e religiosos de Nova Iguaçu. Muita gente ficou revoltada e acusava a prefeitura de desrespeito às religiões. O desenho fez parte de oficina de arte pública, no Projeto Interferências Urbanas, evento promovido pelo município semana passada.
"Isso é coisa do mal, do demônio. Uma afronta a um símbolo de Jesus e com a permissão da prefeitura. Subiram aqui com o pretexto de fazer arte e foram embora deixando esse símbolo do mal", disse a evangélica Edileide Amaro, 31 anos.
O prefeito Lindberg Farias (PT), no entanto, alega que o artista plástico Alexandre Vogler, responsável pela oficina, não tinha permissão para colocar o símbolo, que segundo ele é ligado diretamente ao diabo.
"Quando soube que tinha sido desenhado um tridente mandei retirar imediatamente. Ele tinha combinado de escrever "Eu Amo Nova Iguaçu". Mas acabou colocando esse símbolo que afronta a cruz. Desde pequeno que vejo a figura do diabo com tridente na mão. Moramos numa cidade de Deus", justificou Lindberg.
Censura
O artista Alexandre Vogler, 32 anos, disse que a idéia do tridente está l igada ao deus Netuno, da mitologia grega e que não teve a intenção de afrontar qualquer religião. Alexandre afirmou que, depois que a pintura estava pronta, passou a ver uma possível relação do tridente com o símbolo de religiões afro-brasileiras.
"Não esperava toda essa polêmica . Considero a atitude da prefeitura uma censura à produção artística. A intenção da arte é provocar reflexão. Mas também acredito que levantou questões religiosas, que deveriam ser encaradas de maneira democrática", disse.
Segundo Alexandre Vogler, o poder público não costuma ter a mesma postura em relação a outras inscrições religiosas que estão espalhadas pela cidade. "Não esperava que minha arte fosse provocar esse tipo de retaliação pela prefeitura", acrescentou o artista.
A cruz no alto da Serra de Madureira é um marco na cidade e pode ser visto de vários pontos. Fiéis de várias religiões usam o local para orações e eventos. O Mirante do Cruzeiro palco tradicional de uma superprodução da Via Sacra na Semana Santa, realizada todo ano, envolvendo centenas de artistas.
O local, que chegou a ter iluminação especial com cores diferentes a estação do ano, segundo os moradores, agora se encontra abandonado. "Nunca aparecem aqui para tratar do problema da falta de água e da pavimentação da ladeira de acesso ao cruzeiro. Mas para fazer essa afronta arrumaram tempo", reclamou o vigilante Paulo Furtado, 45.
Arte e religião causaram polêmica em 2002, com a exposição de orixás na Lagoa, e em 2000, com a escultura de Exu dos Ventos, na entrada da Linha Amarela.
Críticas de líderes religiosos
Lideranças religiosas de Nova Iguaçu criticaram o tridente pintado no alto do Morro do Cruzeiro. Para o padre Justino Munduala, um dos diretores do Centro de Direitos Humanos (CDH) da Diocese de Nova Iguaçu, o desenho de 25 metros foi uma afronta contra outro símbolo religioso. "Há tanto espaço para se fazer obras de arte na cidade que considero a escolha daquele local, que é próximo a um cruzeiro, uma profanação e forma errada de se conseguir fama", declarou o sacerdote.
A umbandista Glória Maria Nunes, comandante da Tenda Espírita Mirim de Morro Agudo, informou que o tridente é a ferramento do orixá Exu, entidade que é freqüentemente confundido com o diabo. "Exu representa as forças e os caminhos espirituais. Algumas pessoas chegam a pedir o mal ao orixá, o que é um equívoco", disse Glória Nunes. "Não se pode usar o tridente para afrontar outras religiões", reprovou a umbandista.