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julho 3, 2006
Sob fogo cruzado, Bienal de SP anuncia artistas, d'O Globo
Sob fogo cruzado, Bienal de SP anuncia artistas
Matéria, originalmente publicada no Segundo Caderno do Jornal O Globo, no dia 30 de junho de 2006
Com a reeleição de Edemar Cid Ferreira como conselheiro, Cildo Meireles diz que repensará sua participação
Em meio a uma polêmica envolvendo o seu conselho - que, no último dia 20, reelegeu como conselheiro o banqueiro Edemar Cid Ferreira, preso acusado de crime financeiro que teria levado o Banco Santos à falência, o que causou protestos de outros conselheiros - a Bienal de Arte de São Paulo divulgou ontem a lista dos 119 artistas participantes da sua edição 2006. Entre eles, Cildo Meireles, que afirmou que a reeleição de Edemar, a quem chama de "bispo da Igreja Universal do Reino da Arte", vai fazê-lo repensar sua participação no evento.
Alguns dos brasileiros participantes na Bienal 2006 (de 7 de outubro a 17 de dezembro, com o tema "Como viver junto") são Marcos Bonisson, Paula Trope, Ivan Cardoso e Julio Bressane. Entre os nomes internacionais há Susan Turcot, Simon Evans, Gordon Matta-Clark, Felix Gonzalez-Torres, Francesco Jodice e Ateliê Bow-Wow.
Levando para a Bienal os trabalhos "Espaços virtuais: cantos" e "Sal sem carne", Cildo Meireles diz que, desde os anos 90, é "considerado, com muito orgulho, persona non grata pelo grupo de Edemar":
- São pessoas que, naquela época, queriam controlar a exposição e a circulação da arte moderna e contemporânea brasileira, fazendo com que qualquer mostra tivesse que passar pela Bienal. É um ato lamentável essa reeleição. Mostra que a quadrilha está ativa, e desmoraliza o evento. É a Igreja Universal do Reino da Arte, com seu bispo Edemar. Sei que a curadoria da Bienal não tem nada a ver com isso, mas vou ter de repensar minha participação no evento.
Marcos Bonisson, com a obra "Heliofonia" (com Super-8 inéditos de Hélio Oiticica), classifica o episódio como absurdo:
- Uma pessoa que está sendo investigada não pode cuidar das contas de uma instituição. Teria que haver um zelo maior. Mas esse é um assunto da organização deles. Não tenho nada a ver com isso, sou um artista.
Postura de neutralidade semelhante foi a escolhida por artistas conhecidos pelo tom crítico de suas obras. Tunga, por exemplo, disse que ficou chocado com a notícia, mas não quis comentar o assunto, afirmando não conhecê-lo o suficiente. Luiz Alphonsus também não quis falar sobre o caso. Profissionais da área de cultura, como Michel Etienne, presidente da Associação de Entidades de Cultura de São Paulo, e Ronaldo Bianchi, superintendente do Museu de Arte Moderna de São Paulo, também preferiram o silêncio.
Andrea Matarazzo, coordenador das subprefeituras de São Paulo e conselheiro da Fundação Bienal, disse que fará um protesto formal contra a reeleição. No que não parece ser seguido por colegas de conselho.
- Foi lamentável o que ocorreu no banco, mas não podemos emperrar a vida de uma pessoa por causa disso - diz Sábato Magaldi, do conselho.
- Cid Ferreira permanece eleito. Se houver condenação na Justiça, o conselho votará o que fazer - acrescenta Thomaz Farkas, outro conselheiro.
- O assunto está sub judice. Ele é inocente até que se prove o contrário - faz coro Fabio Magalhães, da Secretaria estadual de Cultura de São Paulo.
Paulo Herkenhoff, ex-diretor do Museu Nacional de Belas Artes e formado em direito, afirma que faltou "cautela ética":
- A expectativa era de que ocorresse um afastamento por cautela. Isso se assemelha ao que acontece no Congresso, com investigados em CPIs ainda exercendo funções públicas.
Cildo sempre teve seu posicionamento político claro e contundente. Muitas vezes ficou sozinho nesse processo. Foi extremamente atacado em outras. Poucos artistas falam o que deve ser dito. E os consagrados principalmente, deviam ter esta postura por obrigação.
Este país virou um caldeirão de estranhezas. Parece que vivemos um planeta do avesso. O mundo da arte no Brasil ainda é uma corte. Temos bem delineados, o Estado, a Igreja, a plebe, a nobreza, os escravos. Precisamos de mais sabedoria dos Bobos.
Ab
Clarisse Tarran
Posted by: Clarisse Tarran at julho 4, 2006 12:03 PMA decisão do Conselho da Bienal é ridicula e dá o tom de permissividade , conivencia e deboche c0m que setores da "elite" se portam diante dos sucessivos escandalos do triste cenario do Brasil de nossos dias.
Me solidarizo com a posição de Cildo Meirelles e seria de esperar que outros artistas sigam seu exemplo.
E membros do conselho da Bienal, contrarios a essa ridicula absurda e inacreditavel decisão de reeleger um conselheiro recolhido a um presidio por seus atos criminosos já comprovados ,seria tambem desejavel que conselheiros que condenam esse fato resignem em claro e inequivoco sinal de protesto
antonio henrique amaral
Posted by: Antonio Henrique Amaral at julho 5, 2006 3:19 PMA decisão do Conselho da Bienal é um reflexo da situação brasileira. Nossos valores éticos estão em segundo plano e o oportunismo e a esperteza, infelizmentte, em nosso contexto social são sinônimos de inteligência. A história se repete sempre e não poderia ser diferente na arte. Também me solidarizo com a posição de Cildo Meirelles
Mari Weigert
Simplesmente acho uma afronta, concordo com o Cildo e a situação me faz refletir sobre a condição de artista que sou. Espero q algo a respeito seja feito por aqueles q tenham propriedade para fazê-lo.
Posted by: Letícia Costa Gomes at julho 25, 2006 12:11 PMPALMAS à Clarisse Tarran:
"O mundo da arte no Brasil ainda é uma corte. Temos bem delineados, o Estado, a Igreja, a plebe, a nobreza, os escravos. Precisamos de mais sabedoria dos Bobos."