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maio 29, 2006
Masp na Folha de S. Paulo
Masp na Folha de S. Paulo
O novo sintoma da crônica enfermidade do Masp invade o jornal Folha de S. Paulo com matérias em diversas seções deste jornal, no Editorial, Dinheiro, Ilustrada, Mais. Vamos atiçar esta brasa: escreva para o "Painel do Leitor" da Folha de S. Paulo* e envie cópia para o Canal Contemporâneo, ou publique-a como comentário no blog "Como atiçar a brasa", junto ao post da matéria comentada.
* O "Painel do Leitor" recebe colaborações por e-mail (leitor@uol.com.br), fax (0/xx/11/3223-1644) e correio (al.Barão de Limeira, 425, 4º andar, São Paulo-SP, CEP 01202-900). As mensagens devem ser concisas e conter nome completo, endereço e telefone. A Folha se reserva o direito de publicar trechos.
Corte de luz do Masp leva promotoria a abrir investigação
Texto originalmente publicado no Editorial da Folha de S. Paulo em 25 de maio de 2006
O MASP reúne a principal coleção de arte moderna da América Latina. As 7.517 obras do acervo, entre as quais telas de Van Gogh, Picasso e Monet, são avaliadas em cerca de US$ 1,2 bilhão. Mas falta dinheiro para pagar a conta de luz.
Em razão de uma dívida de R$ 3,47 milhões com a Eletropaulo, o museu teve o fornecimento de energia elétrica cortado na terça-feira. Acumulada num período de sete anos de inadimplência, a dívida soma-se a um desfalque de R$ 414 mil referente à época em que o Masp recorreu a um procedimento inventivo: um "gato" para obter eletricidade.
É preciso que a direção do museu faça jus à subvenção que recebe da prefeitura e à importância do espaço para a cidade. Além de normalizar o atendimento ao público -até o momento, a energia tem sido fornecida por meio de geradores- é preciso garantir a preservação do acervo. Em muitos casos, uma ligeira alteração na refrigeração basta para danificar a obra.
Em que pese o histórico de dívidas acumulado pela atual gestão, é preciso lembrar que o museu galvaniza um conjunto de rivalidades no meio artístico que em nada contribui para melhorar o cenário. Ainda mais grave, a estagnação do Masp esbarra na rarefação da cultura de apoio às artes no Brasil. Forjado em moldes europeus, o museu ainda não encontrou no país um modelo de sustentação à altura de suas pretensões.
Recentemente, foi vetada a iniciativa do presidente do Masp de construir uma torre no prédio ao lado para garantir a captação de fundos. Diante da negativa, a direção do museu e os grupos que lhe fazem oposição deveriam ter envidado esforços para lançar um modelo alternativo e viável de financiamento. O Masp não pode fenecer em plena avenida Paulista, circundado de riqueza por todos os lados.
Corte de luz do Masp leva promotoria a abrir investigação
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo, Ilustrada, em 26 de maio de 2006
O Ministério Público abriu inquérito anteontem para investigar se o acervo do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, corre risco de dano e segurança, porque a instituição está funcionando à base de geradores, por conta do corte de energia realizado pela Eletropaulo na última terça. O inquérito começou a ser cumprido ontem.
"Por causa das matérias de jornal que li ontem (anteontem), entre elas a da Folha, decidi instaurar inquérito para verificar se a coleção do Masp corre perigo, afinal trata-se de um patrimônio histórico e o acervo é tombado", afirmou o promotor de Justiça do Meio Ambiente, Luis Roberto Proença. Entre as áreas de responsabilidade da Promotoria do Meio Ambiente estão o patrimônio artístico e o cultural.
Proença afirma que sua "primeira preocupação é verificar se os geradores que estão sendo utilizados funcionam a contento, mantendo não só os equipamentos de climatização mas também os de segurança". Para tanto, o promotor já solicitou ao IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) que faça uma análise das condições dos geradores em uso pelo museu.
O promotor também expediu cartas pedindo dados a respeito do corte de energia à Eletropaulo e ao Masp. "Quero compreender a motivação do corte, mas não vou entrar na questão financeira nem avaliar a gestão do museu", disse Proença, que deu prazo de dez dias para obter as respostas.
Provável acordo
Na manhã de hoje, segundo a Eletropaulo, haverá uma reunião entre o comando da empresa e o presidente do Masp, Julio Neves. A Folha apurou que provavelmente haverá um acordo entre as duas partes, para que o fornecimento de energia seja retomado.
Julio Neves, que até ontem evitava atender a imprensa, marcou uma entrevista coletiva para às 11h30 de hoje -sua assessoria dissera que ele só se pronunciaria quando o caso estivesse solucionado.
A energia elétrica foi cortada às 7h da última terça devido à falta de pagamento de uma dívida de R$ 3,47 milhões, acumulada pelo museu nos últimos sete anos. Naquele dia, Neves reuniu-se com a diretoria da Eletropaulo, mas, segundo a concessionária, não apresentou uma proposta viável. Dois acordos já haviam sido rompidos pelo Masp, um em 2000 e outro em 2004, que previa 35 parcelas de R$ 21 mil, das quais só a primeira foi paga.
O Masp reconheceu as dívidas e disse que havia proposto pagá-las com "créditos tributários de terceiros". Segundo a Eletropaulo, a proposta não tem consistência jurídica.
Artigo de Luís Nassif, originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 28 de maio de 2006
Algum tempo atrás, o sonho de status de dez em dez milionários brasileiros era ser do Conselho do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York. Pouquíssimos conseguiram, pois necessitavam casar bom gosto, discrição, padrinhos influentes e... recursos financeiros. A contrapartida para ser aceito em tão prestigiosa instituição era a de contribuir para sua manutenção.
O Masp (Museu de Arte de São Paulo) é um dos melhores museus do mundo. Foi um ato benigno de megalomania do jornalista Assis Chateaubriand. Do Brasil, o acervo incorporou Anita Malfatti, Volpi, Lívio Abramo, Portinari, Flávio de Carvalho, Almeida Júnior entre muitos outros. Da França, importou Monet, Delacroix, Matisse, Toulouse-Lautrec, Marc Chagall, o basco Picasso, esculturas de Rodin. Da Itália, adquiriu Modigliani, Boticelli, Tiziano. Tem Rembrandt, Rubens, Bosch.
Durante algum tempo, o Masp serviu de álibi para as façanhas de Edemar Cid Ferreira, o banqueiro-mecenas responsável por um dos maiores rombos da história do sistema financeiro brasileiro. Mas foi um acidente de percurso. A diretoria do Masp é uma constelação de nomes tradicionais, uma elite discreta e de bom gosto.
O presidente é o arquiteto Júlio Neves, o "rei" da Faria Lima, um dos mais prestigiados e bem-sucedidos da praça. O vice é Plínio Salles Souto, o último dos gentil-homens e que, nos anos 50, estimulado por Assis Chateaubriand, contribuiu com um quadro relevante para o acervo do museu, se não me engano um Rembrandt.
O secretário-geral é João da Cruz Vicente de Azevedo, dono de um acervo portentoso, que inclui obras de Benedito Calixto. O tesoureiro é Luiz de Camargo Aranha Neto, sócio de uma das mais prestigiadas bancas de advocacia da praça. Entre os diretores, tem dona Beatriz Pimenta Camargo, que também é do "board" do MoMA. O sogro de sua filha é Aloisio Rebello de Araújo, dono da CBPO. E tem Manuel Francisco Pires da Costa, homem de finanças muito bem-sucedido e um bom intérprete de sambas-canções.
O Conselho Deliberativo é outra constelação onde brilham cirurgiões consagrados, como Adib Jatene e José Aristodemo Pinotti, publicitários de sucesso, como Alex Periscinotto e Nizan Guanaes, a condessa Graziella Leonetti, filha do conde Luiz Eduardo Matarazzo, o único do clã que manteve uma sólida fortuna imobiliária. Tem Pedro Franco Piva, da Klabin, o advogado Paulo José da Costa Júnior, o rico criador de gado Jovelino Mineiro, o banqueiro Antonio Beltrán Martinez.
Pois é essa casa, que honra tanto os seus membros, conselheiros e diretores, que orgulha São Paulo, que teve sua energia elétrica cortada por conta de um débito de R$ 3 milhões, muito para os mortais comuns, pouco para esse ilustre colegiado de ricos e notáveis.
Que tal começar a importar os aspectos mais sadios e meritórios da sociedade americana e de Wall Street, e os ilustres diretores e conselheiros começarem a correr o pires? Será uma maneira de demonstrar ao Brasil que os ricos de São Paulo vão muito além do provincianismo deslumbrado de uma Daslu.
Entrevista de Claude Mollard a Marcos Strecker e Mario Gioia, originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo, Mais, em 28 de maio de 2006
O francês Claude Mollard, fundador do Centro Cultural Georges Pompidou, diz que é uma "vergonha" a situação que vive o museu paulista
Para o francês Claude Mollard, fundador de um dos principais museus de arte contemporânea do mundo, o fechamento do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na última terça-feira, por falta de eletricidade foi "um escândalo" e "um absurdo".
Economista, sociólogo e especialista em gestão cultural, um dos criadores e ex-secretário-geral do Centro Cultural Georges Pompidou, o famoso Beaubourg, em Paris, Mollard foi, a partir de 1981, assessor do ministro da Cultura francês Jack Lang, que inaugurou uma nova política para os museus e as artes plásticas no país.
Criou e geriu várias instituições de artes na França, tendo presidido o Centro Nacional da Fotografia, entre outros. Veio ao Brasil para ministrar um curso sobre história da arte no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.
Ele também é co-autor do lançamento "Frans Krajcberg -La Traversée du Feu" (Frans Krajcberg -A Travessia do Fogo, Isthme Éditions), a primeira biografia do artista plástico polonês naturalizado brasileiro. Mollard falou à Folha por telefone, do Rio.
FOLHA - O sr. acompanhou o incidente envolvendo o Masp? Já viu um museu dessa importância ficar fechado por falta de pagamento da conta de luz?
CLAUDE MOLLARD - É um absurdo. Nunca tinha ouvido falar de algo assim. Nem estou acreditando. Ou o museu está sem recursos porque o poder público não os está repassando ou cuidou mal do dinheiro. Ou a companhia de eletricidade é muito má. Dirijo um museu em Montparnasse. Certa vez, a prefeitura deixou de nos repassar dinheiro e a companhia telefônica cortou nossas linhas. Não éramos responsáveis, ligamos para a companhia e religaram no dia seguinte. É delicado, não vou abordar a questão política, dos responsáveis, mas observo o resultado. Não é normal. É um escândalo, uma vergonha.
FOLHA - Como o sr. avalia a manutenção dos museus no Brasil? Como é essa percepção no exterior? MOLLARD - A impressão que temos é a de que o Brasil não se interessa muito pelos seus museus. Há alguns anos, fui ao Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio, e estava chovendo. Havia um problema no prédio e caía água sobre uma múmia egípcia. Também há o episódio do incêndio que ocorreu no Museu de Arte Moderna, no Rio [em julho de 1978, quando cerca de 90% do acervo foi destruído]. Se isso continuar, não haverá mais museus no Brasil. Há a tentativa aqui de criar um museu dedicado às obras do escultor Frans Krajcberg, mas não há dinheiro. Os museus são essenciais para a educação, para os estudantes, para a história etc. Isso não quer dizer que não haja várias iniciativas importantes aqui. [O problema no Masp] não é bom para a imagem do Brasil. Acho que está claro que não é feito o suficiente. Parece que aqui há mais interesse pela música e pela dança. A arte brasileira é uma prioridade, é uma pena que o Masp esteja sem luz.
FOLHA - O que o sr. acha das formas de financiamento dos museus, da relação entre financiamento público e privado? O que o sr. achou da recente iniciativa de construir uma unidade do Guggenheim no Rio? MOLLARD - O problema do financiamento privado é que em um dia funciona, no outro não. Acho que seria bom se houvesse um novo museu de arte moderna no Rio. Mas sempre há o problema de dinheiro. É uma questão de prioridade.
Museus são importantes, falam da nação, das raízes. É necessário também que sejam feitas grandes exposições, que sejam financiadas. Quando fui assistente de Lang, transformamos a arte em prioridade. Gosto muito do Brasil, das artes brasileiras. Espero que volte a luz por aqui. "Fiat lux".
Texto de Teixeira Coelho, originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo, Mais, em 28 de maio de 2006
Nenhuma questão de cultura é apenas um caso singular, nenhuma questão de cultura se resolve apenas num formato estrutural. Caso e forma geral se combinam para gerar efeitos. Portanto, as saídas para uma questão cultural serão buscadas na convergência dos dois planos.
A questão Masp -hoje constrangedora para o museu mas também para toda a política cultural pública ao redor- inclui um caso singular a chamar a atenção geral: a ausência de um projeto curatorial de prazo pelo menos médio, distinto da simples inércia rotineira, tocado por um curador estável e que arme o diálogo do museu com sua coleção e com a arte da cidade e do mundo. Um projeto curatorial dá ao museu uma linha cultural que lhe desenha uma trajetória econômica.
Economia e idéia cultural andam juntas, mas é a idéia cultural que determina, não a economia, e é o projeto curatorial que aponta os rumos, não o inverso. Um museu se faz com uma idéia curatorial e se desfaz sem ela. Esse é um aspecto singular desse caso. O resto são detalhes, de discussão interna do museu ou não, mesmo porque, no resto, o Masp é largamente viável, se quiser.
Seria, porém, um erro cômodo supor que a questão Masp se resume a um aspecto e a alguns nomes ou incidentes. A forma geral do problema é sua dimensão sistêmica, determinante num país fragilizado como este. Por sua condição simbólica, o que ocorre no Masp é mais que a ponta do iceberg. Nem por isso constitui um caso isolado, contendo em si toda a origem de seu problema.
Na perspectiva do sistema da arte, a chamada crise do Masp, que não é só dele, remete, antes de nada, à rediscussão de um contrato social para os museus.
Admiti-lo significa aceitar que, no sistema da arte do qual os museus são cabeças-de-ponte (sobretudo fora daqui, porém aqui também), quase nada mais, em país fragilizado, pode ser feito por um único ator social. O Masp é privado, mas o privado, aqui, não dá conta.
O poder público, sozinho, sozinho -e fará melhor se entender que seu papel é adotar uma política cultural de cooperação com a sociedade civil para que ela alcance seus objetivos, como seu parceiro, e não seu concorrente.
À iniciativa privada, como ao terceiro setor, cabe entender que deve responder pelo que faz ("accountability") não só em termos de manejo do eventual dinheiro público usado como de projeto. E entender, de vez, que responsabilidade social pela cultura não significa só patrocinar exposições mas comparecer o tempo todo, mesmo quando o assunto não tem glamour (pagar conta de luz). E ao terceiro setor cabe arregaçar muito mais suas mangas culturais.
Carros e cultura
Nessa rediscussão do contrato social para os museus, o poder público poderia esclarecer, por exemplo, pois também ele deve prestar contas, por que a indústria automobilística (que pode se deslocar para a China a qualquer momento) recebe tantos poderosos incentivos (ganha o terreno, não paga impostos durante anos, tem financiamento público a juros amigos) enquanto o setor cultural, em que, no entanto, trabalham muito mais pessoas, fica apenas com os clássicos, limitados e criticados incentivos fiscais (e, no entanto, um museu nunca iria se deslocar para a China, nunca os recursos nele investidos se esfumariam da noite para o dia).
E caberia perguntar, a todos, por que este país, que tem no Sesc um modelo de política cultural bem-sucedida, coisa de Primeiro Mundo, não gera solução análoga para os museus -quer dizer, amparo público, gestão privada e significação social.
Há, claro, outros tópicos de caso a enfrentar: por que em Buenos Aires uma coleção ótima, embora reduzida (comparada ao que há aqui), consegue construir para si um museu novo, de primeira linha -o Malba- e aqui o Masp não consegue pagar a conta da luz? Por que Porto Alegre constrói um museu novo para Iberê Camargo (1914-94) e aqui o Masp não consegue pagar a conta de luz? O exemplo de Ciccillo Matarazzo [criador do Museu de Arte Moderna de São Paulo] está morto e esquecido? Por quê?
Vão livre
Esses dois casos estão, por certo, imersos em duas outras formas gerais. Nenhum configura uma pergunta que caiba só ao Masp responder.
No vão livre do Masp, que não pode ser só uma boa metáfora, há espaço para uma grande mesa redonda e três cadeiras para três personagens: poder público, iniciativa privada e sociedade civil. Uma quarta se reservaria a um convidado que não precisa ser apenas observador: o sistema S (Sesc, Sesi).
Na pauta, o novo contrato social dos museus: administração (mandatos de diretoria de museus públicos, participação do setor privado no museu público e vice-versa), finanças (incentivos, aportes diretos do setor público e do privado) e projeto curatorial (desenvolvimento da coleção, papel cultural, competências).
Sem um novo contrato -para todos os museus, públicos e privados-, nem museus hoje sem crise aparente (mas ela está ativa no coração do sistema) se verão livres de virar icebergs a derreter -não sem antes afundar mais uma ou outra idéia de cultura.