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abril 6, 2006
Carta de Angélica de Moraes ao Ombudsman da Folha de S.Paulo
Carta de Angélica de Moraes ao Ombudsman da Folha de S.Paulo, em resposta à matéria Livro capta R$ 1,1 mi, pede doação de obras e é vendido a R$ 280, de Fabio Cypriano
Prezado Marcelo Beraba
Ombudsman Folha de S.Paulo
Peço que a matéria publicada na capa da Ilustrada na quinta-feira (dia 23 de março), assinada por Fabio Cypriano, seja analisada pelo ombudsman, com toda a isenção que sempre o caracterizou. Penso que referida matéria configura grave erro jornalístico. Não serei eu, uma jornalista que começou a exercer seu ofício durante a ditadura militar e a censura política, que vai negar o direito e até o dever da imprensa investigar e denunciar. Paralelo a isso, porém, não podem ser esquecidos os fatos. Sob pena de acatarmos o exercício de outro tipo de censura: aquela baseada na omissão intencional.
Primeiro fato omitido: o conteúdo artístico de uma exposição de artes visuais que ocupou cinco mil metros quadrados do Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera, com 42 artistas e aproximadamente 170 obras. Obras, em sua maioria quase absoluta, de propriedade dos artistas, emprestadas exclusivamente para serem exibidas na mostra. O evento foi destinado ao público que, é bom frisar, paga impostos e merecia visitar o resultado dessa aplicação das verbas públicas na organização de uma exposição de arte. Trata-se de um elenco (sequer nomeado na matéria) com grandes nomes da arte contemporânea brasileira. Artistas que, assim como a curadora, exibiam o fruto do exercício honesto de suas profissões.
Segundo fato omitido: as características editoriais do livro publicado, o conteúdo do ensaio crítico do livro e, mesmo, a análise da qualidade do conjunto de obras reproduzidas. Mais uma vez, o repórter brigou com os fatos. Arvorou-se em justiceiro e censor que, sem medir conseqüências, puniu a torto e a direito. Puniu inclusive e principalmente o leitor, tutelado por uma visão estreita e parcial dos acontecimentos.
Exposição e livro, em si, só receberam atenção telegráfica de um parágrafo de serviço ao final da matéria e nas fotos ilustrativas. Todo o texto foi focado apenas no raciocínio contábil de uma denúncia. Nenhum dos dois artistas entrevistados emitiu opinião positiva, o que ofende a lógica e configura ainda maior dúvida quanto à isenção do autor da reportagem na escolha das fontes.
Curadora da mostra e autora do ensaio crítico do livro, aguardo informações dos organizadores, que me afirmaram estar elaborando uma detalhada prestação de contas aos artistas e a mim sobre as verbas públicas envolvidas no projeto. Só depois de analisar essas informações vou emitir juízo de valor sobre a denúncia. Para chegar a um juízo de valor sobre a qualidade da reportagem de Fábio Cypriano, porém, basta ler a matéria e atentar para suas omissões e distorções.
Aguardo providências do prezado ombudsman
Atenciosamente
Angélica de Moraes
Crítica de artes visuais e jornalista