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abril 6, 2006
TV digital: o que importa é o conteúdo, por Gilberto Gil e Orlando Senna
TV digital: o que importa é o conteúdo
Artigo de Gilberto Gil e Orlando Senna, originalmente publicado na Folha de São Paulo, seção Tendências/Debates, no dia 2 de abril de 2006
O que importa para a sociedade brasileira é o que a televisão digital vai mostrar e para quem. Interessa saber se a nova tecnologia permitirá maiores opções de escolha de programas gratuitos, se a nossa diversidade cultural e a diversidade cultural do mundo estarão acessíveis em todos os lares e escolas e se toda a população -ou que percentual dela- terá acesso à nova maravilha da comunicação. Interessa saber a qualidade técnica da imagem e do som, mas, muito mais, o que estará dentro desse invólucro mágico.
Os estudos de pesquisadores brasileiros no âmbito do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) proporcionaram ao governo uma visão completa sobre as muitas questões envolvidas na transição da televisão analógica para a digital.
Contudo, o debate atual na mídia tem enfocado apenas o padrão de modulação, responsável pela transmissão e recepção dos sinais, um dos aspectos-chave de qualquer sistema de televisão digital. Discute-se se o Brasil adotará o padrão norte-americano, o padrão japonês, o padrão europeu ou mesmo uma inovação inteiramente nacional, o Sorcer, desenvolvido na PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
É um debate tímido ao qual o governo não se restringe. Tímido porque retira o foco das principais questões envolvidas na implantação da TV digital: a estruturação de uma política industrial calcada na microeletrônica, a incorporação de tecnologia brasileira, a otimização do uso do espectro de radiofreqüências e a construção de uma política para a produção e a difusão de conteúdos audiovisuais nacionais.
O espectro de radiofreqüências é um bem público escasso, cuja utilização deve resguardar o atendimento do interesse público.
No mundo digital, não há mais sentido em falar em canais. Os mesmos 6 MHz que hoje dão vazão a uma programação de televisão no mundo analógico possibilitará, com técnicas de compressão, que oito programações digitalizadas cheguem à casa dos telespectadores, caso se opte pela transmissão em definição padrão. Ou possibilitará a coexistência de uma programação de alta definição e mais quatro programações em definição padrão.
A passagem do paradigma dos canais para o paradigma das programações exige que se ponha na mesa uma análise sobre o modelo de exploração da televisão digital. É uma análise, uma discussão que independe da escolha do padrão de modulação a ser adotado.
A otimização do uso do espectro abre espaço para que novas programações cheguem aos telespectadores. Emissoras de interesse público, hoje disponíveis apenas por assinatura, poderão chegar à casa de milhões e milhões de brasileiros. Assim como emissoras comunitárias, universitárias e, naturalmente, novas redes de emissoras públicas e comerciais.
Abre-se, aqui, a discussão de uma nova política pública para o audiovisual brasileiro.
O dinamismo da indústria audiovisual, com geração de mais e melhores empregos, depende da criação de novos instrumentos legais para o setor, que contemple preceitos constitucionais como o estímulo à programação regional e à veiculação da produção independente brasileira nas emissoras públicas e comerciais -preceitos amplamente adotados em vários países. A regulamentação desses preceitos constitucionais assegurará a potencialização da produção audiovisual brasileira e a expressão da diversidade cultural do país na televisão aberta, o meio de comunicação mais acessível aos brasileiros.
A criação de novo marco regulatório para o audiovisual e para a comunicação social brasileira envolve aspectos políticos, econômicos e culturais que antecedem, perpassam e acompanham a implantação da TV digital. Trata-se de um debate público necessário, cujos resultados são fundamentais para a cultura e a democracia brasileiras e para a consolidação do país como grande produtor de conteúdos na era das convergências e da economia digital.