|
maio 8, 2006
Santa paciência dos cariocas..., carta de Fabiana Éboli Santos ao Jornal O Globo
Santa paciência dos cariocas...
Carta de Fabiana Éboli Santos ao Jornal O Globo
O evento produzido em Santa Teresa, na Semana Santa, traz à tona um antigo debate sobre utilização do espaço público urbano e as fronteiras, nem sempre claras, entre o público e o privado na administração da cidade do Rio de Janeiro.
O "III Semana Cultural em Santa" foi um exemplo, em escala menor, da mesma visão de ocupação dos espaços públicos urbanos que orienta os produtores ligados ao prefeito Cesar Maia e que tem se materializado nos mega-espetáculos tipo Rolling Stones na praia de Copacabana, shows promovidos por Igrejas Evangélicas na praia de Botafogo, Zeca Pagodinho no Aterro do Flamengo (suspenso a tempo por uma liminar, evitando a destruição do Parque) e similares. Eventos que acabam se caracterizando como farras mercadológicas de marcas e grifes, utilizando o espaço público de maneira predatória. Eventos de produtores despreocupados com as noções de interesse público, interesse social e responsabilidade social, porém avalizados pelos órgãos da administração pública da cidade. O que lhes permite escolher os locais para realizar os mega-espetáculos de maneira aleatória e autoritária, passando por cima da rotina dos bairros, infernizando a vida dos moradores, obstruindo o tráfego e deixando para trás toneladas de lixo e detritos que só fazem alimentar a precária situação da saúde pública na cidade. Espaços apropriados para abrigar grandes eventos, como o Riocentro, o Sambódromo e o Maracanã, por exemplo, são substituídos sumariamente por espaços públicos, sem nenhuma consulta à população - aos moradores, principalmente.
Essa política "pão e circo" reflete uma concepção de administração pública onde quem ganha são os empresários, produtores e políticos. A cultura e a arte são simples pretextos.
O que não chega a ser surpreendente, se pensarmos nas mais recentes e graves ações da Prefeitura voltadas para a arte: fim das bolsas de pesquisa do Rioarte e tentativa de desmonte do próprio Rioarte! - fim dos já poucos programas de incentivo, numa cidade como o Rio de Janeiro, lotada de artistas, por decisão sumária e autoritária de um cidadão pago por nós contribuintes - o prefeito.
O absurdo do desmonte do Rioarte, uma MARCA construída ao longo dos anos por artistas, poetas, escritores, trabalhadores da arte e da cultura, por funcionários comprometidos com a noção de interesse público, uma marca, essa sim, patrimônio da cidade do Rio de Janeiro, esse absurdo não pode ser aceito pelos cariocas! Prefeito, o Rioarte não é seu não!
Só alguém que nutre um profundo desprezo pelas conquistas sociais poderia querer destruir essa marca.
Projetos culturais importantes como a Revista Rio Artes, os vídeos de artistas sobre artistas,
encontros de Dança de expressão internacional, o Concurso Literário Stanislaw Ponte Preta, exposições e outros eventos que ainda acontecem ou fazem parte da história do Rioarte - inclusive o CEP 20000, criadouro de novos talentos em poesia, artes visuais, dança e música, também ameaçado em sua continuidade - não são levados em conta na decisão política do prefeito.
Decisão que reflete não só um acintoso descaso com a arte e a cultura, mas que denuncia uma visão política pequena, comum ao seu grupo, de administrar os espaços e recursos públicos como se fossem propriedade particular. Cesar Maia e "seus homens" (que às vezes são mulheres), às custas da "confusão" privado/público, empurram projetos de duvidoso interesse público goela abaixo dos cariocas...
Não faltam exemplos desse autoritarismo administrativo, que podem acarretar contas impagáveis ao bolso do contribuinte, como a tentativa de construção de um Museu Guggenheim na cidade, em que o delírio de grandeza iria extrapolar amplamente a construção daquele Obelisco-monumento-a-nada em Ipanema, que desagradou a todos.
Por último, uma pergunta: o que acontece nas galerias de arte do Sergio Porto?
Como sempre a "panela" de produtores em que nem as lonas culturais escapam. O q mais me choca é essa concentração de eventos no Centro e na Zona Sul, ao contrário dos bairros da Zona Norte e, principalmente, da Zona Oeste. Bairros de riqueza cultural inestimada, como Madureira e Oswaldo Cruz, não recebem o menor incentivo cultural. A prefeitura só aparece com a guarda municipal reprimindo o trabalho dos camelôs. Parece q o Rio de Janeiro fica apenas limitado ao Centro e Zona Sul, com galerias, museus, teatros, não sobrando nada p/ o resto da cidade. Nem apoio, por menor que seja. Vc reclama da apropriação do espaço público, eu concordo com vc que isto deve ser melhor organizado pois no carnaval, por exemplo, foi triste ver aquele monte de carteiras "abatidas" jogadas na traseira do carro de som. Mas, eu digo pra vc de coração q se está ruim fazer eventos nas ruas de Santa Tereza, eu adoraria que estes fossem feitos nas ruas do subúrbio. Eu quero a bárbarie cultural no subúrbio, chega de exclusão cultural e social. Tragam o pão e o circo, que venha a música, o barulho e a sujeira.
Posted by: Karina at maio 13, 2006 8:51 PM